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30.7.19

Um textículo: "autoajuda para escrever microcontos"


Primeiro escreva o conto. Tire a pele, as vísceras, a gordura. Apalpe-o. Aperte, comprima. Aparte-se, deixe-o em banho-maria, ao sol e no sereno, sangrando. Se não desidratar, publique-o. 


28.7.19

Depoimento pra Claudemir "Darkney" Santos

Foto Luka Magalhães

ESCOBAR E A FICÇÃO DO COTIDIANO ou Darkney sabatina Franelas
(Por Claudemir Santos)

O ano devia ser 1999. Ou 2000. Je ne sais pas. Porta da extinta, chacinada pelo Estado de São Paulo gestão Alckmin (Nunca poderemos esquecer e nem devemos perdoar!) Oficina Cultural Luiz Gonzaga. Sacha Arcanjo havia contratado eu e Ivan Neris para cuidar da luz e do som dos eventos. Escobar, para registrar em vídeo as apresentações. Logo, isto aconteceu numa sexta, sim.
Eu fumava na porta da Oficina. Escobar saiu lá de dentro com um cigarro na mão e antes de acendê-lo, disparou:
“Você já reparou que isto é um grande (importante?) ícone de comunicação?”
E assim nos comunicamos pela primeira vez. Nestes vinte anos, eu e Escobar andamos juntos pela mesma estrada, pegamos atalhos ou paramos neste ou naquele trecho pra dar um tempo. O certo é desde daquele dia, daquele bendito cigarro, nós estamos juntos. Na amizade e na arte. Escobar, mais sábio e maduro, deixou o cigarro e a bebida há tempos (já voltou à bebida, levemente), e rodou por aí bem mais que eu, ainda fumante, alcoólico ma non troppo e taciturno casmurrado.
Neste período, li todos seus livros, tendo a honra de prefaciar, certa vez, o “Antes de evanescer”. A literatura de Escobar, da poesia à prosa, é algo deliciosamente delirante, inteligente e surpreendente. Entre meus escritores favoritos, é o tipo de autor que não está na lista dos best sellers da vida e a gente se pergunta o motivo, desconfiando da máquina capitalista que gira em torno dos livros que vendem tanto e não dizem nada. Exagero? Bom, basta pegar um livro de Franelas e ler. Sente-se ali uma literatura que deveria transcender toda a elite periférica da chamada “cultura marginal” ou qualquer outro nome que se queira dar a este punhado de gente que, com gosto peculiar, lê, apoia e faz crescer os escritores locais, e chegar a grande cultura de massa para que ela engrossasse o caldo a ponto de termos mais humanos e menos patos nesta sociedade contemporânea. Sim, senhores: ler Franelas é questionar e mudar-se, não espere menos. Franelas revela a ficção de nossos dias.
Novamente diante da ficção de nossos dias, chega em nossas mãos o livro “Premiado”, lançado este ano e já um sucesso por onde quer que passe.
Este lançamento então nos proporciona um ótimo momento de conversar e conhecer melhor a mente de Franelas, sua criação artística, seu ativismo cultural e outras coisas que fazem parte do asfalto da estrada da Arte por onde pisa.


ENTREVISTA
ALDEIA SATÉLITE – Do seu primeiro livro até agora, sua escrita amadureceu ou rejuvenesceu?
ESCOBAR FRANELAS – Processos de expressão na arte, portanto, também de escrita, são sempre de aprimoramento, estamos fadados a acreditar que estamos amadurecendo. Ao mesmo tempo, escrever é também um processo de busca, renovação e interiorização de novas ânsias, onde as certezas do minuto anterior podem e devem ser revisitadas a todo instante. Isso significa que muitas vezes retrocedemos, retornamos a determinados pontos de partida, para refazermos percursos. Essa é uma das grandes extasias da arte. Escrever é paradoxal.

ALDEIA SATÉLITE – Onde se diferenciam e onde se encontram “Antes de Evanescer” e “Premiado”?
ESCOBAR FRANELAS – Observados numa perspectiva conjunta, ambos tratam da alienação do indivíduo e dos riscos que isso implica; de como a vida é sempre surpreendente e a todo tempo estamos sujeitos a virar esquinas dentro da própria história. As diferenças entre eles são bastante significativas. A primeira e mais óbvia é o uso da terceira pessoa em Premiado e da primeira em “Antes de Evanescer”. Outra questão substancial é que no primeiro o protagonista, mesmo que perdido, é o sujeito na construção de sua trajetória – ou ao menos poderia ser – enquanto o Léo de Antes de Evanescer torna-se, pelos fatos, objeto de um destino improvável e arrebatador. Creio que a maior dissonância entre os enredos é que um trata da desidratação social a partir de fatores externos, enquanto em outro, essa corrosão de sensações se dá justamente por meio de um excesso repentino dessa “hidratação” financeira. Estes dois livros são muito próximos, paralelos, mas que nunca se esbarram em suas histórias.

