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27.10.22

Um textículo: "trator"

 

tem dia do escritor

dia da poesia,

do poeta, do editor, tradutor

dia da leitura


penso com meus zíperes

a morte final virá

quando inventarem o dia do amor

22.10.22

haiquase 146

 a ex posa para as câmeras
enquanto ele rói
os cotovelos



21.10.22

Um textículo: "la copulation des déesses"


 

a dama da noite enamorada
não podia dar um bicho
(ou um homem numa gaiola)
de presente para a magnólia

borrifou no ar o seu cheiro
e ofereceu à amada

extasiada e envaidecida
a outra retribuiu o gesto
contratou um morcego express
e ofertou-lhe um prato de mel

14.10.22

Um textículo: "as ondas quentes"

 

subindo pelo teclado
subindo pela fibra ótica
subindo pelas paredes


da série haicaos

13.10.22

haiquase - 145

 

Maremoto é elegia
Chuva é soneto
Gota d'água: haicai

11.10.22

Um texticulozinho: "pré-ebulição"

 

a onça

a pele da onça

a segunda pele da onça

a transparência da pele da onça


8.10.22

Um textículo: "toda revolução é uma resolução íntima"

quadro A liberdade guiando o povo, de Delacroix, retrata cena de batalha com mulher segurando bandeira da França

A liberdade guiando o povo (Eugène Delacroix)

essa sua incrível dificuldade de
defender a felicidade
sem depender da permissão de ninguém

nenhuma bandeira transmite emoção
se não estiver ao vento
lembra?
urubus ao vento esperam a morte de alguém
para se alimentar
lembra?
sempre à beira do abismo
eis a hora do voo
lembra?
um livro chinês nos estados unidos
se não for traduzido, uma pedra polida
não lido: pedra lascada
lembra?
gatos que dormem em cima do muro
caem para algum lado

essa sua incrível dificuldade de
estender a felicidade
sem depender da permissão de alguém


 

7.10.22

Um textículo: "agora agora agora"



 

para
tudo que você está fazendo e vem
agora
não é tempo de colecionar pedras insignificantes
ou consultar dicionários empoeirados
nem oráculos ou elfos

agora é hora de ir às pedras com outras finalidades
pegar poemas de revolta
os poemas-manifesto, os poemas feitos de sangue
da fome, seiva e suor
e socar e sovar sovar e socar
até não ser mais que um poema pronto
puro e a ponto de ser reescrito comido bebido

agora é um tempo dos que não têm mais tempo
a esperar
agora não é mais a hora de erguer monumentos
à fome
é hora de combater a fome, comer a fome
lamber lágrimas com a língua
com lenços com o dorso das mãos,
com o resto de pano de bandeiras encardidas

para tudo o que você está fazendo
e vem

agora é o dia do pós-mártir
aquele que ora de olhos abertos
medita sob o mantra das rajadas
das metralhadoras de seus inimigos
dorme com seus olhos abertos
a boca fechada
os ouvidos atentos

agora aqui hoje
não é dia de exercitar sua revolução burguesa
compor hinos em louvor ao herói vencido
rabiscar poema de contemplar a ação
e levar amantes a motéis

não é a hora de escrever epitáfios
não é momento de muros de lamentações
ou murros
(o corpo a ser oferecido hoje
é o de sobrevivente)

4.10.22

Um texticulozinho: "crescente"


avia a receita para a fé posta 

crês?

sentes?

nada ex-vazia nada clemente: 

essa fé em que crês e sentes, tu gostas?

ou só aceitas reverente?

3.10.22

haiquase -144

 

antes: um cisco

de sol amarelo

agora chove: cinza

2.10.22

haiquase - 143

 

sob o céu claro

um barulho invernal

de silêncios