Sábado intenso

Caricatura de Onézio Cruz

Quando era menino, ficávamos, eu e meus amigos, procurando o que fazer além dos óbvios campinho de futebol, bolinha de gude, mana-mula, taco e pipa. O único espaço de que dispúnhamos para vivenciar algo diferente era a biblioteca Cora Coralina, no centro de Guaianases, onde íamos à sala de leitura, jogar xadrez e ver um gripo de teatro que ensaiava lá às quinta-feiras. Nem sei se o João, o Walmyk (agora já partido para as estrelas) e o Luciano lembram disso. Depois que repeti de ano (7a. série), a turma mudou mas o divertimento continuou o básico, com a diferença que nesse período eu já tinha aprendido a me apropriar mais da escola (o querido e estimado Benê, que agora está sendo transformado no CEU São Pedro), e lá já vivia intensamente as aulas informais de teatro (com as professoras Elzinha e Nativa), de capoeira, os campeonatos de dança (imitar Michael Jackson era a moda daquele período), além da organização de campeonatos diversos: Polibeca, futebol de salão (ainda não era futsal) entressalas, xadrez (Evoé, prof. Toninho) e até de leitura de textos.
Pensei nisso tudo ontem, quando vivi um sábado tumultuado, com meu carro quebrado e tendo que fazer vários rolês para cumprir os compromissos. À tarde, atendendo ao convite de um bróder da velha guarda, o Alba Atroz, estive na Fábrica de Cultura da Cidade Tiradentes para participar do Amparo Literário. Senti-me realmente amparado ali, entre pares que vivenciam o prazer da arte literária, e o privilégio de estar numa mesa debatedora ao lado da escritora Márcia Barbiéri e um facilitador boa-praça, pra lá de fácil de se conversar, o Willian Cézar. Voltei depois, em outro momento, para participar de outro debate, agora com o mesmo Will-simpatia e o não menos carismático Akins Kintê, sobre o qual dividi com o público um pouco de sua biografia e impressões e expressões sobre sua obra.

Com Márcia Barbiéri no Amparo Literário,em clique de Fernando Rocha

No Amparo, com Akins Kintê, e as charges de Onézio Cruz, que também fez a foto

Zarpei da CiTi deixando um monte de gente bamba pra trás, tomei uma van até a estação de Guaianases, onde embarquei num trem para Suzano, destino Sarau da Galeria, cuja pilotagem está a cargo de uma turma colorida, sorridente e receptiva, capitaneada pela bela e fulgurante mestre de cerimônias Raquel Pereira.

Lá, junto com meu irmão em letras e outros engenhos da arte, Akira Yamasaki, e sua musa, também uma irmã nas vivências nesse planeta lindo, Sueli Kimura - educadora e educada - tivemos uma noite tipo mundo da fantasia (onde tudo dá certo), com muita poesia, música, abraçaços, quentão aquecedor e trocas de afetos e beijos com um turma muito legal, que não ouso tentar citar aqui pois corro o risco de esquecer alguém e ser tremendamente injusto. Pontos para a presença dedicada do cartunista Pedro Galvão (Santo André) e do escritor guarulhense Claudinei Vieira, lançando seu mimético livro Yurei, Caberê.

No Sarau da Galeria, lendo poema de Akira Yamasaki e sendo clicado pelo mesmo japonês

No afã de cumprir compromissos, perco muitos outros, o que contradiz a escrita dos pessimistas que insistem em dizer que as coisas pioraram. Pioraram pra quem vê a vida pelas lentes da rede golpe, sentado no sofá com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar.
Pra mim, pelo menos, que na adolescência não tinha aonde ir degustar e vivenciar arte e outros prazeres, sobram espaços hoje para o prazer da fruição. E, detalhe importante, tudo de graça.
Só se apropriar.

Sarau da Galeria: Caricaturado por Pedro Galvão, fotografado por Claudinei Vieira