ALDEIA SATÉLITE – Você acredita que este universo seleto da cultura, digamos, underground, que rola nos saraus e entre os autores independentes pode se expandir ou implodir?
ESCOBAR FRANELAS – A história tem nos ensinado que todo período de expansão tem seu ápice e depois há um filtramento natural, pois é da natureza humana (portanto, também social), a renovação, a mudança, o roteiro ressignificado. Essa movimentação, os saraus, ainda enfrenta outros fatores determinantes, que vão do esfacelamento das políticas públicas no país, o que agrava sobremaneira a sua existência, já que muitos se formaram dentro de um contexto de estado que, se não criava condições de fomento, ao menos não implicava com este tipo de ação coletiva (Lembremos sempre que reuniões coletivas das camadas mais subalternas da sociedade, são normalmente reprimidas pelo aparelho policialesco criado dentro da própria sociedade). Como a maioria das pessoas que frequentam saraus têm uma identidade progressista-humanista (ao menos todos os saraus que visito ou conheço têm esse perfil), que perderam aportes do poder público e sem apoio privado, enfrentam também as nem sempre sutis formas de criminalização que toda ação social não normativa recebe, ainda mais no ambiente periférico, onde o Estado sempre é mais violento contra as multidões, de duas ou mais pessoas. Não sou pessimista, mas a realidade tem apontado o dedo indicador em nossas caras, descaradamente.

ALDEIA SATÉLITE – Como anda a produção literária na zona leste que você frequenta?
ESCOBAR FRANELAS – Intensa. O filtro comparativo permite observar, porém, que a qualidade textual, técnica e conceitual é bem desigual. Talvez seja este o próximo levante dessa potência descomunal, que é o das forças quando se somam. Mesmo assim considero como muito positivo que muita gente esteja publicando. É a primeira, talvez a segunda, das dezenas de ações que farão diferença no futuro.

ALDEIA SATÉLITE – Na questão editorial, o que há de novo que facilita a publicação de um livro, principalmente pra quem está começando e não dispõe da grana necessária para publicar por uma editora “tradicional”, mesmo que pequena?
ESCOBAR FRANELAS – O domínio das novas tecnologias que auxiliam na auto publicação é um avanço considerável. Permitiu um acesso maior aos meios e barateou os custos. Isso “inflacionou” o mercado das publicações e muita gente lançou livro sem a depuração que a arte requer, para que seja de fato permanente e significante. Desconfio que houve uma falsa sensação de avanço, com muita gente se tornando escritora. Ouso arriscar, contudo, que se não houver o movimento contrário, de fomento de leitores (e, num segundo momento, de um público leitor sensível e crítico), vai resultar num mundaréu de livros servindo de suvenir nas estantes empoeiradas ou calço de armário. Ou simplesmente contribuindo para o aumento da quantidade de lixo. Quero dizer com isso que precisamos exageradamente de mais olhos e cérebros dirigidos à leitura, o que exige ações que resultem no nascimento dos leitores de amanhã. Isso, claro!, exige reflexão, ponderação, organização e ação.

ALDEIA SATÉLITE – Quais os próximos passos de Franelas na literatura e nas produções culturais?
ESCOBAR FRANELAS – Como acabei de lançar o “Premiado”, estou concentrado nele, mas posso adiantar que as próximas ações serão coletivas: a finalização da revista RAMO, publicação bianual que contempla a produção poética de São Miguel e região; e, junto com o pessoal da Casa Amarela, o lançamento do libreto Sacha 70 em novembro. Este songbook é uma singela mas justa homenagem a este ícone da cultura e arte de São Miguel, o Sacha Arcanjo, que completará 70 voltas em torno do sol.

+ SOBRE FRANELAS:
Escobar Franelas é escritor, educador e cineasta. Formado em História, autor de “hardrockcorenroll” (poesia, 1998), “Antes de Evanescer” (romance, 2011), “Itaquera – Uma Breve Introdução” (história e memória, 2014), e “haicaos – feridas, fragmentos e fraturas poéticas” (poesia cartonera, 2018) e Premiado (romance, 2019), já participou de antologias de poesias, contos e crônicas.
Escreve em portais, jornais e revistas. Ministra oficinas, palestras e minicursos de letramento, historiografia e produção audiovisual em diversos espaços, entre os quais, Fundação Casa, Projeto Formare, Programa Jovens Urbanos etc.
Faz parte dos coletivos A Casa Amarela – Espaço Cultural (São Miguel Paulista), Lentes Periféricas (de produção audiovisual) e Curta Suzano (organizador de festivais de cinema).
Em audiovisual já produziu, dirigiu e roteirizou filmes em diversos formatos e gêneros. Seu último filme é “São Miguel, destino: Movimento Popular de Arte” (2018).
Perfis:
– no blogue “vs. eu” – http://escobarfranelas.blogspot.com
– no Facebook https://www.facebook.com/escobar.franelas
– no Youtube https://www.youtube.com/user/Efranelas

*Texto publicado originalmente em https://aldeiasatelite.wordpress.com/2019/07/24/escobar-e-a-ficcao-do-cotidiano-ou-darkney-sabatina-franelas/?fbclid=IwAR3WyEp0ddK6InrVkF3fP7EEY_oyR7-PckIInN5gKCLV24HQE3n30exm9A8

