25.12.16
Entrevista: TÂNIA GABRIELLI-POHLMANN (Arte, psiquiatria, comunicação) - Alemanha
No fim de 1998, por conta do lançamento de meu primeiro livro, hardrockcorenroll - poemas, me aproximei de jornalistas, para que tivessem acesso à minha obra. Foi nesse contexto que em algum momento soube que a paulistaníssima Tânia Gabrielli-Pohlmann tinha na Alemanha um programa de rádio voltado para a cultura brasileira, assim como um portal com notícias do Brasil para o público germânico. Sem pestanejar, enviei a ela um exemplar e logo recebi uma devolutiva muito carinhosa. Iniciamos uma diálogo que se estende até hoje e que me proporcionou a seguir a oportunidade de conceder o primeiro depoimento falando de minha carreira então iniciante. Passei a abastecê-la, sempre que possível, com notícias, livros e cd, contemplando a produção efervescente que rola no Brasil. Quando, em 2011, lancei o romance Antes de Evanescer, a generosa Tânia novamente se antecipou e entrevistou-me ao vivo para seu programa Revista Viva.
Foi assim que nossas conversas foram se emendando uma na outra e estreitamos nossa amizade. Nas conversas, porém, eu nunca conseguia elucidar completamente o enigma Tânia Gabrielli-Pohlmann, em razão de suas múltiplas atividades. Pensei então em entrevistá-la, como contrapartida para sua delicada e dedicada atenção a mim, mas também para entender esse furacão que esquenta com tanta beleza e inteligência as terras frias da Europa. Durante quase dois meses, formulei perguntas que ela foi respondendo conforme sua disponibilidade. E o resultado é este diálogo publicado abaixo.
Espero que todas apreciem. Degustem-na!
1) Gostaria de principiar nossa conversa com um pouco de sua história: infância, adolescência e juventude. Ou então, o "período brasileiro". Pode ser assim?
Ih, pode sentar, porque tem história... Vou tentar resumir, certo?
Numa quarta-feira, mais ou menos às três e meia da matina, tirei minha mãe da cama e lá foi ela à maternidade. Nasci às 04:20 horas do dia 19 de maio de 1965. Nossa! Há mais de 51 anos! Lá se foi, já, mais de meia pizza...
Nasci numa maternidade bem próxima ao Museu do Ipiranga – e já cheguei aos berros (seria influência dos fatores externos? Casa do Grito... Liberdade...).
Passei minha infância e adolescência na região da Vila Prudente, Alto da Mooca, Mooca. Família italiana de ambas as partes. Meu avô paterno era anarquista e teve de fugir da I Guerra. Levou esposa e treze filhos, exatamente como meus avós maternos. Família grande, barulhenta e sempre regada pelo violino do Tio Nicolino, que morria de saudade da Bella Itália... Hoje compreendo bem o que ele sentia por Napoli...
Meus pais nasceram na mesma região, ambos em abril de 1933. Anos difíceis, em que muitos de seus irmãos nem chegaram ao Brasil. Minha avó materna tinha um tesouro, além dos filhos: um caderno de receitas escondido no vestido. Receitas que acabei trazendo “de volta à Europa”.
Minhas lembranças de infância são impregnadas por aromas e cantorias, gritarias e muitas risadas, apesar das dificuldades imensas de famílias de migrantes que não tinham liberdade de expressão. E que tiveram de abandonar tudo para começar uma vida absolutamente zerada. Aprendi a focar o necessário, a simplicidade e a partilha. Até hoje não consigo receber um bombom de presente e não compartilhá-lo. Não tem o mesmo sabor.
Uma intensa alegria em minha infância foi a descoberta da leitura - o maior passaporte para a liberdade que um ser humano de quatro anos, com dentes de leite faltantes, mas com uma sede imensa de desvendar o segredo das letras agrupadas, formando palavras. Lembro-me exatamente deste momento e da certeza de que “aquilo” era, sim, “a” descoberta. Só no ano seguinte consegui convencer minha mãe a me matricular na escola pública do bairro (aliás, num período em que a escola pública era de qualidade). Como sou teimosa, persisti até que minha mãe não suportasse mais. Fomos à escola e lá não larguei a calça do diretor, como que agarrada à maior conquista de minha vidinha. Teimosa, persistente. Venci o diretor pelo cansaço e talvez por não querer ver rasgada sua calça... Enfim, lá fui eu para a escola, que se tornou meu local amado, até hoje.
