Adriane Garcia retratado por Jade, artista plástica de 13 anos (arquivo pessoal Facebook) |
"Adriane Garcia, poeta com a marca da investigação, diz “sou aquilo de que não abro mão e mais aquilo que vou modificando em mim”. Inquieta, profunda, lírica e filosófica, a menina que virou moça que virou mulher nunca perdeu sua essência: a poesia. Que sempre foi o seu norte. Mesmo quando esteve longe das letras.
Foi no Facebook que a achei e passei a admira-la. Mais: passei a segui-la. E como todo fã intransigente, fui me aproximando devagar devagarinho, até que consegui ganhar um olá. Depois disso, cerquei-a até ganhar as respostas para as novas questões que trago aqui.
Com vocês, uma poeta com a distinção de mestra: Adriane Garcia!"
1) Quem é Adriane Garcia?
Resposta: Uau! Que pergunta! Adoro! A gente não é. Tanto que agora eu falo quem sou (na verdade, estou) e Lá na frente, se vou ler as entrevistas penso: "devia ter respondido outra coisa" (risos). É que aí já sou outra, que responderia de outra forma. Claro que há valores, coisas que não estamos dispostos ou não podemos rever, por vários motivos, e isso nos forma e dá uma noção de alguma permanência. Então eu diria que eu sou aquilo de que não abro mão e mais aquilo que vou modificando em mim. Sou o rio e os meus peixes.
2) "Ser o rio e os próprios peixes" remete à ideia do criador que sabe que suas criações são os filhos cedidos ao mundo. Desde quando você gera a arte poética?
Aprendi a ler e escrever muito cedo. Fui uma criança leitora e sempre gostei muito de ouvir música, principalmente MPB. Na pré-adolescência comecei a compor letra de música, que cantava para mim mesma ou para minha única plateia, minha mãe, ocupadíssima (hoje vejo o quanto lhe enchi a paciência). Depois comecei a compor aqueles cadernos de versos, misturava coisas minhas com poemas que copiava, dos autores que eu ia conhecendo da biblioteca da escola. Mas não mostrava, nunca. Exceto para minha mãe.
Os primeiros trabalhos meus de escrita que levei a público, na verdade, foram de dramaturgia. Tinha um grupo de teatro que encenava as peças que eu escrevia. Íamos para festivais estudantis. Mas isso eu já estava com 30 anos. A poesia eu continuava escrevendo. Era coisa muito minha. Em 2010, quis investir nela, investigá-la e, por isso, comecei uma oficina literária com o escritor gaúcho Paulo Bentancur.
Lá fiz essa investigação, com a ajuda dele, e comecei a ver onde ela cantava, onde afinava, onde desafinava. A poesia foi um processo de autoconhecimento; a oficina foi um processo de investigação sobre a própria poesia. E aí resolvi organizar os livros, mostrar os poemas, enviar para editoras a fim de publicar os livros. E Líria Porto me trouxe para o Facebook.
Sim, os poemas, meus peixes.
3) Quem foram os "mestres" nessa caminhada?
Os mestres foram minha mãe, a própria vida com tudo que a vida traz de dor e alegria, os livros todos que li, os amigos com quem me encontrei, as pessoas que foram o modelo daquilo que não quero ser/estar.
4) O que é arte? O que é poesia?
Bom, vou responder o que é para mim, pois não sou uma intelectual, sou uma poeta. Arte é uma transcendência criativa de transformação da realidade, a realidade sentida como tal, uma reinvenção para dar novo sentido e, nesse sentido, uma rebeldia, uma não aceitação da realidade vivida.
Poesia é o poder de traduzir em palavras um olhar transcendente e iluminador sobre a vida, utilizando para isso recursos próprios dessa linguagem, que são aqueles que vão diferenciá-la dos outros gêneros da literatura. Mas se ela não tiver nada de transcendente, nem de iluminador, então não adianta utilizar a técnica. Para mim ela é uma poesia morta, abortada, não chegou a ser.
5) Quem você mais gosta de ler, assistir, ouvir, apreciar?
