Há menos de duas décadas, em noites ainda muito vivas no arquivo da memória, às vezes quentes e abafadas, às vezes frias demais, às vezes nem tanto, ficávamos ali, você atento me olhando compenetrado e eu lendo O Pequeno Príncipe pra você dormir. E quantas vezes – talvez a maioria delas! – eu acabava cochilando antes! Ia se aninhando, escorregando para baixo do edredon e, num átimo, estava em outro país, em outro universo, uma outra vida. Acordava geralmente bem depois, sob o som do seu ressonar suave. Nessas horas, abandonava você no asteróide B612, no Sítio do Picapau Amarelo ou no meio de alguma aventura com Pedro Bandeira, Stella Carr, Lucília Junqueira de Almeida ou Julio Verne e voltava para minha nave, o meu quarto.
Depois o trem do tempo parou numa nova estação e aí veio você me pedindo sugestões do que ler. Lembro algumas indicações, nem sempre convenientes ao seus interesses, creio, mas que respondiam à minha ânsia de querer envolver com muita coisa que “fez minha cabeça” quando tinha essa mesma idade bonita que você tem agora. E tome-lhe Camus, Pirsig, Arthur Conan Doyle, Daniel Lopes, Agatha, Bukowski (que você, como eu, sentiu arder na boca do estômago)!
E agora, vinte anos depois daqueles nãnãnãs pra embalar seu sono, agora – tão pouco, tão longo tempo – o trem estacionado num novo terminal, você vem e “pai, você precisa ler este livro! É muito foda.” Recebi o livro, com a nota de compra numa livraria cara perdida entre as páginas, eu pensando cá com botões e zíperes, “pô, ele podia ter me falado, teria encontrado pra ele em algum sebo dos que visito”. Tolo, eu! Deixa o moleque ser feliz do jeito dele, deixe ele abrir suas janelas com as próprias mãos!
Abri e me concentrei na leitura. Viajei com ele por uma adolescência em formação. Enfrentei o deserto gelado do Alasca para encontrar a redenção, através da mão segura de meu filho. Me rendi a ele.
Terminei a leitura. E você tem razão, filho, Na Natureza Selvagem, do Jon Krakauer é muito foda mesmo! Ainda que contrariemos o enredo da aventura. Aqui, meu filho, não nos perdemos, não nos afastamos: nos encontramos.
A propósito, qual a próxima indicação?
Abraçaço. Seu pai.
Depois o trem do tempo parou numa nova estação e aí veio você me pedindo sugestões do que ler. Lembro algumas indicações, nem sempre convenientes ao seus interesses, creio, mas que respondiam à minha ânsia de querer envolver com muita coisa que “fez minha cabeça” quando tinha essa mesma idade bonita que você tem agora. E tome-lhe Camus, Pirsig, Arthur Conan Doyle, Daniel Lopes, Agatha, Bukowski (que você, como eu, sentiu arder na boca do estômago)!
E agora, vinte anos depois daqueles nãnãnãs pra embalar seu sono, agora – tão pouco, tão longo tempo – o trem estacionado num novo terminal, você vem e “pai, você precisa ler este livro! É muito foda.” Recebi o livro, com a nota de compra numa livraria cara perdida entre as páginas, eu pensando cá com botões e zíperes, “pô, ele podia ter me falado, teria encontrado pra ele em algum sebo dos que visito”. Tolo, eu! Deixa o moleque ser feliz do jeito dele, deixe ele abrir suas janelas com as próprias mãos!
Abri e me concentrei na leitura. Viajei com ele por uma adolescência em formação. Enfrentei o deserto gelado do Alasca para encontrar a redenção, através da mão segura de meu filho. Me rendi a ele.
Terminei a leitura. E você tem razão, filho, Na Natureza Selvagem, do Jon Krakauer é muito foda mesmo! Ainda que contrariemos o enredo da aventura. Aqui, meu filho, não nos perdemos, não nos afastamos: nos encontramos.
A propósito, qual a próxima indicação?
Abraçaço. Seu pai.
(foto de divulgação do filme “Na natureza selvagem”, Into the wild, 2008)
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