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29.6.19

Um textículo: "mensagem à poesia"


Eu juro, Julia 
Que essa rua
Que já foi minha
Ela vai ser sua.
Eu juro!
Eu quero, Julia
Que essa rua
Dos meus brinquedos
Dos meus segredos
Essa rua, Julia
Seja toda sua.
Eu sonho, Julia
Com essa rua
Todo mês de junho
Todo mês de julho
Todo natal, todo carnaval
Pois essa rua, Julia
Da minha infância
De minhas lembranças
Essa rua, Julia
Que ainda é minha
Também é sua

28.6.19

Um textículo: "retrovisor"


observo os carros as pessoas
postes casas estradas
nuvens gestos esgares
a velocidade a curva
os pensamentos

observo

as janelas de olhar agora
veem tudo aqui dentro
os ninhos os nichos meus lixos
o exílio do fluxo sanguíneo à procura de abrigo

observo

vejo a ressaca do mar
as ondas em marcha-à-ré
contrataque passe toque 
o gol de calcanhar
os contornos de toda fé

observo 

o que os olhos veem lá fora
será vento ou eu que invento?

27.6.19

Resenha - livro "Dente-de-Leão - A sustentável leveza de ser" (Sacolinha) crônicas




Dente-de-Leão – A sustentável leveza de ser (Sacolinha)

A idade adulta me trouxe a dor de cotovelo
As crianças são o meu alvo
Morro de inveja delas
(Sacolinha, em Inveja)

Se a fonte da crônica é o olhar sagaz, o ouvido atento e sensibilidade às cenas corriqueiras do dia-a-dia, tudo isso temperado pelo filtro de uma descrição subjetiva, “Dente-de-leão – a sustentável leveza de ser” assume (e amplia) essa condição. Sacolinha, o autor da obra, reverbera um entusiasmo incomum ao legar à provável perenidade de fatos cotidianos, uma cadeia de valores os tornam permanentes através de seus textos. Solar, desprendido e empático, o escritor penetra pela primeira vez no território das crônicas, pede licença mas não se intimida; antes, dá sentido à vida e à literatura enquanto expressões complementares uma à outra, combina com acerto os caminhos sempre sinuosos da cidadania e da arte.
O autor dessa leveza sustentável assemelha-se aos heróicos cavaleiros solitários que (re)conhecemos dos contos e histórias imemoriais. Arguto, brinca nessa seara mas nos oferta textos fluidos e que exemplificam o completo domínio do campo onde atua, seja o artístico ou o humano. Pela primeira vez pisando no terreno largo de um gênero tão peculiar na literatura – no caso, a crônica – o autor não nos assusta com este Dente-de-Leão. Comm rigor e metodologia própria, empreende seus passos pelas trilhas por onde já transitaram Machado de Assis, Rubem braga, João do Rio, Clarice Lispector, Rachel de Queiroz, Cecília Meireles, Paulo Mendes Campos e Luís Fernando Veríssimo, entre tantos nomes estelares. Como pode-se notar, uma vasta vereda aberta por mestres.
Já no prefácio do livro, Michel Yakini surpreende pela entusiástica definição de que esta obra “é um livro de intuições”. Bingo! Realmente Dente-de-Leão trata disso, de um escritor que se vê imbuído de uma missão maior. Sacolinha, mais que praticar literatura e sustentabilidade, vive isso, diária e intensamente. A sua escrita é a de um agricultor semeando letras, de um escultor de frutos comestíveis pela alma e o corpo. E nós colhemos sempre com fartura.
Já na primeira crônica, “Desembalar Menos, Descascar Mais”, ele mostra a que veio, falando de si sem a pretensão de ser modelo, porém sugerindo caminhos possíveis para quem quer de fato construir um amanhã melhor. “Falo de horta como um cultivo da vida, como um ato político” (p. 22). Fala da comida que sustenta o corpo, mas a metáfora vale como alimento para a alma. Em ambas as situações, sustentáveis, sem nada que seja tóxico.
O segundo texto, “Em terra de cego quem tem um olho é rei”, a interpretação através de juízos coloca o autor em uma linha tênue, que a todo momento pode escorregar para a autoajuda, ou o pior dos males a quem se propõe a escrever: a complacência. “A virtualidade é uma ilusão. A virtualidade é uma caverna (p. 28)”, proclama ele. Mas o talento de quem sabe domar a palavra não permite que o entusiasmo vire uma pregação piegas, antes retira-o do lugar comum e faz com que o texto ganhe a potência das vozes que têm algo a dizer. E questiona: “Onde estão os olhos de ver?” Pela sua experiência, Sacolinha sabe falar o que tem que ser dito.
Assim, o livro caminho, flexível, rico, denso, fluido. Em “O quarto escuro”, o autor recorre a Saramago para contextualizar o mito do caverna platônico no século 21. Complexo, mas plenamente inteligível. Mais à frente, em “A gente não devia ser assim”, lembra um Benjamim Button messiânico. Já em “Chávena de chá ou 30 mastigadas antes de engolir”, o autor faz uma reverência ao filme “A Livraria”, de Isabel Coixet, ao comentar uma cena curta, mas arrebatadora do filme.
Assim Sacolinha nos entrega 15 textos “comestíveis” que ressignificam a crônica enquanto prática literária, ao mesmo tempo que abrem perspectivas de práticas facilmente aplicáveis à vida, para torná-la mais  – por que não?! – prazerosa. Pois a literatura enquanto engenho da arte só faz sentido se soprar em nós como ar que nos dê a leveza da vida, como o título em questão. Afinal, como cantam os Titãs, “A gente não quer só comida / A gente quer comida / Diversão e arte” (Arnaldo Antunes, Marcelo Frommer e Sérgio Brito)