O que eu mais gosto de ler é filosofia: Bertrand Russell, Spinoza, Nitzsche, Hannah Arendt. De ficção, Katherine Mansfield (Contos) é o livro que mais releio, atualmente. Gostaria de alcançar nos contos uma voz que nunca grita, mas que sempre é expressiva. Acho lindo isso em Katherine. Poesia, ando relendo o Drummond todo e procurando ler os contemporâneos meus, mas é pouco tempo. Leio os poetas que publicam no Facebook e em blogs. Tem muito poeta espetacular na rede. De ouvir, continuo fã de MPB, jazz, blues, tenho ouvido bons rappers brasileiros, uma experiência nova pra mim, uma meninada poeta. Na verdade, sou muito eclética. Assistir tenho assistido pouco. Já fui mais cinéfila do que agora. Quando fico em frente ao vídeo é para ver palestras do filósofo Clóvis de Barros. Aprecio teatro e dança, muito. Sempre que posso vejo algo muito bom.
6) Do que você tem visto em blogues, redes sociais e outros sítios virtuais, tem alguém que você considera relevante citar, ajudar a proclamar?
É sempre complicado fazer isso, não é? Tem gente talentosa que a gente acaba esquecendo de citar. Outro dia dei uma entrevista para o Cândido e citei uns ótimos poetas que publicam na web. Passado um dia me lembrei de outros e de minha omissão. E mais, passados alguns dias você descobre outros que não poderia ter citado por desconhecimento.
Então não vou falar os muito bons porque são muitos, vou falar os que me impressionam: Líria Porto (pela versatilidade com os temas, grande produção de qualidade e irreverência); Alberto Lins Caldas (pelo vigor, pela forma, pela originalidade); Alberto Bresciani (pela sofisticação de sua póetica, a maneira como lida com as sombras); Wander Porto (originalidade de forma, musicalidade); Nanda Prietto (força e temática original); Pat Lau (há um silêncio na poesia dela, nada de desperdício, impressiona); Concha Rousia (estou conhecendo agora e já encantada); Akira Yamasaki (Tem poemas humaníssimos); Seh M Pereira (inova na forma, tem conteúdo)... Ah, é terrível citar assim, são muitos, já me lembrei que poderia citar muitos mais,o Seh M. Pereira e o Domingos Barroso, por exemplo.
Vocês entrevistadores não deveriam fazer essa pergunta.
7) Ferreira Gullar fala sempre que sua poesia nasce do espanto. Como nasce o que você escreve, Adriane?
Da falta.
8) Você tem obras impressas publicadas. E no ambiente internet, onde seus trabalhos podem ser encontrados?
Tenho o “Fábulas para adulto perder o sono”, publicado pela Biblioteca Pública do Paraná, mas é uma edição não comercial, então não há como
as pessoas adquirirem livremente. Foram mil exemplares para
distribuição em escolas públicas do país.
Tenho um blog onde resenhava os livros que lia, mas com a falta de tempo acabei deixando sem atualizar: adrianegarcialiteratura.blogspot.com.br e um site em que nem mexi ainda: adrianegarcia.com.br. Há trabalhos meus no www.escritorassuicidas.com.br e no blocosonline.com.br da Leila Míccolis. Onde mais posto é no meu mural do Facebook. Tenho mais cinco livros, três de poemas, dois de contos, mas são todos inéditos.
9) Tem alguma pergunta que você gostaria que eu tivesse formulado? Se sim, por favor, faça-a e depois a responda. Obrigado.
Oh, querido. Não. Suas perguntas foram ótimas. Até a que eu disse que entrevistadores não deveriam fazer. Claro que era retórica, brincadeira. Aliás, hoje me lembrei de mais um que publica na internet e que é incrível (não disse que sempre deixamos alguém para trás?): Carlos Moreira. A coisa não tem fim. Gostei demais de responder às perguntas. Esse exercício acaba fazendo a gente se conhecer mais um tanto. Não fossem as perguntas, nós mesmos não saberíamos as respostas que damos, não é? Agradeço demais o carinho, a atenção, a disponibilidade de me entrevistar. Um grande abraço e minha gratidão.
Poemas de Adriane Garcia
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"O pranto em que comeram"
Tantos já se alimentaram
De mim
Que eu já não poderia separar
O que é sêmen de saliva
"O urso"
Entro na caverna
Acordo meu poema
Que hiberna.
"Pietás"
Dos olhos dos poetas
Lágrimas regam o mundo.
"Adão e Eva"
Quando, assexuado
Deus criou
A volúpia
Sentiu um
Estremecimento
E em torno de um sol
Um comentário:
Obrigada, Escobar. Sua generosidade de leitor e poeta encanta.
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