Descoberto o mecanismo da leitura, como os bombons, queria que todo mundo pudesse ler. Ali nascia o que se tornou uma de minhas maiores preocupações e ocupações voluntárias. Minha mãe era kardecista e em seu grupo havia vários projetos de assistência social aos moradores da favela de Vila Prudente e em outras cidades do Estado de São Paulo. Regiões carentes, distantes, isoladas. Foi nesse contexto que comecei a oferecer “cursos” de alfabetização para adultos. (Continuo na semeadura por aqui...). Ali houve o contato com Paulo Freire (sem saber, à época, de quem se tratava...). Aos seis anos, jamais imaginaria, mas foi o início de tudo. Meu objetivo era ensinar aos bóias-frias a leitura e a escrita. Suas mãos, no entanto, não teriam muita facilidade em trabalhar com lápis ou canetas. Resolvi transformar o chão de terra em folha de papel e os cabos de suas enxadas, seus primeiros lápis. Os primeiros movimentos, depois, passariam aos cabos de vassouras, até que pudessem manusear lápis e canetas sobre folhas de papel. A alegria que senti ao ouvir um dos alunos, ao ver seu nome escrito por sua própria mão e poder lê-lo, ainda mora em mim. Ele simplesmente abriu um sorriso e disse: “Agora consigo me ver”.
A adolescência foi regada a muita música, dança, esporte. O vôlei teria sido uma carreira, não tivesse começado a trabalhar cedo. E havia a alfabetização... E as aulas particulares como capital inicial para poder bancar a escola.
Aos 14 anos cursei o segundo grau técnico. Uma novidade da época: Tradutor e Intérprete. No decorrer do último ano me preparei para a FUVEST. De susto, passei e me deparei, aos 17 anos, com a USP num período em que ainda não havia o prédio de Letras. Tínhamos aulas na Colméia do CRUSP, nos esqueletos de prédios ou ao ar livre. Ingressei exatamente no semestre de despedida de Décio Pignatari. Ainda pude me deliciar, também, com alguns semestres de Literatura Brasileira sob os pensamentos de Alfredo Bosi en persona.
Entre o final do que chamávamos Segundo Grau e o início da universidade, perdi o emprego. Intensivei as aulas particulares e passei a fazer revisão de textos, traduções e a pintar camisetas para vender na USP. Naquele mesmo semestre acontecia a Bienal do Livro, onde apanhei uma revista gratuita da Editora Brasiliense. Nesta revista havia vinte anúncios de publicações alternativas de literatura e autores alternativos. Entrei em contato com todos eles. Havia um anúncio de um concurso literário (de poesias), lá no Rio Grande do Sul, um Estado pelo qual sempre fui apaixonada. Por insistência de amigos escrevi um poeminha e mandei, só por diversão. E fui classificada. Foi a primeira publicação de algo de minha autoria. Enquanto isto, os alternativos chegavam, os contatos se multiplicavam. Acabei lançando o POEMAGIA, que teve início com 20 cópias xerocadas e terminou com tiragem de mais de cinco mil exemplares. Depois lancei uma revista que reunia todos os estilos de pensamento, literatura, crenças e filosofia. Já no período do POEMAGIA lancei alguns concursos literários e respectivas antologias. Foi quando decidi manter distância pública da política, já que era bastante procurada por candidatos que talvez jamais tivessem investido seu tempo em leitura. Em virtude dos projetos de alfabetização também fui muito perseguida por políticos, cujo capital não deveria descobrir seu próprio cérebro... Foi barra.
Era fim dos anos oitenta, início dos noventa, quando tive a oportunidade de conviver com profissionais de diversas áreas. Profissionais da medicina, da engenharia, da pedagogia, entre muitos outros, foram laboratórios do que hoje chamo de “métodos de pensares”. Isto tudo regado a muita italianada, sotaques variados da vizinhança, poetas, contistas, músicos. E os sustos na universidade que me parecia gigantesca demais. Foi um período duro para estudantes. A gente dependia de um agente livreiro que contrabandeava dicionários estrangeiros – coisa rara e por demais cara...
Enfim, o ensino sempre acompanhou meus passos. E o aprendizado infindável. Inclusive aqui...
