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31.8.20

Um textículo: "passado de presente"

 

Tinha gosto, cheiro e aparência de coisas antigas, vindas de outros carnavais. As mesmas manias dos pais, avós, tios, padrinhos e outros tais. Trazia no rosto as marcas de um tempo passado, por isso tão presente: os perfis nas redes sociais.

Ela fez que fez, costurou, remendou, alterou, deletou. Mas nada do texto ficar legal. Nada que desse ao leitor um frescor de coisa inédita. Dividida, atônita e salivada de raiva, primeiro jogou na lixeira, depois restaurou e publicou. Que se dane... que se danem!



#passadodepresente #texticulo #miniconto


Um textículo: "o grito calado"

 

A palavra ardia-se em desejos naquele lago lúgubre, queria ser proferida. Raios neurônicos relampejavam em volta mas não a envolviam. Aquele emaranhado de fios - insensíveis! -  não a contemplavam.

Estariam ressabiados com sua pequenez? Seu minimalismo incendiário a condenava? Ela simbolizava o mal, era isso?

Até que uma convulsão externa alterou a temperatura. A palavra foi convocada às pressas:

- Cu, vem cá. Fica aqui que você já já vai sair boca afora. "tomar" já está aqui, beleza. "no" também. Agora, gente, alguém viu o "Vai"? ele tinha que ser o primeiro da fila.



#ogritocalado #texticulo #conticulos

30.8.20

Um textículo: "temporal"

 

Os cabelos estão pintados de chumbo.

A voz (de quem, de deus?) ecoa inaudível.

O fogo-fátuo dos olhos destila seu veneno ruidoso sobre a cabeleira inquieta da árvore.

Chove forte.



#texticulo #temporal #nanoconto

29.8.20

Um textículo: "espelho de madeira"

 

Então essa tarde se debruça sobre minha mesa, e fica aqui, brilhando sob meu olhar fosco.

O que guardarei dela, senão essa memória de luzes, essa dança das cortinas?



#texticulo #espelhodemadeira #prosapoetica


Um texticulozinho: "sofisma"

 

Quem conta um conto aumenta um ponto.

Final.


28.8.20

Um texticulo: "adolescendo"

 

Fui orientado por essa cabeça a não ceder em momento algum. Acreditei nela. 

Com o tempo, percebi que essa mesma cabeça às vezes se permitia vacilar e duvidar. Estaria ela a me trair? Ou eu estaria pensando demais?

Com outros tempos chegando, percebi que a cabeça manda, o corpo obedece. Uma rebeldia sutil insinua-se.

Com esses novos-novíssimos tempos, a cabeça dita, o corpo se faz de surdo. Passei a acreditar nisso.



#adolescendo #conticulos #texticulos

Um textículo: "sampalândia"

 

Sampalândia é meu playground favorito, ainda que único, ainda que sujo, ainda que específico, ainda que com tantas outras coisas barreirísticas.

Sampalândia é um vale, um planalto, uma montanha. É um sonho, uma fantasia, uma utopia. Sampalândia é a Dublin de Joyce, o Sertão de Rosa, a Pasárgada de Bandeira.

Sampalândia é uma e são tantas. É terra de ninguém, e é continente. Como meu coração.



#cronicazica #textículo #sampalandia


27.8.20

Um textículo: "história de ós"

 

Meu coração pobre de lata, sem saber a quem amar, apaixonou-se por uma coraçoa.

Até hoje não trincou de saudade, não rasgou de ciúme, tampouco riscou-se na proteção bruta de seu objeto-sujeito de desejo.

Simples assim, vai oxidando-se no vento, no frio, na poeira, no sol e chuva, no tempo.


Um textículo: "pequenos prazeres"

 

Ouvindo uma voz jovial:

- Eu conheço.

- Eu também.

- Não seria o...?

- Não, besta, é o...

- Não, não não não! É aquele, sabe? Aquele que...

Ficaram todos-todas blablablazando que quase acabei esquecendo que só ia comentar o prazer de ouvir uma bela voz cantando uma música inspirada numa manhã de sorriso outonal. 

Só isso.


22.8.20

Um textículo: "às turras"

 

Saí do espelho. 

Ele, triste pelo fim da história, pranteou no chão, em sete estilhaços, sete partes de mim, umas esfregando a cara no chão, outras refletindo o olhar da lâmpada.

Juntar os cacos não dá mais. 

Agora são sete eus, personagens afins, com outros meios e outros fins. Outras iniciações.

Separar os cacos, só com outros ais.


#textículo #asturras #sampalandia #contocurto

21.8.20

Um textículo: "asas para cair"

 

Vim direto pra casa, depois do susto de acordar no meio do cemitério, sem comida, casa ou alguma lembrança.

