Pesquisar este blog

30.4.20

Uma cronicazica: "covidiana"


Aquela senhora arrastava um carinho de ferro vazio na manhã de sol forte do outono. Veio até a porta do estabelecimento, tirou a máscara e perguntou se tinha álcool em gel. Tinha. E sabonete em barra? Também tem. E hidratante para as mãos? Também.
Tá bom, vou ali na Caixa ver se já saiu meu auxílio, depois passo aqui pra comprar, tá? Colocou a máscara de volta e saiu puxando o carinho de feira vazio.
O tempo passou e bem depois do almoço ela parou em frente à loja, tirou a máscara já encardida e suada e me chamou: moça, eu fui na Caixa, depois na lotérica e você acredita que nada? Falaram pra mim que é pra ver pela internet e eu não sei nada desse trem, então a mocinha, até bem parecida com você assim, viu!, me deu um conselho pra ir numa lanrauze, mas eu tenho medo disso tudo, me confundo. Sabe, até pensei em pedir ajuda pro meu neto? Mas ele é tão ocupado, tadinho... fica o dia inteiro trabalhânu no celular e no notibúqui dele, que nem fala comigo, nem no café nem no almoço nem na hora da janta. Ahhh, desculpa, viu, tô te atrapalhânu, né?... É... já vou agora pra casa, amanhã vou lá de novo. Quem sabe dá certo e então posso comprar minhas coisinhas, né?
Colocou a máscara de volta e saiu arrastando o carinho vazio pela calçada.

29.4.20

Um textículo: "isolamento e ascensão"


De Santo Amaro a Xerém, passando por Guaianases, Grajaú, Itaguases, dos "ao vivo" às "live", de show em show, o cachê inchou.

26.4.20

Coronada - XIX: "a caverna de platão reambientada"


Recebeu a notificação da prefeitura, iriam lacrar a porta do estabelecimento.
Seus gestos eram autômatos, o raciocínio lento. Sem saber o que fazer com aquele monte de pássaros, pediu ao fiscal autorização para retirar os mesmos, "senão os bichinhos vão morrer presos aqui". O homem anuiu com um gesto de cabeça, "mas vai rápido, tenho outras lojas pra visitar hoje".
Então ele recolheu as gaiolas, os sacos de ração, guardou no carro, iria levar tudo pra casa.
Depois de alguns dias na quarentena, recluso, sem trabalhar, com pouca comida e nenhum dinheiro, estava atônito com aquela orquestra incômoda e faminta. Resolveu soltá-los.
Abriu as gaiolas, virou as costas e se retirou, não queria acompanhar o espetáculo deprimente de ver "seus meninos" indo embora. A partida, porém, foi lenta e sutil, de pios confusos, cada um alçando seu voo improvisado, como um filme em stop-motion.
Na manhã seguinte a revoada estava lá, retornara aos caprichos servis da rotina. Apenas aquele que cantava mais estridente na gaiola, justamente a cacatua que ele mais teve dó de soltar, encontrou morta.
Apesar da insistência dos bichos, fez questão de manter as portas fechadas.

25.4.20

Um textículo: "dispersão"


ontem você me respondeu
disse que ia passar um e-mail com os anexos

ontem, não mais que ontem

essa madrugada fiquei observando por longo tempo as ruas passando por mim, faróis apressados iluminando outros faróis, apressados ou não.
homens cinza velavam quatro colchonetes prateados, e um carro vermelho; todos deitados, dormindo profundamente, no asfalto vermelho

eis o velório: velas lascivas dançando ao vento manso, almas tangidas sobre o viaduto, um túnel mais leve, sobretudo livre

quando vinha para cá, parei no boteco do alípio, tive que aturar dois tejotas falando do paraíso de jeová;
a menina da loja em frente que chegou atrasada, olhos tristes, alvoroçada, de camiseta preta, depois vestiu o boné do uniforme

hoje ninguém me responde mais
pode ser que tenha acontecido alguma coisa,
sei lá, passei em frente, a janela estava aberta, a cortina balançava como querendo gritar algo, o celular que vibra e a indiferença atende

faz calor mas tá frio aqui

não sei mais o que fazer nem se devo fazer
nada sei do que é nem sei se é
ninguém se entende
mas o fato é que, pra mim, você morreu

24.4.20

Coronada - XVIII: "o messias morreu?"