"Enquanto tiver um pouco de visão, continuarei pesquisando e aplicando o que puder ajudar a fazer de nosso mundo algo mais suportável a todos."
Dezembro de 1999. Dia quatro. Cheguei à Alemanha numa tarde gelada. A partir daí, muitas mudanças e choques culturais...
Em janeiro de 2000 fui convidada a participar de um projeto do Ministério da Educação para a realização um programa de rádio. O objetivo era reunir 35 representantes de países diferentes, que trariam a música e um pouco da cultura de seus países de origem. Foi então que, ao apresentarmos o programa pela osradio, fui convidada pela diretoria desta rádio a apresentar um programa sobre a cultura brasileira. Seriam duas horas de duração, sem intervalos comerciais. Aceitei, sob as condições de que uma de suas duas horas fosse dedicada à cultura mundial, e o programa inteiro seria em alemão, salvo em casos de entrevistas com brasileiros, que teriam tradução simultânea. Assim nasceu o programa Revista Viva, que levo ao ar, ao vivo, até hoje. E cuja transmissão é repetida pela Radio Weser, em outro Estado alemão, a convite, também, da diretoria da rádio.
O Revista Viva estava no ar havia mais ou menos um ano. A diretoria da osradio solicitou mais um programa, também de duas horas, em outro horário. Nascia a dupla “Brasil com S”, de uma hora, e o “Musika – die schönste Sprache der Welt”, de uma hora, produzido e apresentado por Clemens Maria Pohlmann, que, por sua vez, apresenta a segunda hora do Revista Viva até hoje.
Além do rádio, já lecionava português na Escola Superior Livre da região e de outras cidades, até que a Escola Superior de Ciências Econômicas daqui me convidou para assumir a docência oficial de língua portuguesa, a cultura e história do Brasil. Assumi há quase dez anos e continuo com este trabalho paralelo, onde também aproveito para divulgar a produção cultural atual em todas as áreas. O curso envolve estudantes de todas as outras faculdades desta escola superior, especialmente das Faculdades de Música, Gestão Internacional, Agropecuária, Arquitetura e Paisagismo etc.
Minha atividade profissional, além das descritas acima (sendo que o rádio permanece um hobby), no entanto, abrange a área da Psiquiatria, onde trabalho na estruturação diária de pessoas com distúrbios psíquicos e dependências de toda ordem. Paralelamente, retomei os estudos de Psicologia, após fazer uma especialização na área de Nutrição Multifuncional.
Enfim, trabalho não falta... Atualmente preparo um livro sobre os temas abordados em meus workshops intitulados “Daheim in meinen Körpern”, algo como “Em casa em meus corpos”. Um trabalho que abrange a alimentação de toda espécie: propriamente dita, preventiva, terapêutica, emocional, espiritual e social. Pretendo levar estes workshops para o Brasil também. Um trabalho que tenho estruturado em parceria com o conceito que desenvolvi no âmbito do Psicodrama, chamado “Tela Estrutural”, que visa a saúde integral – especialmente através do equilíbrio psicológico.
O que mais tenho para contar? De minha constante saudade do Brasil, de minha paixão por gatos e felinos afins, por gente, por pesquisas... Apesar da reduzidíssima visão, que me impede, muitas vezes, de estar intensivamente nas mídias sociais, não desisto de aprimorar meus trabalhos. Enquanto tiver um pouco de visão, continuarei pesquisando e aplicando o que puder ajudar a fazer de nosso mundo algo mais suportável a todos.
2) Como foram os primeiros momentos vivenciando uma cultura totalmente diferente daquela que estava formada?
Foram momentos de choques, muitos choques. Culturais e quetais...
O primeiro choque foi perceber que o alemão falado nesta região (Baixa Saxônia), não tinha muitas semelhanças ao alemão que havia aprendido no Brasil – com professores provindos, na sua maioria, da Bavária... Tive de reaprender a língua e muito rapidamente.
