Ana Matos, José Maria, Sandra Kanashiro, Valter Almeida, Paulo Fontes, Luana Bhering e Taísa Costa (foto Antonio Primus) |
As mudanças de paradigmas quanto às periferias são tangíveis e cada vez
mais explícitas. Muita gente está pesquisando, inquirindo, construindo e
defendendo o antigo subúrbio, agora modificado em seu contexto, mas ainda assim
afastado do núcleo decisório, tanto no âmbito econômico quanto no político. No caso específico da zona
leste de São Paulo e, mais pontualmente ainda, em Itaquera, o assunto é mais
avassalador. Faltando 10 meses para o início do evento que mais atrai a atenção
da mídia mundial na atualidade – a Copa do Mundo de Futebol em 2014 – que terá seu
chute inicial no bairro. Todo o seu entorno ganha discussões, plenárias,
estudos, especulações e intervenções.
Um pouco deste aprofundamento foi oferecido pelo CEU Aricanduva, nesta
sexta feira, 2 de agosto, que promoveu o ciclo de palestras História da Zona
Leste. O convidado da manhã, o profº doutor Paulo Fontes (UNICAMP), trouxe um
apanhado geral da história da região – principalmente os séc. 20 e 21
– atrelando suas observações a um campo amplo de discussões sobre os novos
protagonistas dos micropoderes que emanam dessa evolução constitutiva da sociedade.
Atestando que “essa discussão é fundamental para entendermos as coisas e
planejarmos o futuro”, Fontes compôs um painel longo e elucidativo do conceito
de periferia dentro da historiografia moderna. Para tanto, recorreu a temas
atuais, ou “urgentes”, como “muita gente pensa que o gigante acordou agora, mas ele estava acordado desde há muito tempo”,
ponderou.
Partindo de dados de sua pesquisa, asseverou que “São Paulo é a cidade
que mais cresceu no mundo, no século 20”, não sem antes lembrar que essa condição
faz com que haja uma mudança radical na caracterização geral da cidade, de onde ela
estava no fim do século 19 e onde se encontra hoje, em pleno século 21.
Assim, foi possível ao pesquisador aprofundar suas considerações sobre a
região leste da capital, ou, como enunciou, os “subúrbios orientais da
cidade”, como eram conhecidos anteriormente. Discorrendo sobre esse
envolvimento com a história e a memória do lugar, Fontes projetou três
características principais dessa periferia, ainda que reconheça a todo
momento que a “periferia” não é homogênea, como muitos instauram, tampouco
simplesmente heterogênea. Há, segundo o educador, uma multiplicidade imagética
na qual todos incorremos quando queremos estabelecer uma medida simbólica para
o universo periférico como um todo.
Baseado nisso é que ele a vai traçar as características da periferia leste,
a saber, a) que toda ela é “popular” diante da interpretação do senso comum; b)
toda ela traz consigo um saber cultural intrínseco pelas próprias
peculiaridades de seu surgimento. Aqui, o autor cita como exemplos pontuais o
teatro anarquista no Brás do início do século 20 e o Movimento Popular de Arte
(MPA), de São Miguel, no último quarto do mesmo século; c) as lutas sociais
(sociedades amigos de bairros, sindicatos, ligas dos moradores - década de 1910 - novos movimentos sociais a partir dos anos 1970 etc.).
Fontes ainda enumerou três fases distintas na constituição dos bairros
orientais. Segundo ele, a primeira grande onda de industrialização,
potencializada pelo café mas transformada no centro urbano pela indústria
têxtil, oferece o painel inicial dessa ocupação, que atingiu os bairros do
Brás, Mooca, Tatuapé e adjacências. O segundo momento é o período posterior à
2ª Guerra Mundial, com o acentuamento da “segunda fase” da industrialização,
agora focada na metalurgia. De acordo com o palestrante, é nesse momento que se
estabelece o que ele citou como “padrão periférico de crescimento”, onde as
moradias de regiões centralizadas encarecem, inflacionando o custo de vida e o
aluguel, “expulsando” para mais longe os antigos moradores. “E a zona leste é
absolutamente emblemática nisso”, asseverou Fontes.
É desse ponto que surge a terceira fase, com a autoconstrução em terras
longínquas. “É nesse ínterim que o Brasil tem a maior migração interna dentro um
país, no século 20”,
registrou. Segundo ele, “hoje temos um movimento maior na China e na Índia” mas
foi naquele período que houve esse remanejamento mais intenso de pessoas no
país. E mais, “no fim do século 20 temos uma mudança na caracterização geral da
zona leste, pois surgem enclaves de altíssimo poder aquisitivo que impactam
tremendamente o lugar”, ponderou, para finalizar em seguida: “Precisamos de
políticas públicas em torno da história e da memória. Não tem jeito, temos que
consultar as fontes materiais e imateriais. Por que as escolas da região não têm
acervos sobre a zona leste? Por que as bibliotecas não podem se transformar em
centros de memória?”, questionou.
Vários profissionais trouxeram à tona questões pertinentes ao tema
discorrido por Fontes. Algumas perguntas ajudam a elucidar as problematizações
surgidas com a palestra.
Taísa da Costa Endrigue, Coordenadora de
Planejamento e Desenvolvimento Urbano da Subprefeitura de Itaquera, fez um
adendo explicativo, “o avanço da zona norte esbarra na Serra da Cantareira, no
sul para nos mananciais”, frisou ela. E constatou, “resta, então, à zona leste,
que tem uma topografia mais plana”.
Externando uma preocupação lúcida, apesar de sua pouca idade e longa
experiência (ela tem apenas 25 anos), Taísa finalizou seu raciocínio, “os empreendedores
imobiliários conhecem as leis. Nós, o povão, é que não conhecemos”.
Já o adolescente Caíque, estudante também presente ao encontro,
questionou a importância do estádio para o bairro. Fontes responde,
“o estádio tem seu aspecto simbólico-cultural norteado politicamente, não
podemos nos esquecer disso. E esse determinismo vai nortear as ações de certos
grupos que desejam valorizar uma região. Mas do ponto de vista educacional, a
construção do estádio é um bom mote para ajudar a discutir o bairro, o entorno,
as políticas públicas etc”.
Angelina, professora aposentada, trouxe outro aspecto relevante sobre a
palestra. “Ouvindo suas histórias, me vi dentro de minha cassa, que foi
construída nesse sistema de compadrio mesmo, mas era grande. Hoje me sinto
sufocada no apartamento de meus filhos, de tão pequenos que são as construções”.
A palestra com Paulo Fontes faz parte de um projeto de fôlego maior
intitulado “Estudo da Realidade Local”, organizado pela diretoria Regional de
Educação de Itaquera. Outros eventos farão parte da agenda, que consolida uma
demanda natural quanto ao protagonismo da região, assim como contempla a
relação escola-comunidade, constituindo uma via de troca de vivências e
saberes.
A mesa com os convidados, com Paulo Fontes ao meio (foto Antonio Primus) |
Recepção do CEU Aricanduva, na abertura da palestra (foto Antonio Primus) |
Público enorme e diversificado para ouvir Paulo Fontes (foto Antonio Primus) |
Eu assisti lá, eu estudo no Tatuape e achei um evento muito bom, espero ter outro assim novamente em breve.
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