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31.8.19

Um textículo: "ode ao absurdo"


um amor, um poema
uma boca, o beijo
braços, abraçaços

uma casa, um ninho
oração; pesares
um voo, apenas

a pesar, as penas

26.8.19

Um textículo: "ode ao ocre"

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laranja é a cor do sol quando se põe
a mesma cor intermediária entre
o que sonho e o que alcanço
a mesma cor incendiária entre
o que é alma e o que é terreno
a mesma cor temerária entre
o real e o imaginário

laranja é toda cor terciária
fruta das estranhas entranhas
do amálgama

laranja é todo ódio momentâneo 
do amor inorquestrável

laranja é o êxtase da cópula 
entre o que pode ter sido esse sol 
arreganhado de luz atlântica em pleno inverno
e essa rima breve entre heaven e hades

23.8.19

Um textículo: "endoidecer"


a mulher, sem saber mais o que fazer
resolveu fazer o que nunca soube
ou achava não saber
resolveu endoidecer
e passou a trepar em todos os lugares
postes, muros, cercas, casas
paus de sebo
 e de tanto aquela gente falar
e ver a família envergonhada
ela voltou ao ser que era

desceu

desde então está ensimesmada
mergulhada naquele porão
sem dissabores para a família: 
esses fundos não são externos
apesar de eternos

22.8.19

Um textículo: "o mito da criação - II"


A frase saltou da linha, insistia em ficar à solta. Paciente, a escritora obedecia, seguia seu périplo inconsequente. Até criou-lhe outra, de companhia. Depois de sete dias, descansou.  No oitavo, o terceiro verso nasceu. O poema passa bem.

21.8.19

Um textículo: "você!"


o poema que escrevi
tantas vezes rascunhei
reescrevi
rasurei
remendei
remeti
nunca finalizei

encontrei hoje numa esquina
todo lindo 
inacabado
pronto para ser degustado

estou lendo aqui
à minha lente

20.8.19

É Hoje! Camus: Um estrangeiro no Brasil



Todo mundo participa de alguma copa do mundo na vida. Essa disputa nada tem a ver com o esporte. O futebol aqui é apenas uma analogia para aquela situação em que você tem que superar seus limites, vencer obstáculos, atuar em conjunto e viver em grupo. 
Comento isso nesta introdução pois neste julho e agosto de 2019, celebramos 70 anos da visita do escritor franco-argelino Albert Camus à América do Sul. E para esta efeméride, a Editora Record, que publica as obras do autor no Brasil, organizou uma série de eventos - "Camus - Um estrangeiro no Brasil" -, sob a curadoria do jornalista e crítico literário Manuel da Costa Pinto. Este convidou Antonio Miotto (Va Cartonera), um socrático pós-moderno a serviço da Vida e da Arte, para ligar um certo lé com um determinado cré. Miotto indicou a Casa Amarela - uma gália na selva concreta e insensível do século 21 - como território parceiro, para que juntos construíssemos essa teia camusiana na Sampalândia.
Ser convidado para contribuir nessa celebração é empreendimento que jamais ousei imaginar, nem nos delírios mais juvenis. Pois, lendo O Estrangeiro ainda ali, naquela idade incerta entre a adolescência e a juventude, o profeta do absurdo e da revolta enquanto instrumentos da lucidez humana, me pegou pelas mãos em direção à maturidade, e me largou, a sós, com minha curiosidade nunca saciada. Ainda mais depois que li A Queda, O Mito de Sísifo, Calígula e, principalmente, A Peste, metáfora da guerra enquanto prática e esquecimento humano.
A literatura nunca me deu grana mas, parafraseando o mestre a quem cultuo, ofertou-me este sol, atlântico, aconchegante e humano, bússola que garante a segurança nesse caminho em direção a um norte sempre insondável, misterioso e belo.
Ah, sim; quando os pontos começaram a se juntar, e vimos que mais tecido podia ser costurado, estendi o novelo e o Claudemir Dark'ney Santos, colocou a Aldeia Satélite - essa gália renitente no solo áspero da periferia - a serviço desa confecção.
Atuar na literatura é meu campeonato, participar de eventos como este é minha copa. Que começa hoje. Vai até 31 de agosto.