Foto Magda de Souza

27.7.19

26.7.19

Um textículo: "vela e zela"


os óculos sobre os seus
olhos sobrevoam
piscam em drama
os olhos sobre os seus
suspensos
pisam em brumas
em cinzas nuvens
entre um céu e outro céu

24.7.19

Um textículo: "cais inseguro"


a pinta na perna dela
é ponto de partida e chegada
desperta e dispersa
as asas do desavesso
uma tempestade de olhos
chuva alheia e atenta
ao pouso inábil do desejo
suando sob o sol

a pinta na perna dela
é cais inseguro
onde esgueiro para chegar 
ao porto culminante do fim
aqui, tão longe, dentro de mim

a pinta na perna dela
me levita
e me prostra

23.7.19

Um textículo: "falam que dizem que contam que repetem por aí"


confessa
você não gosta de poesia
o que atrai em seu discurso
é professar a palavra poesia
desgastar a palavra, repetir 
repetir até cansar
poesia poesia poesia

você talvez nem tenha percebido 
que corrói a plenitude do êxtase
degrada o substantivo amor
com essa falta de talento para amar
diz que ama, e isso é só

pois amar, viver a poesia
implica romper a casca dura das convenções
praticar a liberdade, outra sensação
cuja palavra está em seu vocabulário
no papo solto dos junkies de happy-hour
amigos?
taí outra palavra que destoa
que é a amizade? 
confessa que suas teorias
pouco ou nada se aplicam à prática 

confessa

pra você tudo se resume no pronome 
pessoal ou possessivo
conjugando em primeira pessoal
no singular, no máximo
no plural

confessa

22.7.19

Entrevista - Darkney (teatro, música e literatura) - SP

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas e close-up



Há 11 anos entrevistei Claudemir Santos pela primeira vez. Diante das múltiplas tarefas nas quais ele tem se desdobrado, eis-me novamente ouvindo e atualizando as informações sobre uma da figuras lendárias mais icônicas da agitação cultural no extremo leste da Sampalândia. Darkney - como também é conhecido - é um os idealizadores e fundadores da ALDEIA SATÉLITE, espaço cultural localizado no bairro de São Miguel. Seu trabalho trafega entre a música, o teatro e a literatura, mas flerta tambpém como audiovisual, as artes visuais (sua formação) e fortemente com a educação. Autor de várias músicas e do livro “FANTASMAS, DEMÔNIOS E LENDÁRIOS”, tocou muitos projetos, com a  extinta banda DEUS EX MACHINA. Suas canções também foram gravadas por G.R.A.Ve e Triz.   Segue as indagas.

ENTREVISTA

ESCOBAR FRANELAS – Quem é Claudemir Santos?
CLAUDEMIR DARKNEY SANTOS – Um homem comum de 44 anos que ama Artes, Animais, estudos e uma certa dose de solidão. Um artista que se expressa através de algumas linguagens artísticas sem muita pretensão ou zelo. Também criador de DARKNEY na década de 90, heterônimo que carrega até hoje sempre que pega um violão ou uma guitarra.

ESCOBAR FRANELAS – Como se deu o seu primeiro contato com a arte?
CLAUDEMIR DARKNEY SANTOS – Desde que me entendo por gente, estou com a arte ou na arte, como queiram. A música sempre foi muito presente em minha casa, todos os ritmos, todos os estilos. Comecei a ler e a escrever com seis anos, aos nove já estava enfiado na Biblioteca Municipal Raimundo de Menezes. Aos 14, em 1991,  comecei os estudos musicais e teatrais na finada Oficina Cultural Luiz Gonzaga, ainda na Parioto 402, e a partir de lá comecei a conviver com estudantes de Artes e Artistas. Foi um caminho sem volta.

ESCOBAR FRANELAS – Quais os seus trabalhos que você considera mais relevantes? Por quê?
CLAUDEMIR DARKNEY SANTOS  – Acredito que o grupo Alucinógeno Dramático, criado em 1994, ainda na ativa e precursor de outros grupos e artistas que dele saíram tem grande relevância para o bairro, por mais que algumas pessoas ou instituições não reconheçam isso. Minhas canções, principalmente as que foram gravadas, são boas canções também. O lançamento de “Fantasmas, Demônios e Lendários”, em 2016 foi outro passo importante também. Uma parte do livro fala dos fantasmas de São Miguel, e tem ganhado valor a cada dia que passa. As pessoas adoram e se reconhecem nele. No entanto, o trabalho que considero mais importante é a criação de Neyson Belloto, que eu espero publicar em breve. Seus contos existencialistas me são muito caros.  Ah, não posso esquecer da criação da Aldeia Satélite, um espaço de muita relevância na cultura local, por mais que pessoas e instituições não reconheçam isto kkkkkkk.