O presidente Messias foi às redes sociais na última semana rebater especulações de que ele estaria morto. Em todos os seus canais virtuais de comunicação, reiterou que quem despacha no Palácio é ele mesmo, reclamando que a oposição tem jogado sujo, com insinuações de que possa ter falecido. "Querem destruir a imagem de um homem saudável e forte com essas fake news", publicou em seu Twitter.
Segundo algumas fontes, Messias teria morrido com suspeita de ter sido contagiado pelo Covid 19 (Coronavírus). A notícia foi dada por Mônica Bergamo em sua coluna no jornal Folha de S. Paulo. Segundo a jornalista, "a maior suspeita sobre os fatos decorrem do fato de que, após um sumiço de dois dias, há uma semana o presidente não se apresenta em público, se colocando sempre longe das pessoas, com acenos sutis e contidos, bem diferentes de suas performances naturais". Outro aspecto notado por jornalistas e outras pessoas próximas ao Planalto, é que Messias, antes um defensor ferrenho de reabertura do comércio e da volta à normalidade, mesmo com a curva ascendente da pandemia, agora se apresenta com uma máscara que cobre toda parte abaixo dos olhos e indefectíveis luvas coloridas (predominantemente verde e amarelas) sempre sobre a mão esquerda. 
Há quem jure que a mesma é para esconder a tatuagem do sósia. Questionado sobre isso, ele respondeu no Instagram que "a luva é só uma maneira de convencer os comunistas da esquerda a se tornarem nacionalistas". Já em outra resposta, esta publicada no Facebook, ele não se conteve diante de uma provocação feita por uma leitora e postou, "não uso luva na mão direita porque com ela eu uso para bater... na sua cara, palhaça!". Momentos depois, a mensagem foi apagada.
Diversos partidos já protocolaram junto à Mesa Diretora da Câmara, ofícios para que o presidente seja inquirido a comparecer na Casa ou em outro lugar público para que o assunto seja esclarecido. No entanto, o presidente da mesma, Erre Vaia, tem se esquivado de abrir o debate e protelado todas as solicitações feitas até o momento. Questionado sobre a questão, ele respondeu que "o mundo e o país vivem um momento atípico com esta pandemia, portanto não é hora para abrir debates sobre elucubrações sem fundamento", encerrando a entrevista a seguir.

23.4.20

Um textículo: "os nós e os nus"


já não há anjos no céu
nem céu
e poucos anjos sobre a terra
e pouca terra para muitos anjos

quase não há casas
para os filhos de deus
nem comida para os filhos de deus
nem asas para os filhos de deus
nem deus

22.4.20

Um textículo: "antipoética"


estou farto do lirismo halterofilista
exibido, marombado
músculo que não é poesia
tô cansado do lirismo reflexivo
pálida imagem de um clímax

retecendo o tempo todo
o inverso do avesso do arremedo de verso
o que não precisa ser feito

não quero esse dialeto desengonçado
abomino esse lirismo comercial de pasta de dente
que rima sangue com vinho tinto
e amem com amém

verso, pra mim, só se embriagar a
alma
mover as placas tectônicas da derme
derreter todas as certezas 
e tatuar sobre cicatrizes não saradas

21.4.20

Um textículo: "chuá - uma tragédia anunciada"


a chuva
grávida de águas revoltas
esmurra o morro
urra de dor

sem jogo de cintura
bate, tomba e fura a pele do asfalto
(útero duro e insensível)
que tomou a terra de assalto

a chuva surra a parede
que passa rente
o carro à frente
a vida que afronta enfrentar
as pesadas torrentes

a chuva, às turras. explode
seu cio, um rio
desce, impermeável à dor
única, humilhada
pelo sorriso líquido e certeiro
da unidade da maldade

20.4.20

Um textículo: "simverno"


céu que pode ser redondo ou chato
talvez 3d
asséptico, suave, seco
cético?

na dúvida
melhor molhar o inferno
dar um refresh na alma

19.4.20

Um texticulozinho: "redenção uma vírgula"


De nada adiantaram as lágrimas (dizem que sinceras) da mulher, os apelos das filhas e da própria mãe, tampouco o empenho do irmão, o e-mail do chefe, a mensagem codificada da "amiga" na rede social ou a visita do pastor. Quando - enfim! - ele saiu do quarto, em forma de vapor, deixou um bilhete curto e claro: "não foi de corona nem pela loja falida, mas porque meu tempo acabou. Tá na hora de ir, adeus".

