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22.4.12

Dailor Varela - Foi-se um Artista Irretocável

Numa manhã de 15 de abril, em que tantos aniversariavam, e outros nasciam nesse mundão afora, o poeta Dailor Varela disse tchau. E foi... Era domingo de sol morno aqui na Sampalândia, típico de outono, quando esse mais novo fofoqueiro moderno, o Facebook, aprontou-me essa. Difícil acreditar em faladores soltos  por aí, mas, como na maioria das vezes, a fofoca procedia: o Dailor se fora.
Rimbaud diante de Dailor (pronuncia-se "Dailôr"): rima imprevisível (foto de EF em 2010)
Como bem disse sua filha, a também poeta Máh Luporini, ele não iria gostar de ficar aí, com partes do corpo paralisadas, dando trabalho a quem quer que seja. Dailor, que também era jornalista e pensador "marginal" e genial, que sempre foi independente e contundente ao extremo, realmente não iria gostar de ser fisiologicamente cuidado / paparicado, dependendo que alguém abrisse um livro pra ele, que o colocasse na rede pra balangar, ou então que ligasse o aparelho de dvd para rodar um Antonioni (ou Kubrick, ou Scorsese, ou Tarantino), para que ele pudesse assistir.
Nascido em Goiás, mas vivendo em Natal (RN), desde os três anos, o poeta nunca foi um aluno dedicado, como ele sempre reconheceu. Antes, envolveu-se profundamente com aqueles que estavam propondo uma nova leitura do mundo e das coisas, naqueles conturbados anos 60. Vanguardistas, anárquicos, fleumáticos e inteligentes, os jovens potiguares (Dailor Varela entre eles) queriam também contribuir com os novos ventos que sopravam. Para isso, também indicaram caminhos, entre os quais o mais marcante foi a retomada do concretismo. Mas, como bebiam na fonte de Câmara Cascudo, Gilberto Freyre, Tropicalismo, Cinema Novo, Nouvelle Vague, Neo-Realismo Italiano, Jovem Guarda, tudo isso tomou forma de uma forma muito inusitada e imprevisível: lançaram o Poema/Processo.
O Poema/Processo (cujas bases ideológicas e estéticas foram lançadas quase que simultaneamente no Rio de Janeiro e em Natal), propunha um apropriação da comunicação de massas, um aprofundamento da relação  entre forma & conteúdo concretista e uma radicalização no sentido de tirar o signo linguístico da escrita, levando-o a relacionar-se com outras artes, principalmente a pictórica.
Signo, poema/processo visceral  (e mais conhecido) de DV, de 1967 (reprodução)
Poema/Processo: sinergia entre signos e imagens
Alguns dos nomes surgidos nesse período iriam sendimentar-se nas artes e na cultura brasileira. Cito, de memória, Moaci Cyrne, Falves da Silva, Sanderson Negreiros, Marcos Silva e Nei Leandro de Castro, entre outros. Todos muito provocadores, todos muito sagazes, todos muito inspirados.
Passados os primeiros instantes da movimentação em terras potiguares, o Poema/Processo enfrentou um natural refluxo da maré. Na metade da década de 1970, encontramos então Dailor trabalhando em Sampa.   depois de peregrinar pelas redações da Veja, Folha de São Paulo e Diário do Grande ABC, baixou num rasante em São José dos Campos, onde trabalhou no jornal O Vale, entre outros.
Há vinte anos pousou em Monteiro Lobato, cidade bucólica na Serra da Mantiqueira. Incrustada entre São José dos Campos e São Francisco Xavier, e próxima a Campos do Jordão, o pequeno vale verde respira Sítio do Picapau Amarelo no cotidiano. Foi ali, em parolagens com velhos, artesãos, bebedores inveterados e uma fortuna de gente sem pressa desnecessária, que Dailor ouvia histórias que ajudaram a nortear novos horizontes literários. Depois do poeta vanguardista e do jornalista, nascia o cronista.