ESCOBAR FRANELAS – Na esfera local, nacional e mundial, quem você considera que esteja produzindo trabalhos dignos de nota?
CLAUDEMIR DARKNEY SANTOS – Indo essas notas entre 01 e 10, acredito que sim. Interessante essa pergunta. Ela pareceria boba décadas atrás mas, hoje, com a globalização e a tal internet, estas esferas são possíveis de serem alcançadas, e Warhol já sabia disso, não é? Enfim, evidentemente gosto do meu trabalho, são trabalhos dignos de nota mas eu falho na questão de divulgar e difundir este trabalho. Parte por minhas casmurrice e outra parte devido aos estudos universitários, uma grande paixão, também, mas já estou decidido a circular mais e fazer este trabalho circular também. Estar presente aos lugares, me apresentar, ver pessoas, aprimorar meu trabalho musical que está enferrujado, enfim, alcançar estas esferas e deixa-las julgar a nota dos trabalhos produzidos.

ESCOBAR FRANELAS – O que é a arte? O que é cultura?
CLAUDEMIR DARKNEY SANTOS – Eis a questão.  Sendo a cultura qualquer produção humana e a Arte uma incógnita antes definida pelas academias e, posteriormente por intelectuais da era moderna e, recentemente, por uma classe alta contemporânea e suas artes tão pessoais que, por vezes, só eles acessam os significados em suas galerias segregadoras. Sei lá. A arte contemporânea, por vezes, não desce.  Na minha velha maneira de pensar, a Arte tem que dialogar com a sociedade da forma mais ampla possível, ao menos ter essa possibilidade. Também não consideraria arte um funk cuja a letra parece um discurso do Bolsonaro (machista, misógino, estimulador de violências) só porque é feito na periferia. Estamos em um momento histórico muito complexo, trecho de fronteira entre períodos, no meio das definições a serem lidas em livros de histórias. Louco isso, mas não quero o martelo deste juízo, não.

ESCOBAR FRANELAS –  Quais os projetos com os quais está envolvido no momento?
CLAUDEMIR DARKNEY SANTOS – O mais relevante é transformar a ALDEIA SATÉLITE em um espaço autossuficiente. Mantemos ele com nossos próprios recursos e diante da atual situação do país e a desvalorização da Arte, principalmente a periférica, está difícil manter as coisas. Também pretendo me dedicar a circulação do livro FANTASMAS, DEMÔNIOS E LENDÁRIOS. Fazê-lo  rodar por aí e começar a pensar na publicação dos CONTOS DE BELLOTO.  No Alucinógeno Dramático, estamos trabalhando dois espetáculos: HIDROFOBIA, de minha autoria, com MARIANA SANTANA, RAFAELA TERRIAGA e o encontro fantástico das atrizes KAREN DANIELLE  e CLARA BARBOSA, que passaram pelo grupo na primeira década do ano 2000 e agora retornam para esta montagem. O outro espetáculo é a adaptação do livro O ESTRANGEIRO, de ALBERT CAMUS, com PAULO BACO, RICHARD MAIA e eu no elenco, além da direção e adaptação.    O trabalho musical também está caminhando, entre o violão acústicos e a música eletrônica, mas nada de banda. Acho que envelheci e amadureci para algumas coisas.

21.7.19

Um textículo: "sobrenome ânsia"


as senhoras gana e ignora, irmãs gêmeas
andam de braços dados sob o sol de qualquer hora

não são violentas
não
são violentas
dizem
digo

19.7.19

Um textículo: "borracha"


acho que a beleza da poesia
da vida, das coisas todas que estão por aí
vem do esquecimento
de um fragmento que se perde 
e nos deixa à solta, figuras atônitas
tentando desvendar os mistérios
dessa miséria vã

acho também que a grandeza desse ato
só não é maior que as lembranças
que são longos tapetes escuros
por onde depois desfilarão as memórias
recuperadas 

acho mais, que a atmosfera que permanece
como o vulto de um fantasma
é a forma mais sincera de nossas projeções
cujo conteúdo retroalimenta 
essa intermitência entre o lápis e a borracha

18.7.19

Um textículo: "a magia de ser dono do circo"


ato 1
o poema que está em mim
o poema que sou eu
não é o mesmo de minutos atrás
um poema planta sombras 
nos espaços entreluz
ele sequer aventa a hipótese de ser
um nave espacial em órbita ao redor
do cérebro
não aceita as intercorrências do
coração descompassado diante de
um novo amor
nem é fada madrinha 
nem lenda nem mito 
é tanto tudo sendo poema
que ele próprio não se reconhece
não sabe quem é
tampouco o que é

ato 2
o poema é um malabarista de circo 
trabalhando na rua fria 
ignorado pelos motoristas
poema é coelho trapezista saindo
da cartola do palhaço no globo da morte

ato 3
senhoras e senhoras
e agora, para encerrar esta noite,
o momento mais esperado 
por toda a plateia.
com vocês, o mais aguardado 
dos números de hoje
preparem-se! recostem-se em suas cadeiras
respirem fundo, prestem muita atenção
pois, para finalizar este espetáculo
quero convidar a cada uma das pessoa
a assistir com atenção
a morte,
ops, a parte mais importante dessa noite.
retumbem os tambores
prendam a respiração
abram bem os olhos, os ouvidos
o coração a mente
e sem mais delongas, com vocês
o
po - e - ma!