18.4.20

Um textículo: "conciliar"

Imagem de internet. Autoria desconhecida

se eu floro
tu flor, ris
flua você.
quando nós, flor, rimos
vós florais
e que ela, e ele, flutuem.

15.4.20

Uma cronicazica: "coronada - XVII"


Dona Hélia tinha o terreiro mais antigo do lugar. Quando nasci ele já estava lá, nunca mudou de endereço. Dona Hélia realizou as festas de Cosme e Damião mais incríveis da nossa infância, com farta distribuição de doces para a gurizada, tanto que, por pura maledicência infantil, nós as chamávamos de Dona Cosma. Dona Hélia era auxiliar de enfermagem até a aposentadoria, mas tinha uma saleta no fundo do quintal que era a escolinha de reforço de português e matemática, onde lecionou até perto dos oitenta anos, sem cobrar nada. As melhores festas juninas da minha infância e adolescência era ela quem organizava.
Nunca soube se foi casada, tinha um filho que depois de adulto se converteu, virou pastor e desde então nunca mais a visitou. Se teve amores ou netos, nunca soubemos. Suas marcas mais visíveis eram as roupas impecavelmente brancas, os turbantes coloridos, os gestos pausados e a voz enfática, calma e baixa. Ah, e o sorriso tímido que era como ouro, um farol.
Dona Hélia dizem ter sido sábia conselheira, que salvou muitos casamentos e tirou dezenas de jovens do caminho torto. Também falam que ainda nos anos 70 e 80 fez muito parto na vila, curou muito moleque com suas ervas, benzimentos e banhos, ensinou noções sanitárias pra quem quis aprender e distribuiu mais cestas básicas que qualquer programa assistencial de governo.
Contam tantas histórias de dona Hélia que este texto parece ficção.
Alguns a chamavam de Nino do Castelo Ra Tim Bum, outros de árvore centenária. Com nossos umbigos encostados no balcão do bar, cada vez que a víamos arrastando o passo pela calçada, pressupúnhamos que o enterro dela seria o mais bem acompanhado do bairro. Até que ontem um bichinho parecido com uma mamona a derrubou, um nocaute. No velório, apenas Véia Zeza, a Dandinha, o Pé-Inchado, uns sete ou oito desconhecidos e eu. No papel da funerária consta que aquele baobá tombou aos 99.

14.4.20

Nanocrônica de terror: "notícias do futuro"


A música mais tocada no verão de 2043 no Brasil é "Eu Amo Odiar Você", canção licorosa  da dupla Covid&Corona, a nova sensação do movimento old-brega.

13.4.20

Nanocrônica: "quarentenada"


E aquele que a gente conhece como louco aqui na vila, com a boca espumando, gritava na calçada, "aí, vocês não estão entendendo porra nenhuma, quarentena não é quatorze".

12.4.20

Nanocrônica: "coronada - XVI"

- Esse coronavírus não me pega, sabe por quê? Porque sou evangélica, lavada e remida no sangue do Cordeiro, filha do Altíssimo e batizada no Espírito Santo de Deus, tendeu?
- Sei.
- E o senhor?
- Eu?
- É, o senhor, qual que é a sua religião?
- Bem... eu... eu gosto do budismo, sabe?
- Vixi, aquela religião paz e amor? Crendeuspai, não gosto dessas coisas não.

10.4.20

Nanocrônica: "coronada - XV"


Parei no bar do Alípio para tomar um café e comer um pão de queijo. Contei: 12 pés-inchados em volta da porta, discutindo sobre o vírus, a esmola governamental e outras questões importantes. 
Cumprimentei, pedi licença, entrei, fui servido, entrei no debate. Catorze pensadores vociferando suas inteligências e virtudes na quarentena.

9.4.20

Nanocrônica: "coronada - XIV"


A rua passa em frente à casa. O olhar da mulher à janela grita em silêncio a sua solidão. Enquanto o vírus segue seu caminho, cumpre a sanha, a sina assassina.

8.4.20

Nanocrônica: "coronada - XIII"


8 de abril. 10 e 15 da manhã. 
Terminou o primeiro culto matutino da universal aqui ao lado. As velhinhas (algumas com máscaras, outras desmascaradas) desfilam pela calçada movimentada, reclamando de netos, genros, noras, filhos e filhas. Reclamam do prefeito, do governador. Não falam de maridos, pois poucas têm.
O portal UOL informa 667 mortes no país por coronavírus até o momento.

