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30.4.19

Um textículo: "questões sem título"


Creio
Creio tão completamente
que duvido dessa certeza

E duvido
Duvido divinamente
dessa certeza atroz:
a dívida comigo, a sós.

Entre o crente e o cético
em mim
um segundo ou um século

e
o pêndulo oscila
sem vacilar

29.4.19

Um textículo: "prazeres da carne e ouros prazeres"


poesia como iguaria
poesia caça pesca flerte festa
poesia piscina campo praia 
poesia que não rima, no entanto 
que chora que ri que vaia
aplaude alude derrota
poesia especiaria
de sabor de aroma, textura e forma
poesia "au passant", com "sex-appeal",
"enfant terrible", colhida de virgílio
nos campos de trigo, em certo abril
poesia sonho vigília ilusão
poesia de salomão, poesia helena
tudo poesia, todo poema

28.4.19

Um textículo: "poesia e comunhão"


tempos de colheita
a camponesa acorda antes do sol
ora e sai à lida
vai arar o coração
semear, regar palavras
fecundar a terra 
dar de comer aos poucos
beber da água da chuva
colher linguagens
volver com as cansadas asas
dormir, acordar, continuar

o povo da cidade come
o produto natural
como se fosse nada
- chiclete de chuchu -
mastiga e não percebe o gosto
do suor da ponta da caneta
que lavra a carne inóspita
do planeta

27.4.19

Um textículo: "uma vida comovida"


o asco do azedo
salta do verdelimão
de vielas latrinadas
dolorido escarlate delator

escapa da dó
ressentida de dor
ressecada de pó

pra engraxar as relações
desengrenagens

ácido não

26.4.19

Um textículo: "digressões"

não há espetáculo mais emocionante que a vida
celebrando a ex-vida.
na face rosa do louvor, o haicai vibra
o soneto enaltece
o canto marcial estala 
e celebra a ode
e esta, consternada, rima com o réquiem
...
a rosa, essa morre aos poucos
contrita, entredentes
entre dedos distraídos
entre deuses, semideuses
e poetas
ressentidos
rosas, subtraídas do chão
cultivadas no céu das rosas, no céu
etéreo das rosas 
adubadas com as lágrimas ácidas
da expiação ritual

meu deus, quanta poesia há
na bruma turva
que sopra esse vento ardido nos rostos
de postura cinematográfica!
e as folhas mortas em nossos pés
de pêsames.

tem tanta adoração
nesse louvor compungido
nos gritos de guerra
nos cantos xamânicos
nas vozes alteradas
e embargadas pelos tapinhas às costas
que quase acredito 
na sinceridade de meu choro

chove lá fora. observo.
os pingos beijam os parabrisas, depois escorrem, 
viram outra coisa mole (morrem?).
continuo a contenda interior: juro que
entendo mas não compreendo
e nada melhor explica
a emoção dos epitáfios
que celebram a morte e esse seu amor
pela vida que a abastece

25.4.19

Um textículo: "sinfonia"


O filme tem recursos 5.1
e som estereofônico:
às 3 da manhã, o pernilongo 
vibra as primerias notas
de sua ópera inquieta.
Revive o meu inferno dantesco.

O filme é quase 3D:
o áudio vaza à direita
a mão espalma o ombro
e o som reaparece à esquerda.
O braço entende errado
estende o nervo de aço
que nada acerta em seu rastro.

Fim do primeiro ato.

Depois de longo hiato
pela manhã, os olhos fatigados
tez enrugada, ossos moles
inicio o segundo.
Fato triste e infecundo.

24.4.19

Um textículo: "santa maria, rs, 27/01/2013 (ex-silêncio)


O segurança lembra Cérbero
- cão sem cérebro
guardião do inferno -

Tudo em chamas, e ele:
"Não não não
se não pagar a comanda
não poderá sair
para a vida".

23.4.19

Um textículo: "depois, o amor, antes"


Amor não suporta metonímias.
Emoções são arrancadas das peles 
das metáforas evasivas
enquanto o fluxo escarlate
incendeia as raízes ruminantes.

Amor bebe e come pleonasmos.
Aqui as redundâncias se namoram
beliscam a pele ardente
de uma lava crente 
de sentidos.

Amor é antítese e é hipérbole.
advérbio de modo
gerundismo nauseante, bem recortado
particípio sem passado
veneno do próprio antídoto

22.4.19

Um textículo: "cool jazz"


não saberia dizer
não sabia dizer
não diria 
- sabe? - 
que tudo que queria
era o silêncio
(seu assovio silente)

21.4.19

Um textículo: "sob(re) o levante jirradista"


Segundo o jornalista
o Mali não é o novo Afeganistão.
Tampouco um Africanistão.