Vista da janela de seu quarto, em Monteiro Lobato (foto EF)
Também missivista compulsório, que escrevia cartas diariamente para diversos amigos nos mais recônditos recantos do país, Dailor interessou-se também pelas colagens e instalações. Curiosamente, foi adotando a partir daí a prática da poesia escrita, deixando um pouco de lado as pesquisas pictóricas do Poema/Processo. Porém nunca abandonou a old school. Apenas encontrou na fórmula anterior algumas possibilidades que passou a explorar também.
A morte é gráfica
Nos sinais repetidos
Que piam como ave
De agouro
Em 2006, em parceria com Máh, criou o tabloide cultural O Grito. Abrindo espaço para novos e velhos praticantes das artes revolucionárias, preocupado em quebrar as mesmices provincianas que (ainda) dominam a vida literária e artística de São José dos Campos e região, o jornal logo tornou-se um oásis onde as inteligências até hoje vão buscar textos que valham a pena serem lidos, pensados, dialogados, questionados e compartilhados.
Instalação de Dailor Varela (foto EF)
Colagem de Dailor Varela (foto EF)
O inquieto artista também incursionou por outras veredas. Na década de 1960,  participou da campanha de alfabetização de Paulo Freire. Também trabalhou nas pesquisas de campo para algumas obras de Luís da Câmara Cascudo. Teve poemas seus musicados por diversos compositores, entre os quais Mirabô e Quinteto Violado. Alguns poemas/processo estão publicados em revistas no exterior e em diversos sítios virtuais. 
Dailor Varela é um dos citados no livro Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do Século de José Nêumanne  Pinto. Tem 13 obras publicadas e duas no prelo (PULS.O.S., poemas; e outro de ficção, cujo provável título seria Acossado).
A rede e as cartas: duas das paixões do poeta (foto EF)
Coletivo Bola de Meia faz sarau no velório do poeta em Monteiro Lobato (foto EF)
Na despedida do poeta, a sua poesia (foto EF)
O prefeito Gabriel V. Moreira, despedindo-se do poeta (foto EF)
Velório e enterro
Assim que se divulgou a nota oficial de que o poeta tinha falecido, formou-se um grande burburinho via Facebook. Seu velório, que aconteceu primeiro em São José dos Campos, na tarde e noite de domingo (15), teve uma homenagem inusual prestada pelos amigos do grupo Bola de Meia, de interações poéticas. O coletivo realizou um happenning bem ao gosto do poeta, lendo alguns de seus poemas ao lado do caixão, emocionando a todos, entre os quais familiares, amigos e admiradores de sua obra. 
Estiveram em seu velório, entre outras pessoas, Dyrce Araujo, poeta, revisora e mãe de seu filho Caio Varela - que também acompanhou a cerimônia pelo pai; a vereadora Dulce Rita; Fernando Selmer, poeta; Zenilda Lua, poeta; Jacqueline Baumgratz, poeta; Déo Lopes, cantor, compositor e  artesão; Eliciane Alves, jornalista; Beth de Souza, poeta e editora do sítio virtual Entrementes (http://entrementes.com.br/); Cesar Pope e Ana Prado, entre outros.
Na manhã de segunda-feira, o corpo de Dailor Varela foi transferido para Monteiro Lobato, onde recebeu novamente as honras do Bola de Meia. Sob o olhar agudo e dolorido do prefeito local, Gabriel Vargas Moreira, e outros moradores que acorreram ao local, seus poemas foram novamente lidos durante o curto velório. Após isso, Dailor Varela foi sepultado na cidade que o acolheu e que ele namorou tão profundamente, divulgando-a constantemente em suas cartas, crônicas e poesias. 



