“Caro leitor, vos afirmo: futebol serve pra
isso. Para emocionar, para interagir, para se apropriar do meio social.” (“Fellini
vai à várzea e o folk do Parque Novo Oratório”). A primeira crônica do livro “Contos
da várzea e outros blues”, do jornalista Marcelo Mendez, traz para o universo
literário aquilo que o futebol tem de mais bonito: sua poesia. A raiz grega da
palavra – poiésis – remete ao lampejo criativo, ao insight, à criação. Traduz assim
a beleza fulgurante e imprevista da arte. O futebol de várzea, longe dos
simulacros da profissionalização, oferece essa condição em doses muito mais
caudalosas que a sua versão mercantil, embarafustada de champions league, copas
do mundo, libertadores, fifas e cebefes. Nele, a delirante beleza do instante
enche de cor o marrom dos terrões, estabelece a música no encontro das canelas,
cria um raio luminoso no encontro da bola com o fundo da rede estufada. A
poiésis no futebol estabelece a possibilidade do estado transcendente, a chance
da mudança repentina através do feito inédito, a surpresa sempre inusitada do
acaso. A poiésis reafirma a beleza natural de uma arte genuína.
MM rima fácil
a beleza do futebol praticado nos terrões varzeanos da região do ABC paulistano
(onde vive e trabalha). Ele entende do riscado, tanto que define que tão
importante quanto o craque é o caneleiro, o fazendeiro: “A vida seria muito mais poética se os homens de bem que habitam o
mundo tivessem a dignidade de um perna-de-pau. O canela-dura é um onírico, um
lúdico. Há nele uma honradez, uma decência quase comovente” ("A
grandiosidade épica de Parrão e o blues do perna-de-pau”). Para o autor, pouco
importa o resultado de uma partida. Vale mais a beleza de um gesto, a voz de um
torcedor, a comoção de uma torcida, a lembrança de uma chuteira da juventude
que ficou imortalizada na memória do homem maduro, a lambança de um beque turrão.
Mas ele manja
mais, sabe muito de blues, jazz e rock´n´roll, essa tríade sagrada que os
americanos lá do norte deram ao mundo. E tempera esse conhecimento com doses
nada modestas da sétima arte. Assim, unindo suas paixões, cinema, música e
futebol, tudo isso devidamente acondicionado na confeitaria das palavra que
eles usa com muito tempero, sal e açúcar, temos em seu “Contos da várzea e
outros blues” dezenas de belos e inspirados textos compilados a partir de sua
coluna de toda terça no jornal ABCD Maior. Tirando da cartola sempre uma
generosidade poética para ilustrar as suas andanças pelos campos do Grande ABC,
MM mostra a beleza que fica de fora dos discursos oficiais. Ou, como ele mesmo define, “A vida na periferia é um livro
para Louis Malle filmar” (“De Rimbaud para Wilde, o 10 do Casagrande”).
Serviço:
Livro: Contos
da várzea e outros blues
Autor:
Marcelo Mendez
Editora:
Córrego
Ano: 2014 (1ª
edição)
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