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28.12.25

Micrônicas - "Livros lidos em 2025"

Nesses quase 60 anos de vida, um dado que nunca contabilizei foi contar quantos livros li num determinado período ou ano, exercício que me parece hedonista e contraditório, pois o quantitativo sempre rivaliza com o qualitativo. Ao mesmo tempo,  lembro de um ano (2014 ou 15), que li A Montanha Mágica, de Thomas Mann, e a biografia do Freud, de Peter Gay, duas obras bem parrudas, portanto, demoradas de dar cabo, que me tomaram quase todos os 365 dias daquele período.
Da última vez que me impus à releitura completa da Bíblia (acho que em 2011), atravessei um ano inteiro e mais alguns meses nessa empreitada. Isso, naturalmente, diminuiu outras leituras, a menos que consideremos que a "sagrada escritura" seja interpretada com seus 66 livros independentes um do outro e então poderei dizer que, numericamente, foi a época que li mais livros. Minto: a primeira leitura bíblica completa foi por volta dos 16 anos e bem mais rápida (sei disso pois estava fazendo um curso de teologia por correspondência - que hoje corresponderia a EAD - e toda a leitura e bem menos de um ano, talvez uns 8 meses).  Aqui cabe um complemento, creio: minha base de leitura sempre foi a Bíblia protestante (acabei de pensar que talvez seja bacana colocar como meta fazer uma leitura da católica como comparativa. Quem sabe?).
Por último, nos anos em que estou preparando um livro novo, naturalmente tenho a minha atenção concentrada nessa tarefa, o que implica menos leituras de outros textos.
Bem, sem mais elucubrações, vamos aos fatos. No fim de 2024, porém, depois de ouvir vários amigos comentando sobre essa prática (quase) olímpica, decidi anotar o que estava lendo ou iniciando a leitura. O que não contava, contudo, era que logo em janeiro viria o diagnóstico de câncer, as três internações em sequência e suas cirurgias e as mudanças drásticas de rotina em decorrência do ineditismo da situação. Mesmo assim segui anotando cada livro finalizado até agora e - surpresa! - descobri que li menos livros do que tinha projetado, apesar dos períodos de internação que supostamente me levaram a ler mais. Talvez o motivo disso seja que nos períodos de recuperação em casa tenha me dedicada a assistir mais filmes e maratonar séries nas plataformas, o que implicou menos tempo de leitura. Verdade seja admitida e dita aqui, passei por longos hiatos, principalmente nos primeiros dias pós-cirúrgicos, sem nenhuma vontade de ler. Lembro que nesses dias o pouco de fruição vinha da música, basicamente jazz, Wagner e música brasileira. O restante do tempo era de muitas elucubrações e poemas "escritos" com o pensamento. Nem preciso dizer que tudo isso se perdeu como fumaça, né?
Bem, vamos à lista. Na virada do ano estava lendo O Vermelho e o Negro (Sthendal) e Tchevengur (Platonov). Finalizei ambos em janeiro ainda. Depois vieram Poemas (Mao Tse-Tung), Morangos Mofados (Caio Fernando Abreu), Fim (Fernanda Torres, numa feliz coincidência com o empréstimo  de uma prima minha e o período em que ela já estava concorrendo ao Oscar que, de fato, ganhou), Meu Sonho É Escrever (Carolina Maria de Jesus), O Enterro do Lobo Branco e A Casa das Aranhas (ambos de Márcia Barbieri), Testamento de João Rims (Alba Atróz), As Portas da Percepção (Aldous Huxley), A Paixão Segundo GH (Clarice Lispector), A Sibila (Agustina Bessa-Luís), O Livro da Literatura (James Canton, org.), Os Pássaros Agora Estão Dormindo (Celso de Alencar),  Oré - Antologia Poética, Dança das Samambaias e O Corpo Sabe Que É Terça, Mas Se Distrai (ambos de Girlene Verly) e Oração Para Desaparecer (Socorro Acioly). Estou iniciando hoje as leituras de Jardim Quitaúna (Rodrigo Carneiro) e Relato da Vida de Frederick Douglass (do mesmo).
Fica este registro e, por ora, apenas a certeza de que é pouco provável que eu faça outra dessa no futuro. Listinhas têm lá o seu apelo, mas... bem, fiquemos nesse "mas" para não parecer mais pedante do que de fato assumidamente sou, ou ao menos pareça, mesmo que lute encarniçadamente contra.

 


 

27.12.25

haiquase 157

 sol destampado no céu
recomendação: vários banhos ao dia
chuveiro praia cachoeira piscina língua

 


 

25.12.25

9.12.25

Um textículo: "edifício escrever"

 fico observando o poeta
na portaria do prédio.
a flor cai sobre a lança.
ele a observa, e súbito
dá um salto na guarita, afasta a cadeira
pega a caneta e rasga-se todo
a rascunhar versos que não vêm.
o poema, lá fora, rasgou-se em dois
na lágrima fria da chuva fina.
repousa no bueiro e no canto do calçamento.
fragmentou-se, não existe mais.
nunca existiu
.

