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30.5.20

Um textículo:"enevoar"


saudade é lenta agonia
clarescura quentemornafria
sol sobre o sal às costas
cidade de costas pro mar
saudade é uma antivaidade
por falta -ou excesso- de ar

solidão em bloco
névoa sólida
troca em preto e branco
pela cor da cauda do pavão

saudade, sensação controversa
palavra controversa
facilitadora do verso

29.5.20

26.5.20

Um textículo: "nanismo crônico"


Observando daqui.
O ser humano é um animal que trabalha para ganhar dinheiro, depois usa o dinheiro juntado para estocar comida, e após um tempo considerável, descarta parte dessa comida por falta de uso.
Finalizando: seres humanos não gostam de guardar dinheiro, nem de juntar comida; são bichos que gostam de colecionar coisas e quando se cansam e se entediam, produzem este outro acervo chamado lixo.

24.5.20

Um textículo: "et al"


Então gritou bem alto e o mundo todo ouviu, "ponto final uma vírgula; a gente mal começou". E depois, com a voz mais baixa, "poxa, somos um quasal tão unido"...

23.5.20

Um textículo: "sujeito oculto"


O vento empurrou e a porta bateu forte. E ele ficou ali, implorando pra entrar. Até que um raio rasgou o céu, clareando tudo, assustando as nuvens pesadas.

22.5.20

Um textículo: "oferenda - II"


Salve Chico César
Chico Science
Xico Sá
Salve Chico Odwdwá

Salve Chico Anísio
Xica da Silva
Chico Xavier
Salve Chico, o mecânico
Salve o Papa Francisco
Salve Xaxá, Quinho
Xica, Chiquinha, FranChico
Romano Rey Pinheiro

Salve São Francisco
Salve Chico Buarque de Holanda

A imagem pode conter: xícara de café




20.5.20

Um textículo: "poesia, ao menos"


como não sabia escrever, inscreveu-se para aprender.

escrever-se
tecer-se
torcer até doer de si
e esquecer-se

como agora não sabe o que escrever, apreende tudo.

19.5.20

Um textículo: "&$u"


É um ritual, acorda cedo, caminha, toma o café com a família, depois senta para o assunto que sempre toma muito de seu tempo. Escreve o microconto diário, almoça, tira uma soneca e, nos intervalos, trabalha.

18.5.20

Um textículo: "malbondade"


poesia?
o que é a poesia diante da poesia de um abraço?
o que é a música diante do som do sorriso?
a arte? o que é a arte diante da arte da vida?

como é o abraço na falta de um braço?
como é a música para a pessoa surda
como fica a subjetividade, um segundo
após a morte?

tantas perguntas...

17.5.20

Um textículo: "precisamos de ar"


o barulho do mar
é a melhor canção de ninar
o barulho do amar
acorda a gente

e esses mergulhos
inundam a vida toda

16.5.20

Um textículo: "esgoto"


Desisto!
Elenão pensou duas vezes quando apertou o botão no banheiro, descargando.
E seguiu ralo abaixo.

12.5.20

Um textículo: "covidiano - III"


É preciso puxar a nau no muque
no laço.
É preciso manter o rumo da nau
conduzir a nau
até o porto sempre inseguro (mas porto).
É preciso reinventar a nau a cada segundo.
O mal se renova a todo minuto.

10.5.20

Um textículo: "covidiano II"


Já faz um bom tempo que ela está ali, tentando colocar a máscara no Touro. É este o nome do pequeno pug de cor amarelada, manchas escuras e humor zero. Aqui da janela acompanho o espetáculo.
Depois de muita insistência e a resistência natural do bicho, a garota parece desistir, levanta-se, põe a mão na cintura, olha pro lado procurando alguma solução e por fim levanta a cabeça e me vê.
- O senhor sabe como colocar a máscara no meu cachorrinho? - Ela me pergunta numa sentada só, a voz infantil contracenando com a pose adulta.
- E por que você quer colocar a máscara nele?
- É por causa do coronavírus, o senhor não tá sabendo? É um bichinho aí que está matando todo mundo, principalmente velhinhos. Então tenho que proteger o Touro com uma máscara, pois ele também está velhinho, sabia?
- Nossa! Não, eu não sabia que esse bichinho mau atacava animais inocentes também. - Falei o que meio à mente naquele momento.
Ela apertou as mãos na cintura, me olhou séria e falou:
- Ninguém tem certeza. Mas é a gente que tem que proteger, pois quem é inocente não sabe se defender.
- Mas se ele não aceitar a máscara, como você vai fazer?
- Aí vou ser obrigada a colocar a focinheira da Pulga nele, mesmo ficando um pouca grande e solta.
- E quem é Pulga?
- É a doberman do meu primo. Vou pedir emprestada agora mesmo.
- E você acha que vai proteger? Não é melhor deixar ele aí no quintal?
- Não, se deixar ele aqui no quintal, vai encher de cocô no corredor.

7.5.20

Depoimento para Eduardo Waack - Jornal "O Boêmio" ( Matão, SP)

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Franelas em selfie com O Boêmio


Data e local de nascimento:
Nasci na cidade de São Paulo, no longínquo 1968, "o ano que não terminou".