Já na primeira semana recebi a notícia oficial do Ministério da Educação a respeito do não reconhecimento de meus estudos (Universidade de São Paulo). Informação não condizente com a que havia recebido, ainda em São Paulo. Foi como jogar no lixo uma série de lutas que tive de vencer para concluir a universidade... O caminho, naquele momento, foi optar por desvalidar totalmente minha formação, a fim de tentar ingresso à universidade local. Como meu sonho sempre fora estudar Psicologia, abracei a chance. Aliás, não foi um abraço, propriamente dito... Agarrei a chance com unhas, dentes, teimosia e raiva. Passei alguns anos frequentando os cursos chamados de “equiparação pedagógica”, que me dariam uma remota chance a um novo estudo. Disto dependeriam as notas que conseguisse alcançar. Enfim, consegui o NC exigido para Psicologia e ingressei na universidade presencial local. Neste ínterim, candidatei-me à docência de língua portuguesa na faculdade livre. A contratação veio algumas semanas mais tarde, quando a docente em atividade até então abandonaria o cargo. Assumi no dia seguinte e lá permaneci por três anos.
Outro choque foi perceber a gigantesca distância literária que se estabeleceu ao longo das décadas. Para minha desilusão e, creio, para a de Goethe e companhia, a literatura atual é banal, sem grandes surpresas possíveis, seja na prosa ou no verso. Ainda assim, em 2000 participei de um concurso literário, promovido pela Biblioteca Nacional de Autores de Língua Alemã, em Munique. Fui classificada e tive o trabalho publicado na Antologia correspondente aos classificados daquele ano. Mas não me sinto muito motivada a investir muita energia nisto.
No âmbito social, mais choques. O Muro de Berlim já havia caído havia algum tempo, mas muros persistem até hoje. E eu não os arranho mais. E nem os importo em mim. A luta pela manutenção de minha dignidade é diária...
Nos primeiros anos o que mais me chocava era a falta de informação do povo daqui com relação ao Brasil. Por isto decidi manter o Revista Viva, no qual me dedico a divulgar o que o Brasil tem de melhor, tanto na cultura, como em setores como a própria psiquiatria, medicina em geral, universidades e projetos sociais privados e voluntários. A música é uma referência, por aqui, e foi através dela que consegui abrir os ouvidos do público ao Brasil de forma mais criteriosa. O mesmo tenho feito em minhas aulas.
No mais, meu trabalho na Psiquiatria, teve início há treze anos. E este caminho também não é traçado sem choques culturais. Candidatei-me a uma vaga de faxineira num complexo psiquiátrico de moradias monitoradas. Tinha muita curiosidade a respeito do o método alemão terapêutico e esta vaga era uma excelente oportunidade de ver tudo muito de perto e no cotidiano real. O diretor não queria me dar a vaga, por ser para faxina, mas... Assim como minha insistência, lá no finalzinho dos anos 60, junto ao diretor da escola pública, apliquei a mesma tática por aqui, até que consegui o trabalho parcial e tive a oportunidade de contatar com diversos diagnósticos e mundos bastante diferentes em interação. Três meses mais tarde, o diretor me comunicou que eu assumiria a coordenação de um setor que deveria ser criado no complexo, dedicado a medidas de estruturação diária e (re)integração social de nossos pacientes. Montei o departamento, onde desenvolvo vários projetos até hoje.
Alguns meses após ter iniciado o trabalho na psiquiatria, fui convidada pela escola superior local a assumir a docência que mencionei no início. Assumi e, o trabalho na Psiquiatria, rádio etc., meus estudos presenciais já não seriam mais viáveis. Transferi-me à Fernuni, Universidade à Distância, em Hagen, onde tenho dado continuidade, aos trancos e barrancos, aos meus estudos. Que também interrompi para fazer algumas especializações em Psicodrama, PNL, entre outras. A última teve por inspiração alguns pacientes com transtornos alimentares e minha própria saúde. Precisava de uma formação abrangente nas áreas de alimentação e psiquiatria e foi o que fiz. A partir disto, estruturei o conceito que denomino “Tela Estrutural”, que aplico não apenas para distúrbios alimentares, pelo fato de ter me livrado de 65 quilos e pela demanda do tal “segredo”, mas a todos os aspectos da vida. Ainda neste ano iniciei uma série de workshops e retomei a universidade agora em outubro de 2016.
As diferenças culturais são imensas. A Alemanha passa por um processo bastante delicado, atualmente, quanto à questão dos refugiados. E nós, estrangeiros que já vivemos há mais tempo por aqui, não ficamos livres dos preconceitos e da hostilidade, embora não seria justo generalizar. O medo é um fator crucial neste cenário, entendo...
3) Para ficarmos, por enquanto na esfera literária, o que você enxerga como proximidade entre a literatura brasileira atual que você conhece e a literatura alemã também atual?
