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30.12.19

26.12.19

Um textículo: "ponte"


retrodianteiro curvoblíquo
central
vertiorizontal esquerdireito

em haicaos - feridas, fragmentos e fraturas poéticas, SP, edição cartonera, 2018

19.12.19

Um textículo: "filosofiando"


sobre o que não se pode rir
medite
ore
molhe
melhore
não chore

sobre o que não se pode chorar
olhe
acolha
recolha

sobre não se rir
óleo

sobre não se chorar
olho

18.12.19

Um texticulozinho: "além do fim"


o que restou de mim, carrego como troféu sobre a cabeça;
às costas, como se fosse cruz.
mas é réstia de luz.

16.12.19

Um textículo: "da natureza dos vivos"


incêndio na floresta
vulcão cuja lava
lava a flor

saliva com gosto de sol
sorriso com cores de luz
boca com desenho inacabado
aperfeiçoado

obra prima do corpo da
imaginação em processo

15.12.19

Um textículo: "aspiração"


um céu para os seres etéreos
um véu que cubra os subterrâneos

entre um mundo e outro
o solo
de um velho violoncelo

em todo tempo
o amor sopra a vida
que vadia por outra vida
aquém daqui
além da lenda

11.12.19

Um textículo:" trabalho de conclusão de curso"


cientistas produzem cápsulas para
amenizar a dor da morte
teologistas fazem discursos
para contornar a má sorte

poemas são cores flores sabores
dores
e dádivas

8.12.19

Um textículo: "peleja"


o mau humor combate o bom humor, que não existe.
mas resiste, não desiste.
o humor negro briga com o humor branco.
que nem insiste

enquanto isso, em algum lugar
o melhor reina

7.12.19

Um texticulozinho: "a metáfora nasceu"


Num dia de abril, o verso se fez carne e habitou entre nós.
Desde então, a vida é só de licenças. Poéticas.

4.12.19

2.12.19

Um textículo: "dioniso"


o discurso
vontade de devorar botões
com a pressa carnal dos afoitos
com violência apaixonada dos amantes
urgência física da virilidade
tesão delicado dos enamorados

a prédica do padre aconselhando
o que nunca fruiu
o que nunca lhe queimou a pele
o que nunca insurgiu no seu corpo

prece austera de santo pouco à vontade
com suas vontades

e a apreciação da beleza só
consentida a quem se dá
sem vaidade

1.12.19

Um textículo: "espuma"


todo dia o ar acende velas
na crista do ar
e respira as luzes faiscantes do mar
por isso esse lar é sagrado

todo o dia o oceano
é só uma solidão de oxigênio
diante dos hidrogêmeos
por isso o ar é salgado

o filtro do sol é algodão
doce branco esvoaçante
chuva gasosa voando ao léu
grávida
gotejando esse colírio
colorido
nas retinas extasiadas
plasmadas na exultação

por isso o mar é
pois isso amar é
por isso o brinde
espumante

29.11.19

Um textículo: "autobiografia"


o poema me pediu
uma autobiografia.

recitei:
sou a soma de todos os semáforos
que atravessei no vermelho no meio
da madrugada ou em frente ao guarda
todas as vezes que trafeguei na contramão
as conversões proibidas
a velocidade acima do permitido

e a multiplicação das encruzilhadas
onde me perdi
sem dividir isso com mais ninguém
tampouco subtrair os erros deambulantes

"poema, você que me pede essa autobiografia
deveria saber que sou abstrato
líquido disforme
alma dissonante. dentro de mim
bate esse corpo autoerrante
aqui tem um coração, e nele
todas as razões do mundo
para me jogar em seus braços
me arrastar a seus pés
me prostrar de joelhos
e falar que pra você confesso tudo
que pra você eu digo tudo
mas ainda assim não sou eu
não é o todo de mim que se declara aqui

poema, te amo
mas mesmo assim
por mais sincero que seja
você sabe que minto
você sabe onde eu minto
e mesmo assim, você sabe
- só você sabe - o que não sei
mas sinto"

o poema me pediu um poema
dediquei a ele esses rascunhos
"creio que você entende essa incrível
saudade da rima
essa paixão pelo ritmo
a devoção pelas imagens
mas você, poema, sabe, sabe muito
de minha inveja
de compositores, de artistas
sobre como transformo o teclado,
as folhas do caderno
num palco
e atuo pra você

poema, tenha dó dessa alma
cercada de corpo por todos os lados

poema,
tenha dó de minha falta de sentido
tenha dó do meu excesso de sentidos
tenha dó de eu não fazer sentido"

28.11.19

Um textículo: "peregrinação"