(penso, "seria um povo acristão?")

o Mali, agora (enquanto
balançamos nossas cabeças
e lemos velhos jornais)
retrata apenas o Mal, ali.

20.4.19

Um textículo: "glosa brincante"


tempos depois, um dois
melhores jogos que vi
copos, prataria das boas, desenho de copas
e três
quatro centos de sortilégios
dados aos quintos (dos infernos?)
condenado à sexta-feira
na hora da siesta
com um cesto sortido
com os 7 pecados
veniais e geniais o símbolo
do infinito, um 8 indefinido
que, noves-fora,
zera tudo.

19.4.19

Um textículo: "quando o poema acontece"


poema assim, que acontece às vezes
em hora imprópria no banheiro,
na roda de conversa no meio da cerveja
no meio do sonho no meio do sono
na saudade de um gesto desdobrado no papel da lembrança
na leitura de um poema que acorda outro poema 
adormecido

poema que leva você pra tomar ar lá fora 
poema que embriaga sem álcool
poema que acontece

18.4.19

A trajetória literária de Xico Sá, em Suzano

A imagem pode conter: 1 pessoa, sentado e área interna
Sacolinha e Xico Sá. Foto de Luciana Regina Basílio
Ontem, 17 de abril, foi uma noite mágica para quem se dispôs a ir até o Centro Cultural Francisco Moriconi, em Suzano. Foi lá que o escritor Sacolinha recebeu o jornalista e também escritor Xico Sá para um bate-papo sobre literatura. Organizado pela Associação Literatura no Brasil em parceria com a Secretaria da Cultura de Suzano, o evento - Trajetória Literária, que acontece desde 2005 na cidade e já recepcionou nomes como Ariano Suassuna e Sérgio Vaz, entre outros - recebeu um considerável público no auditório Orlando Digênova.

Sá discorreu sobre sua infância, no Sítio das Cobras, no sertão do Cariri, Ceará. Ele emocionou-se com a presença na plateia de uma amiga de infância, dona Rubenice, que reside na cidade e veio ao evento especialmente para prestigiá-lo. Dentro da "linha do tempo" biográfica, o autor comentou sobre sua saída do sertão, as experiências da juventude em Recife, a formação em jornalismo. Em sua digressão, rememorou os tempos de repórter policial e esportivo, a mudança para São Paulo para trabalhar no jornal Folha de São Paulo, onde ficou por quase duas décadas. Instado por Sacolinha, Sá dissertou sobre sua reportagem mais famosa, quando localizou em Maceió o ex-tesoureiro da campanha de Collor, PC Farias, na época um foragido da justiça. Outro assunto abordado por Sá refere-se à sua proximidade com os precursores do movimento mangue-beat.

O autor - que estava lançando seu livro mais recente, Sertão Japão (de haicais) - também falou sobre sua carreira literária, que era sua ambição inicial e tornou-se, com o passar dos anos, em uma via paralela que a todo momento se intersecciona com sua produção jornalística. Na segunda parte do encontro, Sá interagiu com o público presente, respondendo a perguntas e fazendo apontamentos sobre o momento político, social e cultural do país, além de debater sobre a carreira de escritor e sobre o protagonismo feminino.

Além de colunista da FSP, Xico Sá também foi integrante da lendária equipe de comentaristas que compunham o programa Cartão Verde, na TV Cultura, que contava também com o ex-jogador Sócrates na bancada. Também fez parte dos programas Saia Justa e Papo de Segunda, ambos do canal GNT.

Autor de mais de uma dezena de livros, além de participações no cinema e no mundo fonográfico, Sá explanou ao público presente um panorama abrangente sobre o fazer jornalístico e sobre as questões que permeiam a produção literária no Brasil atual. 

Ao fim, ainda presenteou-nos com uma sessão de autógrafos e fotos.


A imagem pode conter: 13 pessoas, pessoas sentadas e multidão
Foto de Luciana Regina Basílio

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas
Foto de Luciana Regina Basílio

17.4.19

Um textículo: "escangalha"

o céu agora gargalha.
e da goela de deus
vem trovões, relâmpagos 
diversas imprecações
e dos olhos de deus saem 
cores de vários matizes
e de suas narinas
vêm aromas e odores

agora o céu atrapalha.
dos dedos de deus
vêm a assinatura das leis
da estridência das risadas, a
cócega e a carícia
e da boca de deus
ecoam elvis, ella, elis

agora o céu escancara.
lá do alto da montanha
a tez grisalha da manhã
entardece, envaidece
torna-se cômica, palhaça
até que desce, cerra
fecha, corta, apronta
e enfim anoitece
adormece, ronca, baba

agora o olimpo barganha.
e o sorriso jocoso
dos mafiosos ciosos de zeus
confundem a rima toante
raptam hera, a irmã
e mal rompe a manhã
escapam por entre os dentes
explodem no grito demente 
que seca e rasga gargantas
de corpos e almas crentes