Fazia frio, e alguns terrêneos enxotaram-me com pedras e paus, até que passei o portão, virei a esquina e descobri comprazido que tinha voltado à porta do lar.

Então me dei conta de que não tinha mais dona, essa tinha morrido.

Minha herança era a liberdade da rua, nua e crua como um osso exposto.

Esse o grande dilema de cães crescidos com ração.


#asasparacair #microcontos #contículos #textículos #sampalandia

20.8.20

Um textículo: "superenredo"

 

Chove veementemente.

Amanhã não pude ir embora, pois já estava tarde. Tinha que levantar cedo anteontem.

Mas hoje estou bem, sem febre ou dor, apenas essas marcas pelo corpo.

Lembro que ontem eu iria de qualquer jeito, certo está, pois depois de amanhã vence o prazo.

O sol saiu, apesar do calor invernal.

Outrossim, peço licença, perdão e deferimento.


#microcontos #textículos #superenredo #blogando



19.8.20

Um textículo: "noir"

 

Ela, toda acabrunhada, fechada na ostra de sua timidez, sorria meio amarelo-alaranjado, enquanto ouvia os gestos e bebia as palavras dele.

Ele, todo linguagem, corpo loquaz, boca irrefreável, os olhos espraiando-se hiperbolicamente, mãos, pernas, ombros, tudo em vermelha e inflamada dedicação de conquista da ilha paradisíaca.

Viveram todos os matizes para compor o acrilic on canvas daquele momento eterno, na pracinha ali perto: o carmim da sedução, o azul dos argumentos, o rosa da distração, o branco da indefinição, o marrom da veemência, o ciano da recusa, o cinza, o escarlate, o negro do "não, hoje não!".

E a praça reduziu-se numa tela de tragédia.




#contocurto #texticulo #noir# #microconto

18.8.20

Um textículo: "aniversários"


Desde que nascera, sua vida era uma festa. Acostumou-se desde cedo com tintins, champanhes, abraços e desperdícios.

Maior, quase grandinho, as coisas tomaram outro rumo, o dinheiro flutuava de seu bolso, amigos começaram a escassear, dores já cobrando umas duras taxas e ele então caminhou para o ocaso.

Por fim, bem quando iniciou o muro das lamentações "no meu tempo", "na minha idade", "isso aqui era bem diferente", um bom ancião, o Alzheimer, o sequestrou com um abraço rígido. E ele nunca mais reclamou.



#contoscronicos #sampalandia #microcontos #escobarfranelas 

17.8.20

Um textículo: "poiésis"

 

Eu estava em casa, tranquilo, aboletado num cantinho do sofá, curtindo a música macia da voz de meu caçula, a sapecagem do outro, um ventinho ameno de início de noite, o peixe no aquário, a presença sempre serena da musa, o ladrar sempre impaciente do cachorro, o alarido das crianças vizinhas, o meu time a perder, Ney a depositar filigranas de prazer ultrassensorial em meus ouvidos, o bolo de chocolate, o café inundando desde a cozinha, Kurosawa a infestar-me de cor e sensibilidade, quando...

...um poema surgiu em mim. 

E foi-se-me embora o sossego!



#vseu #texticulo #poiesis #miniconto #sampalandia

16.8.20

Um textículo: "resumo da ópera"

 

"- Então eles se casaram. Viveram sempre juntos."

Fechei o livro, era bem tarde. Só então percebi que ele dormira. Sua respiração era profunda, lenta e desigual.

Levantei-me, arrumei sua manta, ameacei sair. Foi quando ele abriu os olhos, sondou o ambiente, e sorriu-me, zonzo de sono, com o rosto afogueado:

- Mas tio, eles não foram felizes?

- Ah, essa é outra história...

- E você conta amanhã?




#textículo "resumodaopera #contocurto #sampalandia #conto

15.8.20

Um textículo: "eclipse amarelo"

 

A noite o flagrou com a mão no bolso, distraído em sua timidez. A sinfonia do encontro estendeu-se por belas e breves horas. Quem o viu acordar, afirmou que sorria - dentes arreganhados - amanhecendo-se sem vergonha.

14.8.20

Um textículo: "antiontem"

 

A dúvida que me aflige agora é, dois pontos, abre aspas, se me debruçar sobre os fatos ocorridos no ontem de ontem, fatos esses novos e contrários ao dia anterior, estarei confrontando o "ontem" de ontem, ou apenas usando a nomenclatura verbal para antagonizar um dia ao outro? O correto é antontem (na delícia de língua de minha avó baiana), anteontem (na formalidade paulistânica de meus pais), antes de ontem (quase um ultraje de tão formal), ant-ont (na conversa garota e marota de meus pares na idade adolescente) ou - como o título deste textículo sugere - antiontem?