17.7.19

Um textículo: "lula e o polvo"


Lula, ao contrário de outros animais do mesmo filo, não possui uma casca externa dura, mas um corpo externo macio e uma casca interna. Além disso, faz parte ainda da classe dos cefalópodes ("pés na cabeça"), um grupo que também inclui o polvo, o choco e o náutilo. Lulas não tem mais que 60 cm de comprimento, mas já foram identificadas Lulas-colossais, com 14 metros.
Atualmente, as receitas com Lula são facilmente encontradas espalhadas pelo Brasil e elas podem ser servidas de diversas formas. Já o polvo é um pouco mais difícil de encontrar e não tão comum na nossa culinária. Mas a verdade é que ambos merecem uma chance de serem experimentados.
Quem já provou Lula, sabe que possui uma textura um pouco elástica. O polvo, no entanto, é um pouco mais consistente e macio.
O sabor dos dois também é um pouco diferente: o polvo tem um gosto mais marcante e presente, enquanto Lula tem um sabor suave. Um detalhe importante sobre esses dois é que, para preservar seu sabor e textura, é preciso saber o tempo e a temperatura certa para o cozimento, pois, do contrário, eles podem ficar muito duros.

Lula
Riquíssima em ferro, ela é uma boa escolha para quem sofre de anemia. O ferro é um mineral muito importante para as mulheres, já que ele ajuda para combater os sintomas da TPM, como as mudanças de humor e até as tonturas.
Outra qualidade de Lula: ela tem antioxidantes, substancias importantes para o combate dos radicais livres, que causam o envelhecimento precoce e as temidas rugas.

Polvo
O polvo é rico em vitamina B12, importante para o bom funcionamento do cérebro e da nossa memória. Quem está em dieta de emagrecimento, o polvo é uma boa pedida, pois tem baixas calorias. Confira 3 receitas com esse ingrediente: camarão e polvo ao leite de coco, polvo assado à moda do porto e vinagrete de polvo. 

*Fontes primárias: https://blog.tudogostoso.com.br/dicas-de-cozinha/polvo-e-lula-diferencas-entre-eles/) / Wikipédia

15.7.19

Um textículo: "receita desde os tempos da vovó"


para espantar a doença que vem do frio
você precisa tomar banho de sol
deixar que penetre você
tirar essa nuvem que fica zanzando sobre a cabeça
inundar-se de ar
de suor
trepar no sol

para curar a doença dos frios
faça amor com o sol
cedinho à tarde à noite

14.7.19

Um textículo: "extra vagante"


bem sei o que fazer 
com tanto sentimento aqui
preciso entregar urgente
pois a carga tá grande
a posar de leve

10.7.19

Um textículo: "espuma"


há tanta água
tanto sal
sol
céu
saliva
há mar nessa boca

tanta selvageria
como se a loucura habitasse
entre nós
e fosse o hábito mais saudável

9.7.19

Um textículo; "desentendimento"


sextou!
o grito nervoso rompeu a manhã de segunda no vagão lotado. todos olharam, ouviram o gago mandando áudio pelo zapzap: mermermercês, tôtôtô tô bem! i is iss isso! pó pó podexá.

8.7.19

Um conto: "joão john"