As manifestações da saudade (fotos EF)

15.4.12

Pequena crônica sobre Costa Senna, um multiartista

N´alegria do lançamento de O Lobisomem da Av. São João, de Costa Senna, notei a falta de algumas figuras imprescindíveis: o dr. Leo, que aprendi a amar, amar incondicionalmente, pelo seu engenho em favor da arte e da vida; o Jaime Fran, dono de sorriso tímido e elegante, de quem tenho muita saudade, já que sempre foi  bom papo, figurinha carimbada nos shows do Senna; e a Raquel - musa desde sempre - que, presa das circunstâncias, teve que plantonear no hospital nessa linda noite de sábado, enquanto eu pavoneava na Ação Educativa, Vila Buarque, área central da Sampalândia que tanto amo. Mas a festa dos autógrafos foi, apesar dessas ausências, muito bonita, com artistas populares a granel, música de qualidade a rodo, poesia de tonelada e ideias inteligentes no atacado.
 Cheguei com o evento já andando. Parte do projeto Bodega do Brasil, a festa foi apresentada pelo cantor e compositor Cacá Lopes. Andando pelo recinto, fui reencontrando velhos parceiros, conhecendo gente nova, reconhecendo rostos de outras redes e telas, abraçando e saudando novos e antigos amigos. Sei que vou cometer equívocos, mas lembro nessas linhas apenas alguns nomes: os jornalistas Gilberto Lobato Vasconcelos e Carlos Moura; Meramolim, cantor, compositor e educador; e Marco Haurélio, pesquisador dos mais proeminentes em literatura popular. Bastante gente eu esqueci o nome porque conversamos muito, com muita gente, em pouco tempo. Outros, porque gravei apenas os nomes iniciais e fica deselegante citar pela metade, né? Conversa amena, temperada com vinho, uísque e amendoins diversos, de crocante a japonês. Precisava mais? Confessemos, assim fica mesmo difícil lembrar, certo? Nos próximos encontros (espero que haja muitos), a gente troca novos cartões de visita, os telefones anotados em guardanapos...
 A festa foi demais bonita. "O Lobisomem..." vai ganhar vida por si, sem que eu precise delongar aqui sobre a bela fábula de horror e redenção, fantasia e surrealismo, cartografia e transcendentalismo. Ele vai alçar voo próprio pois é carregado de inteligência, artesanato, ineditismo e intencionalidade, preceitos próprios para qualquer obra que se queira "de arte". Se Costa Senna traz um pouco de Jano, o herói de sua empreitada fantástica (vemos no personagem muito do poeta, do cordelista, do cidadão - do artista in natura, enfim),  também Tismério, o lobisomem; ou Musahumana (isso mesmo, o próprio nome a explica); têm largos lastros do autor. Representam um ideal de vida incondicional, do qual não podemos prescindir. Em Senna, o Poeta, que aprendemos a amar sempre que dialogamos com ele, ou quando o ouvimos empunhar o microfone, temos um artista múltiplo, amplo, virtuoso, que se/nos apresenta a todo momento, em qualquer lugar. Não por acaso, o cara é, além de poeta, cordelista, cantor, compositor e agora romancista, também ator.
 Por isso mesmo, confesso minha alegria pelas coisas maravilhosas que vi, senti e vivi essa noite, e que seguirão em minha lembrança sabe-se lá até quando. A julgar pelo agora, provavelmente irão esconder-se por boas eternidades aqui dentro, entre o lado esquerdo do tórax e o alto da montanha onde os cabelos estão plantados.
Ah, sobre o livro não falo, ou falo pouco. Como fiz a apresentação,  qualquer lauda que escreva vai parecer legislação em causa própria. Então, suspenso entre duas vontades, a de ser discreto e a de divulgar uma obra que entendo ser muito boa, me esquivo e comento apenas que quem embarcar nessa viagem, não vai voltar igual após o ponto final.
E ponto. Final.

8.4.12

Bentevi, Itaim - Foi dada a largada...

