Foto: reprodução de internet |
Ler “Manteiga de Cacau”, do escritor Sacolinha, sacramentou uma idéia que
já alimentava desde outras leituras do autor. Ademiro Alves – o nome civil do
escritor – representa hoje, no panteão dos grandes escritores da dita “literatura
marginal”, um dos vetores essenciais da produção literária nacional.
Dono de uma escrita fluida, de uma antena que capta os mínimos movimentos
de seus personagens de maneira muito perspicaz e de uma imaginação que dialoga
com todas as “subjacências” a nós permitidas pela plenitude da Arte, Sacolinha,
nos doze contos que compõem “Manteiga de Cacau”, mostra-se à vontade no paraíso
das letras, sem perder nunca a vivacidade primordial, de alguém atento e
apaixonado pelo seu ofício.
Resumidamente, poderíamos dizer que o trabalho de Sacola em “Manteiga” é um
estudo do homem enquanto ser social, dotados dos bons e maus predicados
inerentes à vivência humana. Assim, não somos surpreendidos por super-heróis,
mas pela certeza de que todos ali podem ser encontrados na fila do mercado, num
esbarrão na praia lotada, dentro do metrô, ou nessa cadeira ao lado, no
consultório do dentista.
Os cinco contos iniciais, enfeixados sob o subtítulo enigmático “Coisas
da Cabeça e do Orgulho”, estudam o homem e a solidão. Não a solidão dos
sorumbáticos ou suicidas mas a solidão do homem que em certo momento tem que
tomar decisões e não pode delegar a mais ninguém este poder. Assim, desde o
jovem sistematizado (vitimizado pelas circunstâncias?) Mendel do primeiro conto
homônimo, passando por Adnalla (ou melhor, Pedro, o zen). Ou talvez o “pai
absoluto” encarnado em “Seu Carlos, é pelo bem deles dois e do bom andamento do
serviço público. Só o senhor pode resolver”, diz um personagem à certa altura,
no texto “Cerveja, Camarão e Ovos de Tracajá”. Ilustra toda a potência que o
cotidiano nos impõe em determinados momentos e com o qual mudamos nossas vidas
para sempre. Ou a vida de alguém.
Ou os opostos desconhecidos mas complementares Jânio e Paulão à
Queima-Roupa? Ou, por último, o dedicado e o trágico no apocalíptico “Dois
Vícios e Um Final”?
A segunda seqüência, “Coisas da Vida Adulta”, traz três contos de corte
seco onde viver, em todos os relatos, é dar. Mesmo no conto final deste trecho
“Eu já tive hemorróidas”, onde a suposta redenção da cura de uma doença dá pistas
de um fim feliz, a ruptura do depoimento indica que, por hora, tudo está bem.
Agora. Por enquanto.
A terceira parte do livro, “Coisas do Sexo”, traz quatro contos com uma
vastidão de possibilidades estéticas trazidas pelo inquieto escritor. Desde o
humor de mal-estar do hilário “Pé na Cova”, e que avança sutil nos textos
seguintes, “Espuma Mofada” e “Socorro, Estou Sangrando”, formando o bloco mais
coeso do livro.
Formalmente, considero o primeiro conto (que dá título ao livro), uma
pequena obra prima da literatura atual. Ele traz, a rodo, toda a complexidade
que o autor irá depois redistribuir nas outras historietas.
Sacolinha revela neste trabalho outra demão do artesanato também muito
bem aplicada: o final feliz do penúltimo parágrafo. Para estilhaçá-lo com
estilingue certeiro no último. Prova dos nove que a vida real é mais tudo que a
ficção. Quem é da periferia sabe disso.
2 comentários:
Grande prazer ver dois grandes amigos gigantes fazendo acontecer.
Grande prazer ver dois grandes amigos gigantes fazendo acontecer.
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