16.4.19

Um textículo: "o diálogo da vida com a morte"


é um velório.
atrás das faces contritas
atrás das cabeças pesadas
das janelas, do muro
atrás, bem atrás
bem antes daquela montanha
vejo urubus em voo

dentro da terra, a vida ferve
"é uma criança, teremos uma refeição
de carne fresca", diz um  micróbio afoito.
"carne virgem, imaculada", urra outro.
"e foi um primo meu que enviou,"
completa uma bactéria letal.
"oba", comemoram

"será que vai sobrar algum?"
é a voz do urubu errante que soa como um trovão
"sempre sobra, nem que seja um tiquinho", atalha o outro.
mas um deles, o mais velho, assevera:
"esqueceu que eles sempre escondem nossa refeição
debaixo daquelas mesas de cimento?",
e gargalha, e ri, e dá um rasante pra perto de mim
que nada ouvi
mas considero, aqui, que muito comentam
e há muito espreitam
a criança que repousa ali,
banquete de uns
lamento de nós

todos


15.4.19

Um textículo: "rito de passagem"


escrever
eu te amo
na dura madeira do parque
e riscar
um coração em volta
no rijo cimento da cidade
ou então
um I love you
na pele pura
da idade imatura.

e nessa amperagem, tudo incendiar
e dessa viagem, nunca mais voltar.

escrever essas coisas
(mesmo que bobagens)
e não mais apagar
nunca mais corrigir
o passo incerto e preciso
desse calcanhar de aquiles.

14.4.19

Um textículo: "indícios"


o meu olhar fica aqui
amando seus olhos
sem saber onde pousar.

o meu amar fica assim
todo sem jeito
vendo o seu olhar.

os meus, os seus
nossos olhares
nossos amares
nada falam
tudo dizem
nessa quietude suspensa
que amamos sem namorar

12.4.19

Um textículo: "dos mistérios de benviver"




Hoje mudei tudo todo tanto para dentro do manual para ler as estrelas. Sei que assim não mudo o mundo, não mudo nada. Mas essa mudança permite  habitar esse interior inescrutável, portanto misterioso, portanto belo, o meu. 

* manual para ler as estrelas é um libreto de poemas textuais de daniel carvalho, ilustrado pelos poemas visuais de rodrigo motta (edição do autor, sp, 2018)

Resultado de imagem para daniel carvalho manual para ler as estrelas

9.4.19

Um textículo: "lindícia"


vamos fazer assim
você, conjulgue-me
e com juntamentes
amaramamos
amaremos
amar rimos
amarrumos

lindícia, você
amamora aqui

e entre tantos neologismos
um nascente todotudotanto brotaqui
e o segundo, nesse exato segundo,
é você, lindícia
e é uma delícia de se ser, lindícia
e é
e que assim seja

8.4.19

Um textículo: "agora e antes"


antes de me encontrar com vocês eu era
assim
(como dizer?)
meio poeta.

antes de conhecer todos vocês
vivia acabrunhado pelos cantos
fechado no quarto, sempre pra balanço
duvidando das coisas, de todos, de mim!

mais propenso ao não que ao sim.

antes de estar com você eu estava assim
assim
meio a reboque meio pau a pique
meio som meia luz meio tom meia lua
meio ao meio.

antes de ser você eu era metido a poeta
pintava nuvens em meus pensamentos
abraçava a luz como quem se acaba com algodão doce
amava mais que o próprio amor; amava o amor (e só)
criava música sem instrumentos
dava coice em arco-íris, chupava lufadas de vento
colocava açúcar no cimento

depois, muito depois, 
fui aprendendo a entrar em você, 
devagar, bem devagar, fui aprendendo a estar em você.
e meus gestos foram ficando mais singelos,
menos secretos, mais sinceros, menos discretos
e todas as palavras que saíam de minha boca 
tornaram-se palavras de deus:
eram versos dispersos, cardume numa represa
hoje são sem pressa
eram gotas de chuva, tornaram-se de uva
coziam em banho-maria, perfumam agora os dias

antes, eu era meio besta, metido a poeta
hoje sou todo você, poesia.