O mesmo drama.
A mesma brahma.
A mesma bruma.
Aliás, a mesma embromação.
Tudo bem. Vamos lá. Jacó e Isaque, co-irmãos, enfim desdebruçaram-se diante do tanque de areia. Havia muito a fazer.
Depois de uma longa jornada, com fome, cofiando suas barbas sujas, barbas feias e ralas, chegaram ao destino. Tomaram conta da casa almejada. Pintaram o sete. Aboletaram-se na cumeeira. Voavam em felicidades. 
De longe, quem os vê, imagina passarinhos.
Outro tanto de gente, a meio caminho, pensa enxergar anjos suspensos.
Algumas pessoas plasmam, choram e oram.
Tem criança que acredita em mágico.
Mulheres ciumeiam.
Tarólogos lêem o futuro.
Um grupo, o mais cético, cobra ingressos do espetáculo. Há muito a fazer. Organizar filas, por exemplo.

26.11.19

Um textículo: "oferenda"


Preciso te ver nem que seja entre meia noite e meia noite e meio dia entre o por do sol e o sol se pondo, 25 horas por dia Pra você faço farei fiz os mesmos versos Inimagináveis e impossíveis A loucura como diapasão

24.11.19

Um textículo: "convocação"


apresenta suas mãos
é chegada a hora
antes eram os livros de história
que descreviam vida e obra de mártires mortos
agora somos nós que vamos escrever
as próximas páginas
com suor e sangue

apresenta seus olhos
esteja atento
e aprenda que a vigília de agora
é porque dormimos em alguma hora errada
(os chacais nunca descansam, mesmo na hora
do gozo em motéis caros; não
dormem, ainda que bêbados, nem
descansam, mesmo em piscinas)

apresenta seus pés
suas cabeças
as esperanças
deposite tudo aqui
agora marche!

quanta tristeza há no dilúvio, meu deus!
dois a dois, os eleitos sobem
os degraus da imortalidade.
a seleção se prepara para zarpar
enquanto a torcida
solta fogos e bombas cedidos pelos céus
sem nenhum artifício

21.11.19

Um textículo: "a revolução"


as saídas estão todas tomadas
ouve
só sua solidão fala
no meio dessa multidão
as ruas intimidadas pela
falsa calmaria da normalidade

confessa
você fica feliz nas horas mais impróprias
você se envergonha de ficar feliz por muito tempo
urrando por dentro
em tímido contentamento pois comprou
algo da cor amarela; outro, azul ou preto

oras oras oras
seu sorriso é vulnerável
a felicidade é revolucionária
pois feita de beijos e abraços
atrai mais inimigos que a guerra

confessa
você já disse eu te amo pra muita gente, né?
repita, sempre que necessário. não há fórmulas
o amor é uma arma recarregável
e mais revolucionário que a felicidade

lembre-se
a revolução é um dos improvisos da utopia

19.11.19

Um textículo: "altar"


não acredito em corte de cabelo
ou uma mão abanando adeus
assim como não creio em
palavras escritas em redes virtuais

a palavra não existe

a única dádiva para a qual
ascendo vê-la
é de olhar dentro do olho

18.11.19

Um textículo: "poeciclo"


bendito ócio que nos permite a abstração
bendita abstração que nos conduz à criação
bendita criação que nos exige trabalho
bendito trabalho que aspira ao ócio

17.11.19

Um textículo: "todo perfume é uma metáfora"


você também sente o cheiro mesmo à distância de meses? vê os olhos no escuro? fala a língua de anjos? sente a pele emoldurada na ponta dos dedos? sente a alma se desprender da carne? o corpo fugir para o abismo?

você está a mando de quem?

dessa desrazão

15.11.19

Um textículo: "haevven"


as prateleiras da loja
vendem detalhes:

(o garoto solitário na creche
chuta a bola contra a parede
e seu pai - deslumbrado! - o acompanha nas embaixadas
compra a imagem 
em 3d, com recursos de edição (ou não)
e áudio estereofônico
parcelada em 3x no cartão)

(o avô, internado no asilo
joga xadrez online com a neta nerd
as três primeiras partidas são de graça
as próximas, descontadas no débito automático)

as vitrines da loja online vendem detalhes
para casais discretos
algemas chicotinhos mordaças
velhas velas vermelhas intumescidas
chamas à distância
lubricidade virtual
e ereções sem prazo de vencimento
nos períodos de liquidação

no futuro, lojas venderão o futuro
óbvio


14.11.19

Um textículo: "expressão"


pois não há diálogo
a língua esbarra em outra língua
e nada
num mar de saliva
não há diálogo
a língua expressa o que bem quer
outra língua interpreta
o que bem entende

não há diálogo

a sós com o outro, o corpo esbraveja

10.11.19

Um textículo: "tradição"


esopo visitou-me cedo.
ainda na infância
escapou na madura idade

parece retornar agora
nessa nova infância
que rima com fim

8.11.19

Um texticulozinho: "letras desidratadas"


queime gorduras, tire o excesso de roupas, os adornos, cancele a pizza e corte o álcool.
e o romance vira um conto minimalista.

