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15.11.25

Um textículo: "fome do outro"

a metade da laranja
não é este corte certeiro no limão
nem o coração exposto
do morango
a casca plástica da maçã
o avesso do maracujá
ou o falo da banana
 
senhoras
senhores
a outra metade da laranja
é um espelho
com sumo
 

 

13.11.25

Um textículo: "micrônicas II"

 Bar do Cantídio, oito e meia da manhã. Cena: um homem toma café e mastiga um pão de queijo em pé, junto ao balcão. Outro, mais jovem, está sentado em uma mesinha de lata, atento ao celular. 

Entra um velhinho.

"Bom dia, Cantídio! Choveu essa noite, hein?"

"Bom dia, Garnizé! Ôxi, e como! Molhou até pensamento... vai querer um café?"

"Alagou tudo lá embaixo. Me dá um. Não não não! Melhor não, hômi. Comi um trem ontem que me deixou meio empachado até agora. Melhor uma latinha. Aliás, pensando bem, dá uma amargosa, pra rebater esse engrulho aqui."

"Fiquei sabendo. Branca? Ou amarela?"

"A água ainda nem baixou. A Branca perdeu tudo! Dá uma amarelinha."




12.11.25

Um textículo: "lápide"

 fazia poesia

como quem faz solos de jazz:: 

sem regras sem réguas de rimas

dizem que fazia poesia

como quem se entrega

às declarações de uma flor

ao olho seco do sol 

à vertigem do vento

à voragem das palavras

ao abismo das palavras


fazia-se poeta

como quem finge 

ser outro ser


fazia poesia

hoje jaz






10.11.25

Um textículo: "micrônica 1"

 Era uma casa velha, com alpendre caindo, janelas esburacadas e teto comido por cupins e umidade. Ainda está lá, agora reformada, modificada, reerguida, com as linhas simétricas e retas da arquitetura contemporânea. O erro é meu, reconheço, perdido em afetos, nas lembranças dos anos pretéritos. Era uma casa velha e somente agora a vejo e bestializado, descubro que era apaixonado por aquela que não é mais. Não há mais. Sou apaixonado pelo que foi.
E da varanda envidraçada desse momento percebo uma piscadela sutil, irônica, sediciosa, me convidando a redescobri-la, sob a cortina estampada que dança suavemente à luz do sol de uma tarde que se esvai, e logo será outro passado, outra memória, uma esperança dirigida para trás. O vento flana e consigo distinguir seus silêncios de senhora impessoal, perceber suas entranhas monocromáticas de poucos móveis, as linhas fálicas de seu desenho frio, o desejo de ser nobre, quase
 elegante; elegante, de uma frieza quase rude. Enquanto o amanhã não chega e tenho dificuldades em entabular este flerte,  curto com pudor a velhice de ontem ameaçando o porvir.
O amor é extático.

 

 


8.11.25

Um texticulozinho: "fase"

 Cheia de si, a lua se viu no mar, estranho espelho que estilhaçava e rejuntava sua seu rosto de luz. Embriagada, mergulhou seu olhar dentro das águas salgadas. Voltou sem se molhar.

 


 

4.11.25

Um texticulozinho: "eu sol você"

 dissolver você
essa pinta, essa boca, essas unhas 
esse espelho - olhar de só ver você
 

da série haicaos