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Um dos grandes livros que li ainda em 2015 foi, sem dúvida, Nelson Triunfo - Do Sertão ao Hip-Hop”, do jornalista Gilberto Yoshinaga, lançado um ano antes pelos selo Shuriken Produções e LiteraRua. A obra caudalosa - 366 páginas de um texto articulado e fluido - percorre toda a vida desta personagem lendário do movimento hip-hop e da cultura black brasileira. Nascido em Pernambuco na cidade de Triunfo - que batiza o seu sobrenome artístico - Nelsão morou no Rio de Janeiro (ainda criança), Bahia e Brasília, antes de se estabelecer em São Paulo, na região da Penha. Foi em Paulo Afonso (BA), aliás, que ele, recém-saído da adolescência e já morando longe dos pais, começou a praticar duas atividades que se tornariam fundamentais em sua vida: o atletismo e a dança.
Com o passar dos anos, porém, a dança tomaria espaço definitivo em sua rotina, tornou-se a maneira dele se expressar e até parte de sua sustentação financeira. Movimentando seu corpo fino e comprido de maneira frenética e avassaladora (que seus amigos chamavam de “troncho”, uma fusão de ritmos pop trazidos pelo cinema, tv e rádio, misturada ao caldeirão de tradições populares nordestinas), Nelson Triunfo ajudou a definir as bases do funk e do soul praticado no Brasil na década de 1970. Ainda na Bahia formou um grupo, Os Invertebrados. Depois de um período de peregrinações pelos bailes do Rio de Janeiro (mas morando em Brasília), partiu para Sampa em definitivo, onde decidiu que não voltaria ao emprego-com-horário-e-carteira-assinada, mas iria se dedicar-se com empenho à prática da dança.
Passou a frequentar programas de auditório da tv e a apresentar-se nos grandes bailes black, percorrendo o circuito de toda a cidade, além da Grande SP, outros municípios do interior, outros estados e países. Criou nessa época dois dos grupos de dança mais importantes da cena jovem de São Paulo: o Black Soul Brothers e algum tempo depois o Funk & Cia. Com o último grupo, Triunfo gravaria em 1990 um discreto disco homônimo. O enredo coeso da obra traça um perfil do Homem-Árvore (um dos vários nomes com que Triunfo foi batizado ao longo da carreira, por conta de sua enorme e famosa cabeleira), enfocando suas relações familiares, a dedicação à arte como linguagem norteadora da educação, os projetos sociais nos quais se envolveu, os primórdios da criação da Casa do Hip-Hop, em Diadema, SP.
O relato de Yoshinaga vai além da biografia de Triunfo, e fala da cena cultural negra brasileira. Aborda também diversas questões políticos-sociais, como a truculência policial que infinitas vezes abordaram e prenderam os dançarinos por vadiagem e outros eufemismos, apenas porque estavam dançando nas ruas e praças. Faz também uma panorâmica dos movimentos de resistência marginalizados na periferia, desde os bailes black na década de 70, passando pelo nascimento do movimento hip-hop brasileiro a partir dos encontros na estação São Bento do metrô nos anos 80, e refluindo em importantes reflexões sobre a preservação da cultura popular, as relações sociais desiguais, o respeito à natureza em todas as suas variantes e a necessidade do diálogo para construir pontes.
Obra rica e extensa, Nelson Triunfo - Do sertão ao hip-hop, de Gilberto Yoshinaga, não cria mitos, mas corrobora para eternizar o humano ser, em sua beleza, complexidade e cidadania.
Serviço:
Livro: Nelson Triunfo - Do sertão ao hip-hop
Autor: Gilberto Yoshinaga
Editora: Shuriken Produções / LiteraRua.
Ano: 2014
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