Seria leviano de minha parte expressar uma análise generalizante, já que não tenho acompanhado de forma bem meticulosa a literatura que tem sido produzida atualmente. O que posso dizer, no entanto, é que houve aqui, como aí, uma onda de biografias e romances históricos. Aqui a literatura atual se limita a uma produção dedicada mais claramente ao entretenenimento e não ao exercício de exploração estética, por exemplo. Na poesia alemã este aspecto se faz ainda mais claro. O que chega a irritar na poesia alemã é a linguagem óbvia demais, em detrimento do conteúdo e do teor estético da palavra.No Brasil, excetuadas as obras que me chegam, cuja qualidade literária se manteve ao longo de tantos anos, percebo um crescimento no mercado de obras históricas e filosóficas contemporâneas, o que considero de extrema importância ao desenvolvimento crítico e formativo. Em minha última viagem ao Brasil houve um fato recorrente que me espantou de forma bastante positiva. Em várias oportunidades verifiquei pessoas com livros nas mãos. Pessoas lendo em transportes públicos, por exemplo. Esta é uma semelhança de descrição de hábito. O alemão lê muito – especialmente no inverno, por ser um período em que se sai muito menos frequentemente de casa. O que me tem espantado (infelizmente, neste caso, não de forma positiva) é a decadência da qualidade das obras que leem. Devo mencionar, no entanto, que os preços em ambos os países são muito discrepantes. O livro, na Alemanha, em geral, tem um preço bem acessível... As livrarias, por aqui, estão sempre movimentadas e a oferta é avassaladora. O mesmo não se pode afirmar no tocante à qualidade literária do que se produz... Sinto muito, mas não me sinto em condições de me aprofundar de maneira mais adequada nesta comparação. Leio demasiadamente em meu dia-a-dia, mas há anos minha leitura tem-se limitado em grande parte à literatura técnica, científica, além da filosofia contemporânea. Os romances, em geral, são traduções comerciais de autores ingleses, norte-americanos entre outros, que não me têm motivado, sob a escassez de tempo na qual vivo.
4) E quanto às questões políticas, como você vê o momento atual? Estamos em franco regresso, ou o caso brasileiro é pontual?
Vejo a situação política de cada país é o reflexo do grau de negligência de cada povo. Não diria que estamos em franco regresso. Diria que estamos nos conscientizando de nosso papel na sociedade. O povo não pode “largar” o seu país nas mãos de qualquer um. Você não deixa de observar o trabalho de seus funcionários em sua própria empresa, quando tem consciência de sua própria responsabilidade diante de seu trabalho.
5) O que é o conceito “Tela Estrutural”?
“Tela Estrutural” é uma dinâmica de exteriorização de conteúdos subconscientes que, na maioria dos casos, somatizam e nos causam os mais diversos sofrimentos. Baseio a metodologia nos conceitos do psicodrama em interação com elementos de várias abordagens psicoterapêuticas e acompanhadas de conceitos neuropsicológicos, através dos quais se pode chegar à identificação da causa de determinadas enfermidades e de inúmeros transtornos.
Vale ressaltar que não apenas o cliente é beneficiado com o método, como também os participantes da dinâmica, que funcionam como telas nas quais se manifestam os sintomas, as “imagens” inesperadas, com as quais os agentes (“telas”) geralmente encontram-se igualmente em conflito. Trata-se, assim, de um processo eficiente a todos os presentes no grupo.
O conceito de “tela estrutural” está detalhadamente descrito no site que em breve disponibilizarei.
6) Você disse numa resposta anterior que a literatura alemã, para sua surpresa, a "literatura atual é banal, sem grandes surpresas possíveis”. Isso parece ser sintomático tanto na Alemanha quanto no Brasil e em outros lugares. O que acontece no mundo agora? Estamos vivendo a superficialização das relações, das ideias, dos questionamentos?
Nosso ritmo de vida atual nos bombardeia com estímulos externos e constantes de tal forma, que a maioria das pessoas tem deixado de lado o contato com o seu próprio universo criativo. Tudo o que precisamos saber está pronto, em alguma página virtual. Vamos lá e buscamos a informação. O restante, aquilo que poderíamos desenvolver intelectualmente, fica amortecido pela urgência de informações colhidas às pressas. Mergulhamos numa sociedade líquida, na esperança de nos reencontrarmos em alguma esquina de nosso ego desesperado.