Foto Sacolinha

Serviço
Livro: Dente-de-Leão – A sustentável leveza de ser
Autor: Sacolinha
Gênero: Crônicas
Edição: Vasto Mundo (2019, 1ª edição, SP)
Fotos: Elidiane Alexandrino, Sacolinha e Alanda Alves
Ilustrações digitais: Flávio Martins
Prints de imagens: Sacolinha
Imagens: freeplk.com
texto Escobar Franelas

Foto Elidiane Alexandrino

Foto Elidiane Alexandrino




24.6.19

Um textículo: "mensagem à poesia - II"


Quem será?
Onde estará Tania?
Quem sou eu?
Onde estou, dentro de sua imaginação curiosa?

Eis você! Mulher? Moça? Menina?
- querendo saber apenas o que o Wally diz.
Ele sabe pouco
Ele sabe tudo

E o que sabemos, de verdade,
é nossa diversidade:
apenas o que os olhos veem.
Apenas o que a mente cria.

23.6.19

Um textículo: "poema possível"


Por que não?
Por que não uma poesia agora?
Por que não?
Por que não esse lado inverso como experimento sensorial?
Como justificar esse sonho de sal?
Como ser o sal da terra sendo doce?
Por que certas alegrias às vezes parecem tristes
numa manhã qualquer de domingo?
Algumas convergências parecem paralelas.
Por quê?
Alguns amores são bem tristes também.
Alguém saberia dizer?

Por quê?
Por que não uma poesia agora?
Por que não poesia a toda hora?

21.6.19

Um textículo: "amém amor"


assim sim
hoje isso é mais que ontem
e o reflexo convence que 
menos que amanhã

e que seja assim
e que seja um sim
sim sim sim sim

o amém mora aqui
nessa certeza irrefutável
que é assim pois assim é
para você sim
sim sim sim sim

17.6.19

Um textículo: "as 1001 noites poéticas"


Houve um céu cor de cobre
e fagulhas de ouro incendiavam o mar
nele havia nuvens céleres
cristais de luz rasgavam a pele do dia

Houve uma certa cor de chumbo
nuvens vigilantes vergavam seus corpos
contra a terra seca
o eco do vento mimava meus ouvidos hibernados

Teve mais: uma certa cor - 
entre o ouro e a prata
cor de alma comovida
cor de fonte saciada
de alma enamorada
de corpo extasiado - 
ilustrava as horas todas

essa cor esmaecida
entre o dia de todo ido
e a noite não chegada
irradiada na nostalgia
essa cor esmaltada
pousou nos galhos da memória
e contou tantas histórias

que adormeceu gente
acordou criança 

16.6.19

Um textículo: "do amor"


bater de asas
pra ir embora

que vão, revoam
voltam pra dentro


entrar na pele
como pelo

ar que inspira
viver nos batimentos


15.6.19

Um textículo: "a educação, num certo sentido"