 


 

8.12.25

haiquase 154

 poesia é flor
que brota tudo na gente
o verso, a semente

 

Mosaico em pastilha vidrificada, Tomie Ohtake, IEB_USP, 1994)

 

1.12.25

Depoimento para Fernando Rocha (Revista Letras Et cetera)


 

Escobar Franelas é uma das figuras mais presentes e importantes dentro da produção cultural realizada na zona leste de São Paulo, ele faz parte da coordenação da Casa Amarela - Espaço Cultural, membro do coletivo de audiovisual Lentes Periféricas, fotógrafo amador e escritor. Publicou o livro de poemas hardrockenroll (Scortecci, 1998), o romance Antes de Evanescer (Scortecci, 2011) e o livro de história Itaquera - Uma breve introdução (Kazuá, 2014)

Escobar, de certa maneira você personifica a afirmação de que o homem é um ser coletivo participando de diversos projetos. Quando você se defronta com a solidão artisticamente e como lida com ela?

EF: Eu diria que naturalmente sou solitário. E foi essa solidão que me levou à procura de canais para a expressão. Parodiando Sartre, diria que o homem é um ser condenado a se expressar. E a arte - pensada como interferência do ser no meio social - pode ser entendida como meio e fim para que essa expressão aconteça.

Se os nativos não eram escravizados pelos padres, e se estes mesmos padres os protegiam na luta contra os colonos que pretendiam escravizá-los a todo custo, tampouco havia liberdades de escolha (Itaquera - Uma breve introdução, pg. 19). Se acrescentarmos os pastores protestantes dentro deste imbróglio e a expansão evangélica dentro da zona leste do final do século XX pra cá, podemos dizer que nos genes indígenas que todos carregamos, a população da zona leste herdou esta sinuca de bico?

EF: Putz, você tem razão, total razão! Isso tudo parece até um encadeamento macabro e confesso que vou mais além: esse problema não é só da zona leste, nem só das periferias, tampouco apenas do Brasil. Veja as questões recentes das agressões ao Suplicy na Livraria Cultura; a tragédia em Marina, MG; este ato tosco contra as vida humans em Paris. E as exclusões xenofóbicas que estão batendo transformando o sul da Europa num cemitério de crescimento exponencial!

Tudo isso é retrocesso, volta à animalidade que supúnhamos ter sido resolvida, todavia, a evolução humana não acompanha o avanço tecnológico, e volta e meia, tudo recrudesce e volta duzentos anos para trás.

Antes de ter contato com o seu livro de história, uma senhora havia me dito que a Avenida Marechal Tito se chamava Rodovia Rio-São Paulo, demonstrando a força da cultura oral. No lançamento do livro você disse que aquela era a primeira parte de um projeto que tinha como intuito construir uma trilogia, a qual seria concluída com a coleta de depoimentos dos moradores mais antigos da região de Itaquera. Como anda este projeto?

EF: A citação da Estrada Velha São Paulo-Rio é um excelente exemplo de como a história oral também é um documento sério para elucidarmos o passado, trazendo os saberes não oficiais para a troca e a citação. Quanto à trilogia, diria que está a contento, talvez um pouco atrasada, mas dentro de uma certa previsibilidade. O projeto que tenho em mente prevê uma nova obra mais ou menos em 2017, abarcando as mudanças radicais observadas em Itaquera entre os anos 2007 a 2016, e outro, de memória oral, que virá depois, talvez daqui uns cinco, seis anos.

Em algumas das crônicas (Como escrever poesia e Escrever, verbo intransitivo) que recortam Itaquera - Uma breve introdução, você menciona o problema do escritor diante do seu processo criativo. Tal reflexão sinaliza um não para a zona de conforto dentro do movimento criativo do pensar?

EF: Tenho um prazer enorme em escrever. Escrever qualquer coisa, seja um texto jornalístico, poema, crônica, conto, ensaio etc, me leva a esse êxtase. A “artesania”, o escalavrar a palavra, o ritual da escritura, a ordenação do sentido no texto, tudo isso me dá uma sensação de pânico e inquietude que só se resolve quando o texto fica pronto. E a completude, nessas condições, passa a ser um oásis, talvez o que para mim represente a ideia do paraíso edênico.

 


 

 

Antes De Evanescer é uma narrativa ficcional que se desdobra partindo de um fato real: Os ataques do PCC em 2006. Como o historiador colabora com o ficcionista e vice-versa?

EF: Quando escrevi o Antes de Evanescer, no auge dos problemas em 2006, na verdade nem sonhava em cursar História, o que vim fazer só três anos depois. Mas se pensarmos as coisas em termos lógicos, me parece óbvio que a observação aguda do tempo, matéria essencial para quem se propõe a historicizar as coisas, já estavam lá, comigo.