7.4.20

Uma cronicazica: "coronada - XII"


Manhã de 7 de abril. 7:14h. Aqui, todo mundo ainda dorme o sono intranquilo dos tempos pandêmicos. Desço para ver o Bono, trocar sua água e repor a comida. Em cima da máquina, um exemplar do caderno Paladar/Divirta-se/Casa/Viagem, do Estadão. Olho a data: 13 de março, quase um mês atrás. Vou ao banheiro meditar. Levo o pequeno calhamaço comigo.
Folheio o que era o mundo antes desse apocalipse. Uma eleição das melhores cachaças nacionais, grupos e expedições que ensinam a reconhecer e colher cogumelos, uma megaexposição sobre Lennon com fotos de Bob Gruen no MIS, uma matéria com a maior piscina do mundo, de 1km de extensão, no Chile. Dicas de shows, cinema, gastronomia. Um pequeno roteiro indica como remarcar viagens por conta do coronavírus.
Tudo clean, simples, ordenado, como naturalmente são as coisas previsíveis, sem alma, sem jazz. Nada que indicasse que estávamos às vésperas do hecatombe.
Que os jornais, revistas, as notícias no futuro enfim, venham sem tanto verniz, tragam mais a sístole e diástole da vida real, menos limpa e com mais sangue. Como sempre foi, aliás, e nós insistimos em acreditar em discursos que sempre repetiam que o branco da bandeira e da pomba não estavam encardidos.

6.4.20

Uma cronicazica: "coronada - XI"


Sempre quis entender como se processa o choro na gente. Quais sentimentos promovem esse abrir a torneira interior? Em qual momento se destrava esse registro que nos inunda de dentro pra fora? O que é um choro de alegria? Como definir um choro de tristeza?

Ontem a dona Maria partiu. Fatalidade, um acidente doméstico quando tanta gente na idade dela (quase 80 anos), está sendo surrupiada da vida pela falta de clemência do coronavírus, ela, com um histórico de vários problemas de saúde, num acordo tácito dessas matemáticas inexatas e misteriosas, foi subtraída da gente por aquilo que defino como uruca. Urucubaca mesmo. E nada mais falarei sobre isso.

Quero mesmo é falar que quando soube dos fatos, meus olhos umedeceram, mas há em mim uma resistência natural, que me seca e dura o tempo todo eterno entre a apoplexia da surpresa e o pragmatismo da resolução dos problemas mais urgentes.

Sou da família pela afetividade construída nestes cinco séculos de vida, apenas por isso, nada mais. A construção de uma teia sutil de afeto e camaradagem me permite se reconhecer como filho, irmão, o agregado, enfim. E esse tecido, costurado desde a infância pela beleza do encontro de duas famílias pobres e periféricas, foi se definindo seda e chita, fino e denso, laço e nó, em anos que vieram sendimentando a recíproca de reciprocidade, amabilidade, vontade de estar juntos, pois havia cumplicidade, bem-querência, chamego desinteressado. E foi isso que d. Maria e seu Mané (ele também já descansando há tempos), legaram a filhos, filhas, netas e netos. Fruo desse fruto viscoso.

Mas agora atentemos ao fato: a vó Maria voltou ao ponto inicial. "É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte". E me coloco ali, à disposição, acompanho as formalidades exigidas pelo momento com discrição, acompanho todos os protocolos sociais que a urgência exige: me vejo cordial, assertivo, cuidadoso, protetor. Mas, tal qual barragem erguida às pressas e desassistida em sua manutenção, com seus dejetos, disfarço minhas fraquezas e vulnerabilidades. 

E fico me vigiando para que essa minha resistência não ceda em algum momento de distração e que possa ser útil, quando mais precisam de mão amiga. E foi esse estado de continência que me fez ver que meu ponto de fuga (de ruptura), meu calcanhar de Aquiles, são os rituais. 

Se você resistiu e me leu até aqui, por favor, não ria por não me entender, tampouco desista agora. Estou ainda muito emocionado e gente emocionada fala muito e em desvario. Gente assim quer ajudar e acaba falando/escrevendo pelos cotovelos. O importante é saber que falta pouco. 