Ele entrou com a Rover no pequeno estacionamento, procurava um lugar onde parar. Depois de manobrar com dificuldade, parou atrás de um carro menor. O segurança interpelou:
Senhor, por gentileza, aí atrás não pode, é o carro do diretor da unidade.
Mas eu conheço o Miragaya, ele que vai me receber e me acompanhar durante a minha palestra. Então, acho que posso. 
Não senhor, infelizmente. Nós não temos autorização para permitir que ninguém deixe atrás do carro de um diretor de unidade. 
E se eu falar com ele?
Ok, mas primeiro o senhor tem que tirar daí.
E aonde eu guardo?
Acho que não tem lugar, senhor. Seu veículo terá que ficar estacionado do lado de fora.
Porra, e por que você não me avisou antes de entrar? Eu não teria perdido esse tempo todo.
Eu não tenho como saber, senhor.
Vocês não conferem quantos carros entram aqui?
Não, senhor!
E o que você anota, afinal?
Só os nomes e as placas.
E quantos carros cabem nesse estacionamento?
Não sei não, senhor.
Ele respirou fundo, ligou o carro novamente, saiu e estacionou do lado de fora, sob uma árvore de copa baixa mas de sombra espessa. 
Ao passar a portaria, observou o nome do segurança, Makenzo. Achou estranho, decidiu perguntar.
Por gentileza, qual o seu nome?
Meu nome?
Sim, seu nome.
Makenzo, senhor.
Makenzo? Isso não é sobrenome? 
Nome, senhor. Foi ideia do meu pai, minha mãe falava que ele gostava dessas coisas do Japão.
Ele olhou novamente o crachá do outro. Tinha simpatizado com aquele segurança falador e cordial, mas mesmo assim iria reclamar com o Miragaya, amigo desde os tempos da faculdade; onde já se viu deixar um carrão daqueles do lado de fora? Dirigiu-se à porta central, identificou-se, aguardou a liberação, observando a recepcionista através da fresta quadrada na porta de ferro. Os olhos iam acostumando-se à penumbra enquanto ele tentava seguir a linha imprecisa dos seios dela. O tecido escuro de corte reto e o botão no alto do colo impediram-no de fantasiar. O crachá estava visível, Kátia o nome dela. Admissão em junho de 2003. Dezesseis anos de instituição. 
Depois de uma longa espera e responder muitas perguntas da moça, a porta destravou, ela indicou como empurrar a pesada folha de ferro e ele entrou.
Avançou devagar, acostumando-se com a escuridão. Miragaya vinha ao seu encontro. Vestido de calça jeans apertada, sapatos escuros, camisa branca e blazer, parecia um cantor sertanejo. Recebeu-o com um aperto de mão formal. 
Salve, amigo. 
Opa, como você está? – E estendeu a mão, cumprimentaram-se. 
Tudo bem. Foi muito difícil chegar até aqui?
Nada. Tranquilo. Com GPS ninguém mais se perde nos dias de hoje. 
É que por aqui o sinal é ruim, geralmente cai. 
Se falhou nem notei. Mas, enfim, cá estou. O que você tem pra mim?
Eu que pergunto. O que você tem pra mim, que dizer, pra essa molecada? Acha que dá conta?
Tranquilo. Desde aqueles tempos de faculdade que descobri que levo jeito para esse negócio de dar palestra motivacional. É com isso que to livrando um dinheirinho.
Mas e a igreja?
Ah, a igreja tá bem. Mas tava melhor. Faz uns três anos que deu uma travada. Não diminuiu mas também não cresce.
Mas o pessoal vive dizendo que esse lance é tiro-e-queda...
Era. Aliás, verdade seja dita, só lá mais ou menos nos tempos do Lula é que a coisa foi boa, mas depois foi ficando um miserê desgraçado e agora o pessoal tá sem dinheiro e não rola dízimo, oferta, essas coisas todas, sabe? Tá foda,Mas, mudando de assunto, e você? Como está? Deu uma engordada, hein? Conta aí... como veio parar aqui no meio desses marginaizinhos “di menor”?
Para, caralho! Pode parar! – E bufou de raiva. Depois emendou, falando baixo - Caramba meu, já não te expliquei pelo telefone e mais de uma vez como deve se proceder aqui? Então... presta atenção nos termos que você vai usar! – olhou de lado. - Aqui é foda meu; só na brutalidade, entendeu?  
Caramba, mas não tem ninguém aqui nesse corredor, só nós. 
Aqui, caralho, as paredes têm olhos e ouvidos. Se você prestar atenção, disfarçadamente, vai ver que tem câmera pra tudo quanto é lado. E todo mundo desconfia de todo mundo. E... espera um pouco. Fica aí. Não! Isso! Isso isso isso. Fica aí. Isso. Para aí e fica quieto e meu ouve. Vou te explicar uma coisa e bem rápido: presta atenção! Aqui a gente não se conhece. Você “apenas” me procurou para dar uma palestra, oficina, qualquer coisa, pra esses maloqueiros. E como você tem um currículo, eu o contatei, entendeu? 
Tendi...
Então ta. Vem comigo!
O outro não gostou da frieza. Depois de tanto tempo!... Mesmo assim seguiu o diretor pelo corredor frio. Passaram pelos agentes e entraram em uma pequena saleta. Miragaya ia apresentando Luís a todos que encontrava, até que chegaram à última saleta. 
Esta é a minha sala. Entre, fique à vontade.
Uau! Belo espaço o seu. Nossa! Tudo organizadinho, bem o seu jeito. 
É! É!
Tá, entendi. Onde tem um banheiro aqui?
Ali, à direita.
Beleza.
Luís entrou no pequeno toalete e Miragaya ficou arrumando sua mesa. Quando o outro voltou, ambos se dirigiram à sala onde os jovens os aguardavam. Foram passando nos diversos bloqueios de segurança, o diretor o apresentando a todos como o palestrante contratado, até chegar junto a uma porta entreaberta, onde estacaram. Miragaya o encarou.
Esqueci de falar, tem um moleque aí, um moreninho baixinho, que é um terror.
Como assim?
Ele parece com os outros. Geralmente fica bem calado. Mas quando fala, toca o terror. Toca o terror mesmo!
Porra, meu. Você está me assustando. Como assim?
Ele é muito, muito inteligente. Cuidado as respostas que vai dar se ele fizer alguma pergunta pra você. 
Aaahhhh... fala sério. Inteligente? Aqui?
Eu tô falando. E não duvide do que estou falando. E presta atenção. O nome dele é João John. Quando ele abre a boca, geralmente bota todo mundo em pânico. 
Como é que é? Jo...
João John. Isso mesmo. Na verdade o nome completo do moleque é João Batista John. Uma maluquice do pai, que já morreu. Ele já saiu mas sempre volta. Já fez de tudo, Acho que só não fez tráfico, é tipo bandidinho zona sul, refinado, fala mansa, encara a gente olho no olho. Por isso to avisando antes. Tome cuidado. 
Caramba! Você está me assustando. 
Não, não precisa se assustar. Só precisa tomar cuidado. Nunca vi alguém assim como ele. Nem na faculdade nem em lugar nenhum. Mas vai lá, senão atrasa.
E você? Não vai comigo?
Não. Quem vai te acompanhar é a Janete, assistente social da unidade. Janete, vem cá! Este é o Luís, o palestrante. Apresenta ele pros meninos. Boa sorte!
Mas...
Boa sorte. Janete, cuida dele! Obrigado.
Entraram. 


