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24.1.15

Resenha - livro "Te Pego Lá Fora" (Rodrigo Ciríaco)

A nova capa, na segunda edição, pela DSOP 
Ferréz dá o tom na Livraria Cultura, no lançamento do livro, em outubro de 2014
Lançamento de "Te Pego Lá Fora" na Livraria cultura, av. Paulista

A leitura dos contos de "Te Pego Lá Fora!", do escritor e educador Rodrigo Ciríaco, traduz a crônica diária (ou seria diário crônico?), de um território por onde transito com certa frequência: a sala de aula. Temos nos textos as contradições que fazem parte desse mundo complexo que é a escola. Uma escola heterogênea, múltipla, pública, juvenil.
Dividido em quatro partes (estações), os textos atestam a assinatura humana, demasiadamente humana, do autor. A nova edição, agora pela editora DSOP (a primeira era um edição independente de 2009), ganhou o reforço de quatro textos adicionais: Pratos Limpos" (no capítulo Verão), "Sem Volta" (Outono), "Boas-vindas" (Inverno) e "Poeta" (Primavera).
Todos os textos refletem a escola que temos nesse início de século. Chama a atenção em "Te Pego Lá Fora" a polifonia de vozes que Ciríaco traz à tona: alunos, diretores, professores, funcionários em geral, todos são convocados para dar suas versões. Então, como não se surpreender com a menina que desmaia de fome mas mesmo assim não come a merenda, por vergonha ("Bia Não Quer Merendar", p. 19)? Ou o giro apocalíptico que nos é ofertado na leitura de "Pratos Limpos (p. 29)? Ou o desconcerto corporativista, oficialesco e medieval da hierarquia escolar em "Papo Reto" (p. 49)? A viagem pelos contos do livro também nos traz humor, mesmo que seja meio blasé, no divertido diálogo de "Boi na Linha" (p. 89), onde  os dialetos diferentes da aluna e do professor não permitem que o segundo não entenda o recado da primeira. Ou o irônico  "Aprendiz" (p. 17), enredo com cara de crônica que deságua num desfecho dolorido e escatológico.
Antes de fechar esta parte, cito dois curtos, dos quais gostei muito, justamente pela síntese e sutileza que reforçam meus aplausos ao lirismo do autor. E por serem curtíssimos, tomo a liberdade de reproduzi-los integralmente:

"Tio, me dá um conto?"
("Pedido Irrecusável", p. 35);

"Na sala dos professores, um aviso:
- Não alimentem os animais."
("Medo", p. 61)

O soldado com suas armas: na mão e no microfone
Ciríaco está cercado de bambas que guardam o caminho por onde trafega este professor que não admite o papel de mártir. Desde as epígrafes que recorrem a Hannah Arendt e Paulo Freire, passando pela apresentação do maior símbolo da literatura periférica no Brasil, Ferréz, mas também recebendo nas orelhas as bênçãos de outro ícone da poesia suburbana, Sérgio Vaz, e ganhando uma quarta capa assinada por Marcelo Laier, este "Te Pego Lá Fora" nos dá porradas tortas e diretas na boca do estômago de cidadãos do bem que somos, bons cristãos e pagadores de impostos. Desde o título, que expressa bem uma fase específica do universo belicista de todo adolescente, até na capa que reproduz uma cena comum na sala de aula - as carteiras amontoadas depois da guerra, seja de corpos, seja de ideias - somos a todo momento confrontados com as certezas que exalávamos até momentos antes da leitura.
Aos 33 anos, Rodrigo Ciríaco já é um soldado experiente. Também autor de "100 Mágoas" e "Vendo Pó...esia", há quase dez anos está na rinha, seja com o Sarau dos Mesquiteiros (que ele organiza no Ermelino Matarazzo), ou o concurso literário "Pode Pá Que É Nóis Que Tá", ou o Rachão Poético, entre outros eventos, ele solidifica uma luta. Convenhamos, quando um artista inspirado vive no mesmo corpo de um cidadão devotado, pronto!, reforçamos a certeza de que esse mundo tem jeito.

Mais sobre Ciríaco: https://www.facebook.com/rodrigociriacoprofessor?fref=ts

A 1ª capa de "Te Pego Lá Fora"
Com a "ídala", Mafalda, em Bueno Aires
Debatendo com Bruno Azenha e Ni Brisant na Casa Amarela, em São Miguel

fotos: arquivo feicebuquiano de Rodrigo Ciríaco 
texto: Escobar Franelas 

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