7.11.19

6.11.19

Um textículo: "sintonia"


primeiro ato
meu deus, essa voz essa gargalhada
é uma sinfonia?
segundo ato
esse gemido esse silêncio esse
este
isso
é uma sinfonia
terceiro ato
nem beethoven comporia melhor
ato final
o show não para

5.11.19

Um textículo: "concurso público"


g) em relação à questão anterior, quando o autor afirma " tipo assim, caçador de nuvens / cata dor de borboletas" (Escobar Franelas. Puça. In: Poesia resumida. Rio de Janeiro: Heteronimia, 2081, p. 139), julgue os itens subsequentes:
g.1) A construção formal comprova que o poema pertence ao Pós-barbarismo.
h) Dos sentidos do trecho infere-se que o poema é dirigido a um interlocutor metafísico.
i) O poema transmite uma visão contemplativa da vida.
j) O trecho recortado apresenta uma construção especial da linguagem que confere ao texto nuances da função metalingüística.
k) O verso “cata dor de borboletas” é de natureza metafórica, conotativa.

l) a arte existe para que a vida
( ) não enfade
( ) não empaque
( ) não empate
( ) não resista
( ) somente as alternativa 3 e 4 estão corretas
( ) todas as alternativas estão erradas

4.11.19

Resenha: Livro "Suba Mais Um Degrau Dessa Escada" (Joel Dias Fº)

Foto de Joel Dias Fº

"Suba mais um degrau, desça a escada, ou, 
a estreia de um jovem veterano nas letras"

Todos sabemos que a arte é uma espécie de sagração. É em sua manifestação, em seus louvores, em sua sublimação, que os seres se aproximam mais perigosamente do estado de "descerebração" que a determina. Na Arte, assim, como na vida (pois uma e outra se anelam, se envolvem num só corpo indefinido e indefinível), que as pessoas encontram o lenitivo para suportar o determinismo, o absurdo e as contradições da existência. A Arte é quem nos protege da morte. A Arte nos eterniza.
Joel Dias Filho, um dos inquietos criadores do canal de poesia e música Peixe Barrigudo (Youtube), do Slam do Prego (Guarulhos) e do Sarau Alfinete (também em Guarulhos), fotógrafo, videomaker e outros quetais culturais, também é poeta, desses natos, tatuados desde as primeiras manifestações pelo sol abrasador da fulguração criadora. Se é verdade que na natureza nada se cria, tudo se transforma, em Dias, tudo nasce ou se recria através do indizível, do improvável, da junção das águas do Rio Negro e do Solimões, da hipotética aproximação das auroras boreais e austrais. O poeta é daqueles que prescindem das oficinas de escritas criativas. Ele é a própria oficina, a escrita que pulsa naturalmente, a criatividade em situação exponencial.
Suba Mais Um Degrau Dessa Escada, livro que apresento aqui com argumentos apaixonados, ainda que lúcidos, é o primeiro com poemas de sua autoria, nascido com a assinatura do selo Va Cartonera (SP). Cartoneros são livros feitos normalmente em sulfite reciclado, com capas de papelão que estavam destinados ao lixo, pintadas à mão e os miolos costurados da mesma forma, um a um. Este modelo de publicação nasceu na década de 1990 na Argentina, como via de produção mais barata e autoral, diante de um mercado refratário e com excesso de filtros para textos independentes, principalmente de poesia. No Brasil, o nome mais celebrado é o do selo Dulcineia Catadora, mas o mercado para este tipo de publicação tem crescido de maneira vertiginosa e hoje autores de renome (e não só iniciantes), procuram este tipo de publicação para suas obras. A Va Cartonera tem se dedicado a suprir as demandas desse nicho de mercado com obras originais e criativas. Como este "Suba...".
Os versos de Joel, jovem autor de Guarulhos, nasce sustentado pela lírica de um escritor inspirado. A estreia parece indicar um veterano:

Dor
É reler todos os textos não enviados
Guardar no fundo da gaveta todos os poemas não lidos
(p. 28)

Todavia, o livro apresenta outras nuances que orquestram a favor da poesia em estado de excelência. O poeta alça voos inusitados, alcança horizontes imponderáveis, descortina texturas que deixam a pele à mostra:

Da vida só leve
O que é leve
Alegria amor e amizade.
Sentimentos de pesar
são muito pesados
Pra minha alma que quer flutuar
(p. 4)