E insisto: é isso mesmo que você leu e julga ter entendido: o que me surpreende e derrete as minhas reservas de sensibilidade são os rituais. São eles que me fazem chorar, que desatam os nós que retêm as águas lavadoras de minhas sensações. Detalhes que passam incólumes para quase todo mundo e a todo momento, são os que me escancaram em fraqueza humana e cedente. De repente, um acorde, uma fila performática, um composição de cores, uma sequência de gestos, ou mesmo alguém que chora com sinceridade perto de mim é o suficiente para abrir as nossas comportas e então a água há tanto represada vem, estoura barragens, vira cachoeira, lava o espírito. 

Falo assim porque foi uma marcha desordenada que saiu de dentro do recinto do velório exibindo um caixão como uma Maria que não mais existia, diluída nas memórias compungidas, e tomou o rumo do cemitério, para os ofícios do sepultamento, foi nesse instante que deu-se a purgação desse escrevivente. Nesse momento é que me dei conta, pela primeira vez, de que a ventura de amá-la não finalizava, antes estava em seu estágio inicial. Eis aí o paradoxo: no fim é que se abrem as janelas para o flerte inefável da memória, a certeza de que tudo valeu a pena, porque, afinal, nada vale a pena, daqui nada se leva, apenas a beleza das coisas acontecidas e não esquecidas. 

E foi assim que me abri - sincero - para recebê-la para sempre em minha vida, num amor que nunca professei mas que comungo desde então. Era preciso aprender com esses ritos de congregação; são eles que dão sentido ao que não sabemos expressar, que organizam o nosso caos interior. 

Por isso chorei por ela, por nós, sem disfarces. Pela primeira vez.  

5.4.20

Um textículo: "nascimorto"


a vida é breve
o amor, mais breve ainda
a cor o sabor
tudo breve, indefinido

métrica exata da vida
é a dor

4.4.20

Nanocrônica: "coronada - X 'corona vs corote'"


- Meu amigo, você assim logo cedo, sem blusa, nesse frio! Cadê sua máscara, sua luva, hein?
- Tá tranquilo, a corotinha me protege.
- Corotinha? 
- É.
- Não conheço. Mas... e álcool em gel, tá usando, né? Olha o corona, hein!
- Podexá, tô usando álcool também, o corote.
- Coro?...

3.4.20

Um textículo: "desapego"

Foto de stock de blindfolded Rolo de Dinheiro (Print de Getty Imagens)

poema cego
à venda no mercado livre
a venda no livro

da série haicaos

2.4.20

Micrônica: "coronada - IX"


Logo cedo foi comprar álcool em gel, pois estava acabando. Não tinha. Um farmacêutico sugeriu que comprasse álcool líquido e despejasse em lencinhos umedecidos. Comprou ambos. No atacado.
Mais tarde, foi buscar mais um botijão de gás, para estocar. 
À noite, este conto virou crônica.

1.4.20

Uma cronicazica: "coronada - VIII (cena na padaria)"


- Isso é besteira - e bateu a mão no balcão. - Tudo fake news. E eu vou te falar, sou do tipo São Tomé mesmo, só acredito vendo. E até agora não vi ninguém morrendo, só esse blá blá blá aí.
- E essas imagens na TV ali mesmo agora? Você não viu? Mais de 800 na Espanha só ontem...
- Mas é o que tô tentando te explicar, isso daí é fake news.
- Você acha?
- Claro. Vou falar de novo pois você acho que não entendeu nada ainda. Então prestenção aqui, ó. Olha aqui! Essas coisas que o povo conta pela TV é tudo balela, podiscrê. Nem adianta ficar me olhando assim, impressionado. É o que tô te falando...
- Mas ontem mesmo você tava dizendo que naquele grupo do WhatsApp...
- Calma lá, mermão. tá querendo comparar? Zapzap é diferente, é do povão. E aqui no andar de baixo não tem esse negócio não, aqui o papo é reto. Agora olha pra mim, olha pra mim aqui e fala, você conhece alguém que morreu com esse trem aí, esse tal de coronavírus?
- Ah, tem o meu primo que me contou que tem um amigo dele lá da zona leste...
- Seu primo contou? Mas você viu? Presenciou?
- Não.
- Então, se você não viu, não comprovou, então é fake news.
- Mas ele me mandou um áudio pelo zap.
- Áudio? Quem acredita em áudio?
- Mas você mesmo acabou de falar que pelo WhatsApp...
- Meu Deus, eu desisto! - E deu uma nova palmada no balcão. - Você é duro de interpretação, cara! A gente explica, explica, e nada! Parece esses esquerdistas que tem por aí.