Parte 2
Luís passou entre os jovens sentados em silêncio. Sentiu que os olhos cabisbaixos mas curiosos seguiam-no enquanto se aproximava da mesa. Pousou a pasta e virou-se. Dois agentes tinham entrado e se sentaram junto à porta. Janete, que o seguira e se posicionara ao seu lado, o encarava com os olhos vivazes por trás dos óculos.
Podemos começar?
Sim, podemos.
Vai rolar vídeo ou alguma interação?
Não não não! Será só uma palestra mesmo. No gogó. E riu amarelo.
Janete cumprimentou a todos e iniciou a apresentação. Os olhos dele, intimidados, procuravam sorrateiros o moreno baixinho. José John. José não, João. Quem era? Por que o Mira tinha insistido tanto nos cuidados com esse pequeno bandido com nome esquisito? Era uma pegadinha? Por que não avisara antes? 
Quando se deu conta, os meninos o encaravam com ar quase risonho. Olhou de lado. Janete o encarava, prestes a explodir num sorriso também.
Sim? 
Eles estão aguardando para ouvi-lo.
E uma ruidosa gargalhada enfim explodiu no ambiente. As maçãs de seu rosto queimaram. Olhou. Até os seguranças sorriam lá no fundo.
Bem, pessoal, bom dia.  
Bom dia, a pequena multidão respondeu. 
Bem, antes de tudo, é um prazer estar aqui com vocês. Eu sei muito bem a situação que é viver aqui. E sei também que aqui não é bem o melhor lugar do mundo. Mas o que vim oferecer para vocês é um paliativo para suportar as dores maiores que o mundo há de oferecer quando ultrapassarem estas grades lá fora, e forem para a liberdade. Quando eu era menino, também cometi os meus errozinhos, sabe? A diferença é que consegui me esquivar – vocês sabem o que é esquivar? Quem aqui sabe o que é esquivar? Ninguém? Então, esquivar significa desviar, sair de lado, entenderam? – e com isso consegui vencer na vida. Na verdade, vocês todos vão vencer na vida, quem crê nisso? Eu creio... mas para isso é preciso dar um pequeno passo. Jesus Cristo disse um dia...
E ele continuou sua parola por quase vinte minutos ininterruptos. Quando percebeu os primeiros sinais de desatenção dos meninos, iniciou uma pequena atividade interativa com os adolescentes. Brincava, questionava, absorvia a atenção de todos ali, conseguindo arrancar até alguns sorrisos tímidos de um número reduzido de interessados. Circulou pela sala com desenvoltura, tocava com sutileza a ponta dos ombros de alguns garotos, garantia a empatia e até uma certa intimidade, até que viu Miragaya junto à porta, que o observava com atenção. Suas vistas turvaram, as faces esquentaram, gaguejou. Calou-se por um breve momento. Depois retomou a fala. Os pensamentos se dispersaram. Não ousou olhar novamente para o lado do amigo antigo, preferiu se concentrar no assunto que estava sendo abordado. Até que seus olhos esbarraram no olhar frio e penetrante do garoto que estava sentado na fila do meio. Um sorriso lacônico fulgia no rosto sereno e calmo da quase criança. É ele!
E ele novamente perdeu-se no emaranhado de seus pensamentos.  O que estava falando? Arranhou a garganta e voltou para pegar um copo dágua sobre a mesa. Não tinha água. Virou-se para a frente. Encontrou o olhar de Janete atento aos seus movimentos, esboçou uma mímica pedindo água. Ela saiu da sala. Mira tinha saído também. Melhor assim. Voltou sua atenção para a platéia. A maioria dos meninos estava dispersa, cochichando, mas alguns prestavam atenção aos seus movimentos. Precisava retomar o assunto abordado, mas... que diabo mesmo estava falando até perder-se no labirinto?
É… bem.... e coçava as mãos, uma na outra. Vício incontrolável quando ficava nervoso. Como eu estava falando… 
Nisso Janete surgiu à porta, trazendo uma garrafinha dágua. Mira voltava também, logo atrás. Luís avançou até ela, pegou a garrafa. Obrigado.
Sorveu rápido, enquanto tentava processar o que iria falar. Agonizava sem saber o que fazer no segundo seguinte. Nesses anos todos, aprendera a ganhar dinheiro usando alguns atributos que a vida lhe presenteara, a sagacidade para os negócios, as palavras doces e bem adequadas para ouvidos famintos, a facilidade em transitar nos mais distintos campos do amor,  os discursos sempre carregados com o verniz de emoção simplória. Plantado ali no meio daquela sala fria, súbito levantou a cabeça, encarou a pequena plateia, correu os olhos, encontrou os olhos do “pequeno polegar”. Apontou o dedo.
Você aí, me responde uma coisa.
Quem? Eu?