Fecha aspas.

13.8.20

Um textículo: "inspiração vs. transpiração"

 

Inspiração ou transpiração? Esse o velho "quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?" da gênese da arte.

Enquanto transpiro depois de ter me inspirado a escrever sobre o tema, minto, omito, transmito impressões, mas não chego ao MMC ou MDC a que me propus.

Quando me inspiro, fico com preguiça de suar.

Quando estou disposto a molhar a camisa, é a inspiração que deixa-me a ver navios.

Quando, nas pouquíssimas vezes em que estive sob o manto dessas duas sacralidades, cometi uns poucos êxtases acertados.


12.8.20

Textículos: dez cuidados

 

Combinaram de escrever com quatro mãos, um textículo que, reconheçamos, não valia meio cérebro.

Um autor reconhecido pelo seu talento, em crise, percebe que está lento.

Entre ele e eu, textos ex-vazios.

Mais? Só quando a transpiração sair a passear com a inspiração, de novo.

Entre ele e nós, dez cursos (só discursos).

Cloaca, termos novos para velhas melecas.

Sétimo texto, trecho de acomodação intelectual (mas que o autor chama de crise de abstinência).

Colhi um flor de sol para iluminar seu coração-jardim: aceite-a.

Entre ela e eu, um carinhoso nó une nós.

Silêncio não é zero.

11.8.20

Um textículo: "ortodoxo"

 

No alto do morro, medi um palmo abaixo e três dedos  à esquerda. Ali ergui minha igreja. Lugar de adoração.

Na verdade ela já existia desde o início de meus tempos.


10.8.20

Um textículo: "a caçadora"

 

Era uma vez uma linda garotinha de gorro vermelho que comeu a vovozinha que matara um lobo que tinha traçado um caçador.

Morreu de indigestão, não sabemos se pela refeição ou pelas sobremesas.


9.8.20

Um textículo: "um spa para a sala"

 

Havia muita coisa dentro da sala.

Muito pouca coisa se aproveitava naquela sala.

Pouca coisa foi doada tempos depois. 

Hoje um jogo de muita sombra e pouca luz relata que tem uma sala obesa, estriada, cansada e relaxada naquela casa.


8.8.20

Um textículo: "à sombra da samambaia"

 

Entrou.

Estava afoita, sequer virou-se para me cumprimentar. Jogou o corpo contra a cadeira, que até gemeu, mas resistiu. Fiz sombra, nuvens desfilavam ao sol. Levantou-se. Partiu de novo. Contra todos.

Saiu.

Fiquei para cuidar de sua memória.


7.8.20

Um textículo: "sobre o que nos diviniza"

 

Você gosta de carne crua? - balançou os quadris e abaixou-se. Sorria com desenvoltura.

Como? - meu rosto queimava.

Você prefere crua?... Ou cozida? - gargalhou, o rosto expandindo-se maroto e solto.

Tentei rir também. Nada. Ela impacientou-se com discrição, abriu a porta e entrou no carro. Bafejou nas mãos.

Está uma friaca danada lá fora, sabia? - engraçado como ela continuava sorrindo ao falar. - Então?...

Então... O quê? - gaguejei.

Então... - ela também ficou perdida mas recompôs-se rapidamente. - Então, o que vamos fazer, benzinho?

Pela primeira vez, não gostei de estar ali. Perdi a timidez.

Desculpa, é minha primeira vez assim... Aqui... Não sei bem o que fazer. - sorri, buscando aquiescência. Ela não retribuiu. - Entende?

É, acho que entendo. - ela pareceu-me desanimada. Olhou para longe, os olhos escuros palpitando o silêncio. Já não sorria mais, mas o desenho da boca era o mesmo, bonito.

Entrevei-me na timidez, tudo de novo! Cerrei as mãos, impaciente, odiando estar ali. Ela socorreu-me numa nova tentativa:

Já sei o que você vai fazer. Vai me deixar aqui, numa boa, pegar o carro, dar uma volta no quarteirão. Se sentir confiança, você volta, nem que for só pra gente tomar um drinque. Somos excelentes psicólogas, sabia? - sorriu, esfregando sua gentileza na minha cara.

Pensei “isso é uma tremenda de uma insensatez”, balançando a cabeça que sim.

Tá certo. - disse sem certeza e sem sutileza.

Ela desceu do carro. Como eu não saía do lugar, exasperou-se:

Vamos, meu bem, se você tiver afim, vai voltar. Mas, anda, vai!...

Saí, quase cantando pneus. E nunca mais voltei.

Melhor, quando voltei, dois minutos depois, ela não estava mais lá.