Seja como for, o enredo, apesar da tragicidade real, foi um desvario meu, e que algumas conjunções de situações e vivências me levaram a um cruzamento de improbabilidades. E aí, não digam aos que poetas que uma coisa não é possível! Pois o desafio amplifica as possibilidades a serem exploradas. Foi o que fiz: naqueles dias conturbados, me peguei pensando nos acasos que podem mudar consideravelmente o curso de uma história que parecia bem previsível. E escrevi sobre isso.

No fundo no fundo, confesso que tudo o que quis foi contar uma história de maneira o mais crível possível. Será que consegui?

Conseguiu, Escobar!

Com o coletivo Lentes Periféricas, você lançou o documentário Doc.Cine Campinho, o qual tem sido exibido em alguns eventos. O próximo projeto é produzir um documentário sobre o M.P.A. (Movimento popular de arte). A quantas anda a produção deste trabalho?

EF: Estamos finalizando a captação de entrevistas, agora vamos para a pesquisa dos acervos e pós-produção (edição de vídeo, de áudio, finalização, lançamento e distribuição). Para retomar este filme - que iniciei por volta de 2009, 2010 e depois parei, por falta de dinheiro e parceiros - a presença do Lentes foi fundamental. Mas para esta etapa final, a pesquisa iconográfica vai ser um tanto demorada e meticulosa. Para isso criamos uma campanha no Catarse (https://www.catarse.me/mpa) para podermos arrecadar uma verba e viabilizarmos o projeto do jeito que almejamos e que acreditamos que ele mereça ser finalizado.

Você escreveu o prefácio do livro de poemas Amador, do Rafael Carnevalli, lançado neste ano. Qual a importância de movimentos como o M.A.P na ocupação e ressignificação dos lugares públicos para a divulgação da poesia?

EF: O Movimento Aliança da Praça é um combustível que mantém vivo a utopia de nossos mentores/genitores/educadores. O MAP (do qual o “Amador” Rafael Carnevalli é um líder inconteste, emblemático e carismático), apropriou-se da chama intensa da cultura local, já vivido em outros tempos, e a manteve acesa, acrescentando novos elementos, oxigenando as relações coletivas e individuais na significativa Praça do Forró e seus entornos.

Os saraus que ocupam a cidade de certa maneira reaproximam a poesia da cultura oral? Funcionam eles como uma oposição a interpretações estreitas dos conceitos do concretismo?

EF: Os saraus são significativos pois: a) recuperam o protagonismo do ser enquanto artista, em seu meio e no seu tempo; b) retiram o fundamento financista que tem sido o mote-mór da expressão dita como artística na contemporaneidade ocidental; c) mantém viva a chama do encontro, do abraço e do aplauso; d) estabelecem um novo paradigma ao colocar no mesmo palco e diante da mesma plateia o “profissional” e o “amador”, o ser-artista e o estar-artista.

 


 

 

Como se deu o seu contato inicial com o poeta e parceiro na Casa Amarela Akira Yamasaki?

EF: Desde as minhas primeiras andanças em São Miguel, a figura mitológica do Akira já pairava sob o céu acinzentado pela Nitroquímica. Logo a seguir, tive a oportunidade de conhecer sua esposa, a Sueli Kimura, que dava oficinas de dança. Ela, Sacha Arcanjo e Raberuan foram as pontes que me ligaram umbilicalmente a Akira.

Hoje temos essa parceria, na cogestão da Casa Amarela. Conviver com ele é ter aulas diárias de explosões poéticas sem rebuscamentos desnecessários, é poder apreender frações da beleza da catarse e beber em haustos aulas de práticas cidadãs.

É comum ouvir dos frequentadores da Casa Amarela, que lá há uma aura mágica que se instala quando os eventos são iniciados, você também sente isso? Como explicá-la?

EF: Creio que tudo isso é mais sensorial, intuitivo. Não dá, portanto, para explicar ou justificar em palavras. O “ficar nu” diante das possibilidades propiciadas pelo êxtase artístico talvez seja uma resposta viável. Mas desconfio que isso tem a ver também com outras situações, esse lance de basear-se naturalmetne nos princípios da cultura da paz, do sorriso extravagante, da não politização e não capitalização do ambiente, que faz com o espaço fique mais arejado, sei lá! Talvez seja tudo isso. Ou simplesmente porque a Poesia pra mim (pra nós) é também um ímpeto sagrado, na qual comungamos com o mesmo prazer. Ou, mais modestametne falando, talvez seja porque simplesmente o lugar que, por diversos caminhos e circusntâncias, junta as pessoas certas no momento certo. Ou talvez nem seja isso e a resposta seja um mistério. E os mistérios ajudam a alimentar o mito, o suspense, o exercício da futurologia.

Quem é Escobar Franelas?

EF: Um personagem em busca de um autor.

 

(Depoimento para Fernando Rocha, Revista Digital Letras Et cetera, em novembro de 2015 - link: https://encurtador.com.br/bhvA)