Sim. Você. Quando você tinha uns 5, 6 anos, qual era o seu sonho? Que tipo de brinquedo queria ganhar?
Silêncio na sala por breves segundos. O garoto estava vermelho, desconcertado. Virava os olhos procurando uma resposta no fundo amargo de sua memória. Aos poucos um alarido começa a crescer como se fosse uma gradação aumentando de volume. Luís já quase sorria, feliz por ter dado um xeque - quem sabe um mate? - no pirralho sabe-tudo. Não conseguia antever a resposta, mas adiantar-se em abordar o garoto tinha sido um golpe bem certeiro. Até já conseguira lembrar de qual era a atividade antes de ver que Miragaya estava no recinto. Iria insistir com o rapaz, torcer ele, dobrá-lo para que os outros soubessem que tinha alguém que era superior à falsa inteligência desse bandidinho de merda. Onde o Mira estava com a cabeça? Querer assustá-lo com um moleque que logo na primeira porrada acusou o golpe e caiu na lona,eh, hein? E os outros ali iam respeitá-lo por isso.  
Então, meu rapaz. Desculpe mas não tenho toda a manhã. 
Miragaya continuava lá, braços cruzados sobre o peito. Estava junto à porta, quieto, olhos atentos. E ele, incontido, gesticulando bastante. 
Vamos, meu garoto! Que tipo de sonho você tinha? Aliás, vou facilitar sua vida, que tipo de sonhos você tem hoje? Quer sair daqui, quer voltar a estudar, ou trabalhar, ganhar seu dinheiro?
Senhor? E uma mão levantou-se na fila de trás.
Sim?
Até agora não entendi que palestra é esta, desculpe. 
Então esse agora é que “era ele”?! Porra, errara o alvo! E agora?
Seu nome por favor?
Messias, senhor. 
Putz! Não é! Que merda é esta? Que jogo é esse? O que estou fazendo aqui?
Então, Messias, como eu já tinha falado, eu sou especialista em motivação interior. Então, quando…
O senhor ainda não tinha falado. 
Hã?!...
O outro moreno, da primeira fila, é que interpelara ele agora.
Não entendi.
O senhor ainda não tinha falado qual era o tema desta palestra.
Ah, sim, desculpem. Suava, apesar do frio. Passou a mão na testa. A solícita Janete, parece que adivinhando seus pensamentos, veio com uma toalha de papel.
Obrigado. Então, como estava falando… como é mesmo seu nome?
Jair, senhor.
Então, Jair, Messias… pôs as mãos no bolso. Estava gesticulando muito. Precisava se conter. Bem, como eu estava falando pra você… como é mesmo seu nome?
Eu?
Sim, seu nome? 
João.
John?
Não, senhor, meu nome é João.  
Ahhh.. sei. 
John é o sobrenome.
!!!
É?!... então, você pode comentar com a gente aqui quais são alguns dos seus sonhos no momento?
Ah, senhor. São vários.
Conta alguns. Pelo menos um…
Bem, senhor, uma dúvida que me surgiu aqui, agora…
Eu perguntei pra você sobre seus sonhos.
Senhor, posso enumerar um, dez, cem sonhos aqui. O que gostaria de saber, no entanto, é de que forma concreta o senhor poderia contribuir com a realização de algum deles. Um, que seja… É possível?
Luís olhou-o com curiosidade, depois para Miragaya, que continuava calado junto à porta. Janete deu dois passos, adiantou-se, prevendo que precisava socorrê-lo de alguma forma. O silêncio da sala era pesado.
João, sem mover um músculo sequer do corpo, alvejou-o em seguida.
Outra coisa, senhor. Às vezes vem uns oficineiros novatos aqui e a gente fica de boa com eles aqui, sozinhos, só no básico. A unidade aqui, pelo que consta, é tranquila, não dá muito trabalho pra instituição. Então, até agora não consegui entender porque a presença do diretor, aqui, neste momento; a ponto de deixar o senhor, com esse currículo invejável, tão desconfortável.

7.7.19

Um textículo: "comedido"


belo bom humorado 
tímido inteligente 
vaidoso
honesto
não admitia louvor
queria que lhe chamassem
por um improvável modesto 

6.7.19

Um textículo: "nietzscheana"


na verdade, ninguém presta
atenção à lua ou ao sol
só no eclipse
pouco se olha as estrelas
exceto a cadente

pouca gente se atém às cenas de amor
as de violência são mais sedutoras

no fundo no fundo, as pessoas pouco
se impressionam com a luz
a menos que acabe

a mobilidade logo se acomoda
depois que sai da inércia

dirigir sem curvas dá sono

4.7.19

Um textículo: "agridoce"


então tá 
fica sabendo que tem
um dedo de gelo coçando abaixo do umbigo
e outro arranha a espinha dorsal
subindo (ou descendo, tanto faz)

uma mão de fogo
bate, empurra o peito pra fora
a outra apalpa
(mas parece esbofetear)
as maçãs do rosto

o princípio do 
amar é violentar-se