Nome de seus pais:
Luiza e Belisário.

Breve currículo:
Sou escritor, educador e cineasta, autor de livros de poesia, romances e história, ecrevo em portais, revistas e jornais. Integro os coletivos "A Casa Amarela - Espaço Cultural" (São Miguel Paulista), "Lentes Periféricas" (produção audiovisual e "Curta Suzano" (organizador de mostras de audiovisual).

Como você vê a cultura brasileira atual?
A cultura é fruto que a sociedade planta e cria. Todos queremos saborear as iguarias, mas pouca gente assume que a fruta que apodrece também tem nossa parcela de culpa. 

6.5.20

Depoimento para Folhetim Brasil-Poesia, da Assis Editora (Uberlândia, MG)


BP. Quem é você?
Escobar Franelas. Escritor e cineasta, autor de cinco livros. Também escrevo em jornais, revistas e portais. Participei de antologias de poesias, contos e crônicas. Ministro oficinas de educomunicação, história e produção audiovisual. Faço parte dos coletivos A Casa Amarela - Espaço Cultural, Lentes Periféricas (de produção audiovisual) e Curta Suzano.

BP. Como você vê a poesia brasileira? 
Ótima. Tenho lido poetas que nada ficam devendo aos cânones, como Dalila Teles Veras, Akira Yamasaki, Elisa Lucinda, Carlos Moreira e Adriane Garcia. Nos saraus, rodas literárias e slams que frequento, encontro uma poesia heterodoxa, pujante e  inovadora. A lamentar apenas o fato de que o mainstream das editoras não assimila essa robustez, coisa que as editoras menores têm cumprido com destreza.

BP. Como foi seu encontro com a poesia?
Desde a infância leio bastante. Lembro que Martim Cererê, do Cassiano Ricardo, me cativou muito. Mas antes da poesia, os contos e lendas já tinham me seduzido e lia tudo que me chegava às mãos. Destaco “Heidi”, “Tistu - O Menino do Dedo Verde”, “O Pequeno Príncipe”, toda a obra de Monteiro Lobato, a coleção Vagalume e a série “A Inspetora”. Li isso e outras coisas bacanas entre a infância e a adolescência.

BP. Fale de seus livros/ poemas publicados?
“hardrockcorenroll” (poesia, 1998), “Antes de Evanescer” romance, 2011), “Itaquera - Uma Breve Introdução” (história, 2014), “haicaos - feridas, fragmentos e fraturas poéticas” (poesia, 2018) e Premiado (romance, 2019). Este último foi selecionado para o Prêmio Oceanos 2020, cujo resultado sairá no segundo semestre.

BP. Já foi premiado pela sua poesia? Qual foi o maior reconhecimento cultural que sua poesia já recebeu?
Sim, alguns. O primeiro (Arte nas Cohabs), em 1998, foi providencial. Organizado pela prefeitura de São Paulo, abriu as portas para que o meu primeiro livro fosse publicado.

BP. Como você gostaria que fosse a poesia, no Brasil?
Melhor distribuída para ser mais lida e apreciada.

BP. Qual é o escritor e respectivo livro, que foi sua base poética?
Li muita coisa na infância, e uma das lembranças que
guardo é de uma coletânea com poemas esparsos de Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e Vinícius de Moraes. O pluralismo de estilos ali, aliado à riqueza de imagens e ritmos, permitiram as comparações inevitáveis e me fizeram perceber as diferenças entre eles e eleger ali os meus preferidos.

EXPEDIENTE:
Folhetim Brasil Poesias
Produção: Assis Editora.
Coordenação: Ivone de Assis

Link original: https://assiseditora.com.br/wp-content/uploads/2020/04/Brasil-Poesia-14-03052020.pdf

3.5.20

Um textículo: "revoada"


Essa pandemia é um verdadeiro inverno; disse isso soltando as suas asas, depois dobrou e guardou no armário. No quarto ao lado, na casa ao lado, na rua ao lado, na vida ao lado, ouviu-se um estampido seco.

2.5.20

Um textículo: "no covidário"


Após conferir tudo, carimbou, assinou e despachou. Saiu da sala limpando mãos e braços com álcool em gel e coçando o nariz sob a máscara. A náusea ardida dos corpos empilhados coçava no rosto suado. Um calafrio percorreu-lhe a espinha. Foi almoçar.

1.5.20

Um textículo: "música indiferente nº 2"


drummond, sempre certeiro, tipo uma flecha tupi.
o que são as flechas contra os arcabuzes?
tolstoi, arqueiro como drummond.
flechas empunhadas, uma a uma...
as pistolas, ofegantes, às dúzias... às dezenas...
nunca estamos prontos para golpes. ou não seriam golpes.
golpe é como uma partida de futebol. sempre imponderável.
o melhor time vence. mas às vezes acontece o empate.
em poucas outras vezes, a zebra vence.

- tenho medo das metáforas dos otimistas
- você sabe, meu ceticismo me abraça
- você nem é pessimista. só realista. que vê
com olhos de lince e
sensibilidade fellini_ana.
- por isso a vida dói

a tal da sensibilidade é mais antevisão
coisa de sentir antes de ver, com a pele
com os ouvidos, enxergar além e aquém