O que é melhor, ver uma boa estreia de teatro, conhecer o autor dessa mesma peça, ou descobrir que aquilo que você cultua na televisão (Grande Sertão: Veredas, no caso) tem a assinatura desse novo amigo?
Pois foi exatamente isso que me ocorreu há pouco. A Raquel ("musa desde sempre e até sempre"), a Tati, o Giba e eu fomos convidados pelo Chiquinho de Assis ("Quico", entre nós, seus amigos) para a ver o début no Teatro Sérgio Cardoso de "Estão Voltando as Flores", de José Antônio de Souza na noite passada. E o texto se revelou uma grande descoberta.
Como rezava a lenda que o romeu e julieta não shakesperiano fora ambientado à terra tupiniquim, lutei para não criar em mim expectativas sobre surpresas e superações, afinal estávamos diante de um ícone, Shakespeare, e erros crassos sempre permeiam aqueles que se aproximam de sua fortaleza solar. Mas confesso meu equívoco: estava diante de José Antônio de Souza, talento que se esgueira e espraia suas letras em todo lugar, livro, tv, cinema e teatro. E aonde põe a mão, faz arte, Arte.
O enredo trata do encontro (um encontro singular que se prolonga em longos plurais) de Nara (Mel Rabelo) e Miguel (Sérgio Carrera), que vestem-se de uma violência tão devoradora no coletivo que inconscientemente transformam um affair num jogo perigoso de descobertas metafísicas do amor. Falei difícil: na verdade o que eles vão fazendo, pouco a pouco, é descobrir que o medo tem lá suas querelinhas, mas a exuberância do jogo amoroso modifica pra sempre tanto o sedutor quanto o seduzido. Ela, Nara, tem medo do mistério. Ele, Miguel, tem medo de perguntas; ela, do silêncio dele, ele do histerismo dela; ela se joga no abismo de uma paixão, ele se atira contra a pedra no caminho. Para tanto, vivem, dançam e cantam seus personagens com igual sublimação, a estasia do fulgor amoroso.
O autor reserva então para o final uma tensão primária, seca e sem música, onde a conversa áspera dos dois parece levar para um sem-fim, quando então nos é ofertado o oásis da redenção. Superação dramática para uma tênue linha que separa Hollywood/Broadway do texto de autor.
O diálogo dos dois personagens é constante, breve, pulsante, "conversando" em leveza com a muiscalidade de Eric D´Ávila, João Paulo Soran e Vitor Morbin, que colocam ao vivo Adriana Calcanhoto e outros, para costurar na trilha sonora musical ao vivo aspectos cênicos acertadamente homogêneos. Junte-se a isso luz, vídeo e cenografia cleans e temos um espetáculo preciso, completo, fluido e caudaloso em seus múltiplos aspectos.
Pois bem, estreia é estreia, e depois foi aquele correr de abraços, apresentações pessoais, "parabéns!", trocas de cartões, impresssões e ideias, e enfim o Quico nos apresenta o diretor. Amizade não prevista, rápida, súbita, múltipla, explícita, expontânea e outras proparoxítonas mais não explicariam aqui a riqueza desse encontro. Descubro extasiado que textos fundamentais da tv que já vi, como as minisséries "Rabo de Saia", "Grande Sertão Veredas", "O Fim e o Princípio" e "Sai de Baixo", levam no roteiro a sua assinatura. Ouvimos suas digressões sobre a fundamentalidade da pesquisa, do estudo teatral, teorizamos todos a essência da criação, as verdades absolutas postas diante das verdades relativas, política, futebol, técnicas de iluminação, direção, montagem, sonorização e iluminação.
Zé Antonio sempre muito curioso da profissão e conhecimentos de cada um e cioso da responsabilidade de suas colocações. Uma profunda aula sobre instinto, intuição e razão, ainda passando por história e geografia.
Comemos ali por perto, numa pizzariazinha marromeno bem ao lado do teatro, enquanto a Festa de Nossa Senhora Achiropita corria solta a duas quadras dali. Nossas mulheres tinham querido estar lá, mas como deixar a mesa para ir para o frio invernal de Sampalândia, andar no meio da multidão pegando filas estratoféricas, e perder a oportunidade de um bate-papo quente, fraterno, rico, denso, frutífero, amigo? Sinceramente, não dava.
Semana que vem vou convidar alguns amigos para irmos nos deleitar com a peça e aí, sim, vamos nos reservar o direito de cirandar em tornos das delícias italianas ali pertinho, na rua 13 de Maio, bem no coração do Bixiga.

"Estão Voltando as Flores"de José Antonio de Souzacom Sérgio Carrera e Mel Rabelodireção José Antonio de Souzamúsicos Eric D´Ávila / João Paulo Soran / Vitor Morbinduração 70 min. (aprox.)Produção Cia. PompacômicaTeatro Sérgio CardosoSala Paschoal Carlos MagnoSextas 21:30h / Sáb. 21h / Domingos 19hSugestão de Idade 10 anosR. Rui Barbosa, 153 - Bixiga - Bela Vista - S. Paulo - SP(11) 3288 0136