Temos, em Face Emplumada, uma obra análoga ao cinema de estrada, um road book sob o sol inclemente do sertão. Glauber Soares, o autor desta obra, dá à itinerância de Guto ares e asas de um personagem sui-generis, que dominado por uma força vital que lhe sopra feiticeiramente nos ouvidos a chance de um devir seráfico, deixa tudo para trás, emprego estável e a vidinha amarfanhada na rotina opressiva de São Paulo, para viver uma aventura rútila no meio da caatinga. O que tem nessa tomada de decisão? O que desperta essa vontade de romper os cordões umbilicais da segurança da urbana pela vida selvática no mato? O que leva o garoto quieto e metódico a se embrenhar no mato com uma moto é a ânsia de conhecer Lúcia Maria, uma jovem que vive com o avô num sítio nos arredores de Quixadá, no sertão do Ceará. Uma probabilidade.
Tudo seria padrão, não fosse o fato do homem ter ficado enfeitiçado pela "galega" apenas por ouvir a descrição de sua beleza contada por um cliente a outro, enquanto os três aguardavam o momento de cortar o cabelo, num dia qualquer, dentro de um salão de cabeleireiro.
Movido pela curiosidade de conhecer essa mulher cuja beleza seduziu o falastrão da cadeira ao lado, Guto inicia nesse momento uma longa viagem interior, que depois irá se tornará em outra, numa marcha alucinada pela poeira e sol nordestinos, que lambuzam sua cara e queimam seu corpo e, acima de tudo, confundem todas as certezas que leva consigo. Nos périplos incertos e movediços, personagens vão surgindo diante de si, oferecendo ao jovem desbravador uma profusão de tipos complexos, como a vida. Mas também aparece cristalina a beleza da amizade desinteressada de caprichos, mesmo nas empreitadas que parecem movidas apenas pela loucura temporã. Seja nos arranjos meta-físico-linguísticos, como com a coruja rasga-mortalha, ou um improvável Ziggy Stardust, que salta do pôster para conferenciar com o anti-herói da trama; ou então nos críveis Sandrinho (que figura! Merecia um livro só pra ele) e seu Galdino, o alone-ego de Guto.
Face Emplumada nos reserva vários substratos de leitura. Um dos, talvez o que mais me chamou a atenção, foi o fato de que, sendo uma história contagiante, aprofunda a ideia de magia que um enredo bem contado provoca na imaginação. Com um ritmo equilibrado, o livro promove em quem se propõe a lê-lo, uma vontade de ir até o fim, sem parar, pelo absoluto domínio que o autor, também ele o proprietário da própria editora, tem da arte da escrita.
Serviço:
Face Emplumada – Glauber Soares
SP, 2015, @link Editora
176 p.
fotos das redes sociais de Gláuber Soares
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