poema que seja um escândalo de tão simples
poema que perambula, dos banheiros às castas ministeriais
poema que se recite, poema intransigente
poema que incite, poema não-poema
indiferente, indigente, indigesto
poema caolho, de óculos, de um olho só
poema evasivo, cheio (de vazios)
poema de luz natural
de parto natural
poema portal de cidade, poema cartão-postal
poema irradiado, poema dito no rádio
poema cívico, ou cínico, ou de veleidades
de falsa realidade, de real felicidade
poema fake, folk, piano-blues
de humor negro, bossa nova, fusion, punk
de dançar a dois
de se ler a um, ou à multidão
descritivo, de ilustração, odisséia,
neruda, lusíadas, decamerão,
poema drummond, edipiano, poe, de inspiração
haicai, tragédia, cecília, borges, de motivação
do coração
no cemitério, na favela, na mansão
poema físico, virtual, de imagens
poeminha, poemeto, poemão
traduzido, coloquial, desconhecido
banal, fast food, bacanal, imerecido

de quantos versos precisos
precisa um poema?

14.6.19

Um textículo: "itinerante"

toda viagem é um caminho de fora pra dentro

se você não tiver a sensação de paisagem
não é viagem

toda viagem é a prática de alguma saudade

se você não tiver a sensação de passagem
não é viagem

viagem é um rascunho sendo
passado a limpo

13.6.19

Um textículo: "o verso do amor"


por trás do amor
dizem
há todo esse doze de junho
toda paz 
ciência

atrás do amor
amorte

detrás de todo amor
o verso

é o que dizem

12.6.19

Um textículo: "demais pra mim"


Por favor, entenda, eu tô bem longe
e tão perto
tanto de funk quanto de gospel
tanto de crack quanto de incenso
tanto de pinga quanto de coca
tanto de pedra quanto de pedro
tanto de homem quanto de animal
tanto de homem quanto de mulher
tanto de homo quanto de hétero
tanto de carne quanto de espírito
tanto de ontem quanto de amanhã
tanto de louco quanto de são
tanto de fortes quanto de fracos
tanto de burros quanto de espertos
tanto de cigarras quanto de formigas
tanto de princesas quanto de escravas
tanto de certo quanto de errado
tanto de preto quanto de branco
tanto de preto quanto de cor
tanto de deus quanto do diabo
tanto de deus quanto de alá

a
e
o
me interessam

mais nada

11.6.19

Um textículo: "tabulação : exegese"


os beatles já foram mais famosos que jesus
pelé parece ser mais famoso que jesus, ainda
cristo é 6% mais famoso que maomé

da série haicaos

10.6.19

Um textículo: "a história inversa"


um dia tive um sonho assim:
a história começava pelo fim.
a poesia, elaborada criação
estava estampada no colete do soldado
era lida em cima do coração
por todo mundo, na mente guardada.

lá no teto, sob o arranha-céu
um belo bosque estava sendo bem regado.
Tinha planta, flor, besouro e mel,
bastante água, na chuva era tratada.

tinha mais, até inteligência na tv
menos gente de busão lotado.
E outros tantos, que não trocaram sua fé
por prestações de igrejas loteadas.

há muito que não tinha um sonho assim,
sem deitar, dormir, virar de lado:
que essa história começasse pelo fim.
de tão bonita, parece mal contada.

Um textículo: "cartografia de tempos durantes"


entre o século vinte e o seguinte, surgiram muitas subespécies, a saber:
subchatos, neochatos, maxichatos, prêt-à-chatos, narcochatos, nanochatos, antichatos, vicechatos, sobrechatos, indie-chatos, jump-chatos, free-chatos, media-chatos, live-chatos, up-chatos, chatos-generation.

ia citar também os down-chatos, mas aí é redundância.

8.6.19

Um textículo: "contemplação"


o meu olhar fica aqui
amando seus olhos
sem saber onde pousar

o meu amar fica 
assim-assim, todo sem jeito
olhando o  seu olhar

seus olhos e meu amor
seu olhar e meu amar
nada falam tudo dizem
nessa quietude suspeita:
anseio suspenso de enamorados

7.6.19

Um textículo: "adeus de inverno"


os galhos das árvores
celebram o sol
abraçam a chuva e
afagam a pele do ar
contra a força
da gravidade

os galhos das árvores
dão um tchau triste
e suas folhas caídas
são as lágrimas caídas
da saudade

os galhos das árvores
são braços de adeuses

6.6.19

Resenha - livro "manual para ler as estrelas" (Daniel Carvalho)


Não procureis qualquer nexo naquilo
Que os poetas pronunciam acordados
(Jorge de Lima)