19.8.19

Um textículo: "gestação e celebração"



quando o amor nasceu

fez vários aniversários
ofereceu sua mão
deu-me dúvidas, divertimentos
e certezas de presente

hoje faz vários natais
e tantos carnavais
que apossou-se de mim
ontem

18.8.19

Um textículo: "desertos"


e o céu desabrigou-se de deus:
aquele que foi furtado
separado das tetas pulsantes
do teto confortável
da seiva láctea ressequida
aquele vão estéril

não tem medo
não tem esperança
nem infelicidade
não tem mais futuro
nessa terra desobrigada
de cobrir pobres-diabos

17.8.19

Um textículo: "conversa com akira kurosawa"


olhando seu óculos tímido
seu sorriso tímido
seu cigarro tímido

intuo

lampião foi um grande samurai
d. quixote de la mancha também
ernesto che guevara idem (e oswald de andrade)

e a modernidade talvez seja
a eloquente tradução da tradição
qualquer
que seja


16.8.19

Um textículo:"troça quase uma ode"


Quando nasci, um anjo sombrio
qual fantasma
entreparedes
disseram/escreveram-me concretamente
“ vá de a a zê, ser gauche na/da vida
vá ser, zé, maná da vida”

e a mulher, feminina, vestida
de alguma indumentária 'ista'
– vá lá, zé. Só homem,
como você
pode ser gueixa
nesse novo duelo do século vinte
e um: unissex.

os sub/sobre/semi-óticos do poema-processo
recortaram
bricolaram
as palavras das capas do Cruzeiro
e da Veja:
“Va  (sem acento) vírgula Ze (de novo
sem acento)
(outra linha) ser
(outro tipo de fonte) gaux
(outra fonte) e
(volta fonte anterior à anterior) da vida”

mas os marginais:
– vai logo, ô Zé! que os anjos não tem pressa
de vida, não tem pressa de nada.

Outra geração, contudo, os pós-pode-tudo, asseveraram:
“Vá ser gauche/gueixa
que isso é ser igual
que isso é ser diferente”

Minha mãe, terna e contemporânea
porém:
– Vá, meu filho, ser um anjo
na vida de alguém. 

E eu não sabia que a minha história
era mais venturosa que a de Robinson Crusoé.

15.8.19

Um textículo: "testamento"


a ninguém darei minha morte como presente
essa oferta (que é minha, e é futuro, neste instante)
como bênção ao passado

recolham os cacos de tudo que disse
dos vasos do que plantei
mas não me culpem
por terem acreditado em mim

a ninguém - amizades ou inimizades,
gente desconhecida, tampouco a família -
darei minha vida como presente

apenas este
isso

14.8.19

Um textículo: "transfiguração"


alma que sai do corpo
como penugem da pele de pêssego

água que sai da fonte
transparência clássica de corpo
plástico

curva que sai do olho
sinuosa curva das ondas do mar
fumaça que foge ao fogo
sonho que trai o sono
tombo que cai do espasmo

solilóquios debruçados no ar
retalhos de duvidar

13.8.19

Um textículo: dissolvência"


"eu não sei fazer música
mas eu faço
eu não sei cantar as músicas que faço
mas eu canto"
assim bradava o octeto titânico
para essa ferocidade adolescente

em minha imodesta modéstia
retoco a maquiagem assim
"eu não sei fazer poema
mas eu faço
eu não sei declamar os poemas que faço
mas eu canto
eu não sei, nunca soube
cantar
mas eu tento"

alguém sabe nada
ninguém sabe tudo

12.8.19

Um textículo: "in_significação"

amor, pássaro que põe ovos de cedo
pássaro que põe ovos de ontem

pássaro que põe ovos de brasa
pássaro que põe ovos sem medo
pássaro que põe ovos de morte
pássaro que põe ovos de manha
pássaro que põe ovos sem olho
pássaro que põe ovos sem boca
pássaro que põe ovos de credo
pássaro que põe ovos inúteis
pássaro que põe ovos da sorte
pássaro que põe ovos sem bico
pássaro que põe ovos de trégua
pássaro que põe ovos redondos
pássaro que põe ovos quadrados
pássaro que põe ovos segredos
pássaro que põe ovos de fogo
pássaro que põe ovos de seiva
pássaro que põe ovos de água
pássaro que propõe ovos fátuos

pássara que prepõe ovos
depois dispõe
repõe pássaros

5.8.19

Um textículo: "cinzazuis - II"


ruas de istambul
talvez de seul
ou do rio grande do sul
tudo pobre, triste, cool
como um blues
cantarolado por urubus

4.8.19

3.8.19

Um textículo: "camaleão"


todo dia sou música diferente
às vezes rock, às vezes réquiem
às vezes popgode
pópera ou popcore

a todo tempo sou joão gilberto gil


2.8.19