No entanto, penso que este processo de superficialização nos socorre um pouco de algo que defino como “medo de si mesmo”. O processo criativo é infinitamente abundante sob a condição de mergulhos em nosso potencial interno. Fugimos deste universo interno, talvez de forma predominantemente inconsciente, por duvidarmos de nossa capacidade de nos descobrirmos imperfeitos. Fugimos daquilo que é nada mais que natural. Fugimos da descoberta de que somos seres incógnitos em vários aspectos. Permanecemos na superfície para nossa própria proteção. E recorremos aos relacionamentos que apenas se limitem a nos fornecerem uma certa medida do quanto somos “adequados” a este mundo líquido. Esta superficialidade reflete nossa preguiça criativa ou nosso medo de uma evidência incômoda? O medo de nos assumirmos únicos, diferentes, possíveis, nos acomoda e nos acovarda? Lembro-me de reações que provoquei em alguns trabalhos meus, lá no início dos anos 80. Os leitores, chocados, não se preocupavam em internalizar determinados conceitos contidos na estética da qual me servia. O choque semântico os prendia a uma necessidade de se protegerem de minha ousadia. Ousadia que nada mais era do que um convite à revisão de nosso comportamento frente a nossas necessidades humanas. Certamente as reações teriam sido ainda mais violentas nos dias atuais.
"Nossa geração praticamente não teve tempo de se adaptar a tudo o que se tem apresentado em nossa vida."
A convivência, hoje, se torna muitas vezes insuportável diante de nosso quase estado de letargia. Por outro lado, a tentativa de questionamentos nos pode resgatar desta letargia. Se tomo a iniciativa de perguntar àquele que considero meu contrário, de saber como ele pensa, sente, ama ou odeia, disponho-me a aprender outras perspectivas com as quais posso até continuar discordando, mas aprendo a definir os limites do que poderia considerar “a verdade”. Aos poucos tendemos a ampliar nossa capacidade de aprender o mundo do outro além de dicotomias. Ou nos posicionamos à margem de tudo e pagamos o preço de nossa arrogância. E adoecemos mais e mais. E mais cedo.
Minha percepção, no entanto, não significa que considere o mundo atual “um mundo perdido”, como se tem ouvido muito frequentemente. Simplesmente passamos por um processo de mutações, de revisões de valores e de posicionamentos habituais. E aí reconheço, em meu cotidiano profissional, o quanto o hábito nos capturou e nos tem adoecido cada vez mais. Sua pergunta reflete bem minha intuição a respeito de nossa disposição a reflexões sobre nós mesmos e sobre nossa interação neste mundo atual, que nos é tão desconhecido.
Nossa geração praticamente não teve tempo de se adaptar a tudo o que se tem apresentado em nossa vida. E esta geração que vemos crescer num cenário completamente acelerado também ainda não teve tempo de descobrir o que havia antes dela. E nos encontramos neste contexto, neste beco com saída, feito índio em primeiro contato com o branco. Este contraste apenas se repete, naturalmente sob outros cenários... Um primeiro choque, um olhar mais demorado, uma tentativa de contato. A interação é construída aos poucos. Também sob este aspecto vejo a história em repetição. Sob outro cenário, repito.
Vejo este momento como uma riquíssima oportunidade de aprendizados multilaterais. Quem tiver coragem suficiente de admitir seus medos, limites e solidões de si, terá mais condições de redescobrir a infinitude criativa.
7) O que você tem planejado para o futuro próximo?
Dar prosseguimento ao livro e aos vídeos referentes aos meus workshops, continuar meus trabalhos por aqui e levá-los ao Brasil, seguir com os estudos e com o Revista Viva e a divulgação da cultura brasileira.
No mais, planos geralmente encontram surpresas. Deixo-me surpreender.
8) Alguma pergunta que você gostaria que eu tivesse formulado? Algum tema que queria abordar? Se sim, por favor, faça e a seguir responda. Obrigado pelo carinho e interação nesse diálogo?
Obrigada pela adorável caminhada por alamedas do passado e do momento atual. Que possamos continuar em parcerias futuras e frutíferas. Foi realmente um grande prazer e uma honra. Você sabe o quanto o admiro e respeito. Sejamos, todos, insistentemente teimosos. E continuemos nossos passos. Flores.
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