A poesia só faz sentido se ultrapassar o próprio sentido dado a ela pelas convenções didáticas e sociais. Escrever poesia exige certo estado de atenção; ler, mais ainda; compreender, muito mais. Leitura, escritura e compreensão são processos delicados, profundos, versáteis e intercambiáveis de transcodificação das imagens mentais em signos verbalizados, depois lidos e ouvidos, e então modulados e traduzidos pelo filtro sensível e formativo de quem está fruindo o poema. A essa complexa estrutura dou o nome de sublimação.
A matéria que traduz o estado de sublimação do ser-poeta muitas vezes refere-se à potência epifânica que acontece no exato momento em que o intelecto, de maneira pouco cerimoniosa, indica ter entendido os elementos que a priori estavam no entorno da construção poética. É o gran finale, o momento em que a poesia sai do estado mental para corporificar-se, seja no papel ou na tela de um computador, ou nos acordes uma música. Paralelamente, para quem está lendo ou ouvindo (lembremo-nos que quem lê/ouve também cria imagens do que está diante de si, para si e em si), essa epifania se dá no momento em que este ser-leitor, também de forma intelectualizada, decodifica aquilo que os versos queriam dizer. Sabemos que isso pode ser uma armadilha falaciosa dos nossos sentidos, pois o entendimento de agora não será o mesmo a segunda leitura ou audição, tampouco as emoções se repetem. Ainda assim, é uma possibilidade. Independente dessas condições, a poesia reproduz em nós uma embriaguez sempre inédita e não alienadora.
Esta introdução fez-se necessária para situar manual para ler as estrelas, pequeno livro do poeta Daniel Carvalho, ilustrado de maneira muito sagaz por Rodrigo Mota. Situar aqui indica encontrar ressonância no tempo-espaço para os versos de um poeta jovem ainda mas gabaritado e sensível. Sobretudo sensível. E este recorte – “pequeno” – não dá conta da enormidade constitutiva de um libreto que, paradoxalmente, é gigante. Ei-lo:


Quando pela primeira vez vi uma estrela
cadente
entendi que existe beleza na dor da
efemeridade (poema VII)

A representação das sensações, contudo, não é apenas a sublimação de um eu-lírico exultante diante do Todo, mas também diz respeito a um estado anunciatório. E os versos enxutos do poeta não declinam dessa vocação.

Há universos que se expandem para dentro (poema IV)

Falar de Carvalho e seu manual seria fácil a partir de analogias com o mundo materializado das estrelas e seus efeitos alucinatórios na alma de qualquer contemplante. Uma leitura mais incisiva, porém, indica que a poesia deste autor abstrai-se e vai mais longe do que uma reduzida analogia com astros. O que o poeta faz é um estudo elaborado das sensações que o vazio emana durante a viagem. Que viagem? Qualquer viagem, aquela que você decidir. Uma viagem em que qualquer verso pode ser o ponto de parada. Ou de reinício.
É em trânsito, entre as projeções do vir-a-ser, que depositamos as expectativas das realizações surgidas no encantamento que as explorações proporcionam. O contrassenso é que são nessas viagens que nos exilamos do passado e do futuro, restando-nos a beleza do presente que renasce a cada instante. Isso o poeta nos diz:

É preciso entender que há galáxias
Habitáveis apenas com os olhos (poema IX)

A combinação gnóstica que se dá na intermediação entre o poeta e suas visões cosmogônicas permitem um voo elaborado em torno do universo do sonho. Aliás, acredito que arrisquei todas essas linhas para compreender que o manual para ler as estrelas é como uma catraia, pequena embarcação para uma só pessoa. E não é uma ode à solidão. Mas à solidariedade.

Serviço
Livro: Manual para ler as estrelas
Autor: Daniel Carvalho
Gênero: Poesia
Ano: 2018 (1ª edição), SP
Ilustrações: Rodrigo Motta

texto Escobar Franelas
foto Jovino Carvalho

5.6.19

4.6.19

Um textículo: "tertúlia"


demônios abandonaram hades e estão reunidos na terra,  num lugar chamado brasil, onde, reza a lenda, estão escrevendo um novo poema, a várias mãos.
chamar-se-á constituição.

3.6.19

Um textículo: "poema nada sagrado"


não bastava a ele
ser poeta profundo
do mundo
do nada

não bastava a ela
ser profeta 
de tudo
inundada

o que lhes bastava?
ser deus?
mais nada?

2.6.19

Um textículo: "vida breve"


de vida medida
arremetida na via:
de dia, medita

na vida do ente
dúvida, dívida
dádiva, demente

os dois, em zoom
juntos são um
só corpo: ad infinitum

nada sei, não sabemos
do ser, de sermos:
ermos irmãos