“Ação entre amigos” para arrecadar fundos que alimentem o lançamento de um livro e um cd com poemas de Akira Yamasaki, o projeto Bentevi, Itaim deu largada na Casa de Farinha neste sábado, 7 de abril.
Os convidados dessa primeira noite foram Sacha Arcanjo, Jocélio Amaro, G.R.A.Ve e Escobar Franelas. Akira fez as honras iniciais, dando boas-vindas ao público. Cedeu a seguir seu microfone no palco do mais novo espaço cultural de São Miguel para que Escobar lesse alguns poemas.
Em seguida quem subiu foi o G.R.A.Ve. Com repertório baseado no disco Fuga Para o Nordeste, lançado recentemente, Luisinho, Tarcísio, Nando Z e Marrom chamaram Sacha para fazer uma participação especial logo “de prima”, depois desfilaram seus hits. Com uma sonoridade que remete tanto ao rock rural brazuca como também a uma rica polifonia rítmica, chamam a atenção pelo revezamento constante de instrumentos entre eles, e também ao microfone. O grupo gera um som heterogêneo, híbrido de várias possibilidades estéticas e musicais.
Jocélio sucedeu os graves, usando sua profusão peculiar: muita música doce, temperada com pequenas gotas de licor social. Completam a iguaria do trovador sua competência musical, seu carisma e seus indefectíveis “causos”, filão que o menestrel paraibano explora com qualidade.
Sacha, que fechou essa primeira noite do Bentevi, Itaim, é do panteão dos artistas que vêm renovando a cena musical em São Miguel e região desde a década de 1970. Dono de poesia e musicalidade incandescentes e uma personalidade profunda e devotada, adjetivar o Sacha não dá a dimensão real de sua importância na arte, cultura e atividade social da região. O baiano de São Gabriel, que também é atual coordenador da Oficina Cultural Luiz Gonzaga, no bairro, traduz com seu violão tranquilo e voz pausada e exata, a melhor síntese entre a arte elaborada e o pensamento inteligente. O Arcanjo de S. Miguel abriu seu set-list evocando o sempre presente Raberuan, com música Chão Americano, composição dos dois. Depois chamou os graves de volta ao palco, para com ele temperarem brasileiramente o evento. Foi uma festa só, com polirritmia nordestina adornando os belos versos de suas diversas canções.
O dr. Xavier, proprietário do espaço, junto com Silvio Kono (um dos mentores do projeto) e Akira, não disfarçavam a alegria. A parceria entre a Casa de Farinha e os organizadores do projeto Bentevi, Itaim, ao que tudo indica, será profícua, estreitará laços e, desde já, cria um novo parâmetro para a arte gestada no bairro. Desde já, ficamos sabendo que São Miguel tem um novo espaço cultural, com as mesmas qualidades de seus músicos e cantores.

Casa de Farinha. Rua Sta. Rosa de Lima, 1341. Altura da av. Mal. Tito, 1832.

Próximos encontros:
05 de maio: Luiz Casé, Cléston Teixeira e Cláudio Gomes.
19 de maio: Sílvio Araújo e Osnofa (Zé Afonso).
16 de junho: Edvaldo Santana e Gildo Passos (lançando novo cd).
14 de julho: Ronaldo Ferro, Gilberto Braz e Caio Vandré & Sheilinha Procópio.
28 de julho: Zulu de Arrebata e Fábio Lima.
11 de agosto: Ceciro Cordeiro, Adilson Aragão e Marcel Acauam.
18 de agosto: Akira Yamasaki (lançando livro), Sílvio Araújo, Osnofa (Zé Afonso), Vinícius Casé e Ravi Landim.

Akira - foto de Sueli Kimura


Gildo Passos no bucólico jardim que serpenteia o Casa de Farinha - foto de Akira Yamasaki / Sueli Kimura


Jocélio, cantador - foto de Akira Yamasaki / Sueli Kimura


Akira, Sacha, Luisinho, Marrom e Nando, tudo junto & misturado - foto de Sueli Kimura