7.4.19

Um textículo: "a mão direita"


o cão vem
passa seu cucuruto em minha mão 
in a d vertida

o papel re
bola
de
baixo dos dedos céleres

antes, outros papéis - cumprindo outros papéis
(a vida
assim exige)
embolaram - antes mesmo de embolorarem -
bem antes de lançarem-se ao cesto
certeiros

a caneta continua ali
sem sair do abraço dos dedos

as páginas reviradas do livro
brigam
só para estar mais próximas das falanges

e os jornais que, desavergonhados,
querem o tato, os olhos, o colo todo?

a bala desembala-se, fica nua
só pra sentir o toque 
antes do mergulho na boca

por último, por primeiro (pouco importa a ordem!)
só o dinheiro, tímido
insiste em não estar, em desestar, mesmo estando
enquanto as unhas - unhas são os olhos dos dedos,
as portas dos dedos, as cercas dos dedos -
seguem as cifras desiguais, no bolso

6.4.19

Um textículo: "esteira"


vieram muitos outros
desde a pré-história
desde antes de tudo, de todos
veio jesus, barrabás
cada qual com sua cruz
vieram bárbaros, bávaros
arianos, visigodos
outros gordos
turcos, gregos, romanos
outros manos

vieram mais, muitos, vários
diversidade
tantos trouxas, tortos
que deu 
no que deu

5.4.19

Um textículo: "essa noite o sono foi dormir noutro lugar"


essa noite o sono foi dormir noutro lugar
não houve pesadelo
insônia ou nevoeiro

tive um presságio
um insight fugidio
um lapso um desvario

essa noite meu prazer foi gozar noutro lugar
estava todo quente
morno gelado frio

o pensamento, sem pensar
em galope doido, luzidio
passou tonto, torto, rente
foi passear noutro lugar

foi aí que me achei

viver é voltar
sempre
ao mesmo eterno lugar

4.4.19

Palestra: "Conhecendo a Região Leste de São Paulo"


Ontem, 03 de abril, proferi em Suzano uma palestra seguida de debate intitulada "Conhecendo a Região Leste de São Paulo". O evento abriu o 9º ano da Comunidade do Conto, em Suzano. 
"Conhecendo a Região..." é uma roda de conversa ampliada baseada em meu livro "Itaquera - Uma Breve Introdução" (2014). Todavia, se na literatura o recorte versa sobre Itaquera e adjacências, já nas primeiras apresentações, ainda em 2014, observei que teria que sair da limitação geopolítica e oferecer uma visão panorâmica sobre todo o território leste do estado de São Paulo, ou seja, além da zona leste da cidade de São Paulo, o debate avançaria sobre a região do Alto Tietê, abrangendo em determinados momentos o Grande ABC, o Vale do Paraíba e Baixada Santista.
E foi sobre isso que conversamos no encontro de ontem, abordando questões históricas associadas a outros elementos das ciências humanas, como ocupação do solo, urbanização, desenvolvimento agrário, questões etnológicas, sociológicas, culturais, políticas e econômicas. 
Em quase três horas de bate papo, foi possível percorrer um caminho historiográfico a partir da chegada de Martim Afonso de Souza em São Vicente (1531), até o estudo de casos recentes cujo escopo é o entendimento das questões que permeiam a imigração intensa vivida no território brasileiro, principalmente por latino-americanos, como haitianos, bolivianos e peruanos, assim como de imigrantes de diversos países da África. 
Baseados nessas premissas, conseguimos discutir questões importantes para a formação do Brasil, como a influência da hidrografia na posse do solo, o apresamento de índios pelos primeiros jesuítas, a escravidão de negros, a importância do café e das linhas ferroviárias, o extermínio da etnia Guaianá no século 19 e o desenvolvimento industrial  já no início do século 20, entre outras coisas. 
Comunidade do Conto é um projeto dirigido pelo escritor Sacolinha e produzido pela Associação Cultural  Literatura do Brasil. O evento, que acontece mensalmente,  prevê um encontro onde um determinado tema é debatido e que depois as pessoas interessadas participantes deste encontro produzam um texto fictício para ser lido em roda no mês seguinte, para apreciação e apontamentos críticos das outras pessoas que compõem a roda. No fim do ano é publicado um fanzine com um dos textos selecionados de cada participante.
O próximo encontro será em 8 de maio, onde serão lidos os contos produzidos a partir do tema de ontem. O evento é gratuito e acontece Centro Cultural Moriconi, à rua Benjamin Constant, 682, centro de Suzano.


Fotos: Sidney Leal e Sacolinha

3.4.19

Um textículo: "versos urgentes para karen sair hoje à noite"


pode botar seu melhor vestido
seu melhor perfume
seu melhor sorriso
toda vaidade

pode sair
que a limusine aguarda você
que a carruagem 
e outras rimas de humor
levarão você

pode ir
sem saudade de outras sextas
outras semanas
outros anos

1.4.19

Um textículo: "as 1001 noites"

na infinita tarde que se renova
ela tecia essas histórias
longas histórias sobre uma sem fim.

as dez mil e dez
três mil e três noites
se resumem a uma história mal dormida
uma noite mal contada.

as duas mil e duas noites
com todos as suas princesas
castelos e fábulas
ressonam sonhos à manhã.

as mil e uma noites
dos meus amores
esperam – ainda 
o epílogo.