E temos a soberba ostentatória que indica uma certa naturalidade no trato do ser com a inspiração. Fruto provável de muita conversa entre o elã criador e as leituras sensíveis que o poeta faz, das pessoas, do mundo, da vida.
Aí entra em nosso campo sensorial um sortimento de detalhes talvez não visíveis a quem não se deixar queimar pelo fogo da sua fátua poesia. Assim, o parágrafo de abertura deste texto tenta dar da questão premente que nos envolve na literatura de Joel Dias Filho desde os primeiros versos: o fortalecimento simbólico com o sagrado que a Arte nos remete. Isso fica bem exemplificado no poema em que cita uma influência primordial em sua construção:

"Akira me mostra um texto
Dizendo doer
não sei aonde
(...)
Fico me repetindo para ver se consigo
Me fazer ouvir meu próprio conselho
´Joel, não tenha medo do futuro.
Ele é só mais um passado
que ainda não teve a chance de acontecer´"
(p. 21)

Neste poema, e durante todos o percurso de Suba Mais Um Degrau Dessa Escada, Joel Dias Filho coloca-se em posição receptora (nunca submissa), admira o que lhe atrai e, principalmente, admite as trocas que a convivência humana determinam. Assim, a reverência do poeta (indicada em meu título), é, na verdade, um exercício de ascese, pois o artista externa sua prática além da estética, mas comunga com a ética.

Serviço:
Livro: Suba Mais Um Degrau Dessa Escada
Gênero: Poesia
Autor: Joel Dias Filho
Editora: Va Cartonera, SP
Ano: 2019 (1ª edição)
Páginas: 40

Foto de Luka Magalhães

Joel e sua mãe, a também poeta Rosinha Morais, em foto dos arquivos de Va Cartonera

3.11.19

Um textículo: "as intermitências entre céu e inferno - II"


estamos a meio caminho entre o céu e o outro céu
tantas chances de dizer amo você
duas três mil, todas
mas a gente não diz

entre o inferno e outro inferno
uma duas três, mil chances de dizer eu te amo
mas a gente não diz

oportunidades de dizer
e às vezes a gente diz, desdiz, não diz
conjuga tempo e lugar errados
meio, caminho entre o céu e o outro céu
inferno: entre um e outro, o limbo
o linho o ninho 
dos afoitos

PS: era uma vez feliz para sempre

2.11.19

Um textículo: "conceição - II"


Poema nasceu num parto difícil. Desde a morte da dona Poeta, vive vadio por aíaquialilá.
Órfão, belo e terno.

1.11.19

Um textículo: "calma de casal solteiro"


nósnosamamosnósnusamamoseuteamoeutegamoeutechamovocêviuminhameianãotemcafénãotemcaféamanhãvamosnasuamãevaiamoramanhãvamosnaminhamãevocêpagouacontaquemquebrouoespelhovemamorhojetemreuniãonaescolaaidoeuaiumavírgulavocêpensaqueeunãoviissocomforçadeixaqueeupagodesligaamáquinavocêestácommauhálitoacontatáatrasadanossativeumpesadelovocêestácomchuléoqueestáqueimandomaismaismaisvocêronca!estáfrioestáquenteestámornodesligaaluzteamo

31.10.19

Um textículo: "as intermitências entre céu e inferno"


o verso apaixonou-se pela palavra
mas ela, num descuido adolescente
não notou os olhos rabiscantes do outro
ignorou as mesuras do consorte
aliás
fez pior, comentou com a sílaba
das roupas coloridas deste
do excesso de verbos, o andar bambeante
sempre apressado.
e falou mais, que era feio, manco
deselegante

e o verso, desconsolado
sem saber o que fazer
sábado à noite foi ao baile da poesia
dançou com outras frases
beijou um advérbio inadvertidamente 
abraçou até adjetivo bêbado
fez amor com um sujeito oculto
não voltou para casa
nem viu o domingo acordar
pesado dentro de um bolso
cerrado dentro da bolsa 
manchado de batom 

EPÍLOGO
o fim? vive junto
não casou mas passa bem
está grávido

PS: era uma vez um final feliz

30.10.19

Um textículo: "rua"


em frente à loja
o senhor de olhos cansados
me aborda
oferece algodão doce
perto dali
o garotinho de olhos vivazes
me interrompe 
o senhor quer  um geladinho?

a jovem dona de casa, trufas
a velha dona de casa, cocada
a universitária, cocada
o imigrante, relógio

de jeová, as testemunhas
policiais
bandidos

abordagem diferentigual

e tudo que quero é paçoca ou tapioca
e água

29.10.19

Um textículo: "relação"


todo dia agradeço
por esbarrar em você, poema
todo dia me visto de versos
para você
desvisto do pior em mim
para que seu melhor entre
me inunde,
poema

você me torna terno e me me põe
pra dentro, nesse lugar de ser feliz
aquiaí