6.8.20

Um textículo: desentrevista


Pode explicar agora:
Bem, foi mais ou menos o seguinte. Eu estava descendo as escadas do metrô, com muita pressa, mas muita pressa mesmo. Trabalho do outro lado da cidade, estava atrasado. Então, quando saltei do trem e comecei a descida na escada rolante, a mulher me atrapalhou. Ela estava cheia de sacolas, uma bolsa enorme, e eu tropiquei nela. Nada demais, mas ela atrapalhou-se no passo e esbarrou num homem que ia na minha frente. Coitado! Ele acabou tropeçando no próprio pé e segurou no corrimão. Acontece que o rapazinho que vinha logo atrás, ao meu lado, não parou a tempo, e caiu por cima dele. Daí, né, foi aquele bafafá. Um homem que ia na frente virou-se e foi atropelado pelo cara que caía. A mulher que tava mais à frente só desviou, mas o outro senhor tentou acudir e foi junto. Ele tonteou e fez a besteira de segurar no paletó de um outro cidadão, derrubando dois de uma vez e ainda dando uma cotovelada num outro. Foi um deus-nos-acuda. Eu? Eu consegui me equilibrar com uma dificuldade que só vendo! Então desci, devagarinho, desviando. Ainda ajudei a mulher com as sacolas. Elas estavam pesadas. Graças a Deus não aconteceu nada demais.

5.8.20

Sobre a morte de Escobar Franelas


Escobar Franelas está morto. E fui eu que o matei. 
Caído no asfalto, um filete de sangue escorre a partir de suas costas, cria uma pequena poça em volta do pescoço e escorre enfim para a sarjeta. O guarda-chuva ainda está cravado na garganta, junto ao pomo-de-adão. Seus olhos nada veem, um deles também perfurado pela ponta do guarda-chuva e o outro enegrecido pelo sangue endurecido que crestou todo o seu rosto. Sua mão estendida para o alto indica uma tentativa de dialogar no momento culminante da morte. O que ele queria? Conversar? Convencer? Fugir? Proteger-se? Nada disso foi possível. A minha ira foi terrível e sequer me lembro do que pensei naqueles momentos em que culminei todos os meus atos, minha revolta, vingança, dor e ódio. Escobar Franelas, definitivamente, está morto. E eu não me arrependo. De nada.

Serve mais um cafezinho? Faz favor... Obrigado!

Me dá um cigarro? Tá um pouco frio aqui. Obrigado.

Foi assim...

Meu nome? Meu nome é Oponente. Claro! Sim senhor. Entendi, tá certo sim senhor. Meu nome é outro, Oponente é só nome artístico. Sim, sim, entendi. Meu nome é Jr.

Posso ir embora?

4.8.20

Clubes brasileiros de futebol (time 6)


Bar do Nilton – Futebol Clube

Escalação: 1) Dartanhã, 2) Visual, 3) Liminha, 4) Cósmão, 5) Punkinho, 6) Boi, 7) Cadelo, 8) Capeto, 9) Cabidela, 10) Da Hora, 11) Maluquinho.

Reservas: 12) Lôco, 13) Leco, 14) Branco, 15) Pirombeta, 16) Frei.

Técnico: Bangu

3.8.20

Clubes brasileiros de futebol (time 5)


Kabra Maxu Futebol Clube

Escalação: 1) Charles Bronson, 2) Mussum, 3) Maguila, 4) Raul Seixas, 5) BA, 6) Édy Murf, 7) John Lennon, 8) Magáiver, 9) Rita Lee, 10) Magnum, 11) Tim Maia

Reservas: 12) Sílvio Santos, 13) Hommer Simpson, 14) Menudo, 15) Bob Marley, 16) Gil Gomes

Técnico: Amado Batista

2.8.20

Clubes brasileiros de futebol (time 4)


Grêmio Esportivo Tremor de Terra – Futebol e Rap

Escalação: 1) Tranca-Rua, 2) Pagapau, 3) Tijuco Preto, 4) Seu Santo, 5) Japa do Pastel, 6) Cata-Piolho, 7) Pé Inchado, 8) 171, 9) Seu Jura, 10) Mané Português, 11) Pai-Véio.

Reservas: 12) Arroz-de-Festa, 13) Zé Pilintra, 14) Natimorto, 15) Zé Peixeiro, 16) Ju da Farmácia.

Técnico: Micose

1.8.20

Clubes brasileiros de futebol (time 3)


Equipinga – Futebol Alegria e Samba – Vila Dindinha

Escalação: 1) Aranha, 2) Xavasca, 3) Besta, 4) Biscate, 5) Biscoito, 6) Pé-Rapado, 7) Destino, 8) Pipiu, 9) Pirulito, 10) Picolé, 11) Presunto.

Reservas: 12) Pomada, 13) Buça, 14) Mortadela, 15) Perfume, 16) Quá-quá.

Técnico: Desidéia