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24.1.18

Um textículo: "narciso"


O espelho é um pêndulo: 
quando passa por você - viu? - 
não é mais sua imagem: dessemelhança

da série haicaos

22.1.18

Um textículo: "implosão"



é preciso perceber a soberania do silêncio
o grito absurdo do silêncio
acatar as ordens abusivas do silêncio

é preciso ouvir as múltiplas vozes do silêncio
é preciso dialogar com o silêncio

a falsa timidez do silêncio
o mármore do silêncio
a claustrofobia do silêncio
a dor aguda que o silêncio provoca

é preciso falar da atrocidade do silêncio
do mormaço devastador do silêncio
dos silêncios do silêncio

o silêncio diz coisa com coisa

20.1.18

Um textículo: "natural mente"


amar é a melhor resistência
amar é a única existência
potência insistência 
referência 
ir
reverência

amor é residência

17.1.18

Um textículo: "freud-se"


não me importo onde
não me importe onda
não me importa nada

o quê, quem, quando

sou 
outra riqueza
a for 
tu nada

você
pode importar
se
exportar
se
explorar
se
ser for
dar-se
também

14.1.18

A literatura perde o pensamento plural de Aricy Curvello

Aricy Curvello. Foto Adriana Goulart

A notícia na rede social me surpreendeu no meio de uma tarde fria de verão. Aricy Curvello tinha partido. Dos amigos em comum, quem mais trialogava com a gente era o Hélvio Lima, artista plástico conterrâneo do poeta e que vive até hoje em Uberlândia. O solícito e pesaroso Hélvio não só confirmou a notícia como deu alguns detalhes. Aricy falecera, depois de ficar algum tempo internado, acometido por uma doença fatal.

Poeta sensível e metódico, crítico perspicaz e leitor voraz, publicara poucas obras mas deixou um legado substancial: Os Dias Selvagens Te Ensinam (1979), Vida Fu(n)Dida (1982), Mais Que os Nome do Nada (1986),  Uilcon Pereira – No Coração dos Boatos (2000), 50 Poemas Escolhidos Pelo Autor (2008), além de inúmeras coletâneas e antologias, no Brasil e exterior. Também ensaista e tradutor, foi perseguido durante o regime militar, tendo inclusive se exilado do Brasil. 

Eu o conheci em 1999. Logo após o lançamento de meu primeiro livro de poesias, hardrockcorenroll, remeti-o a poetas e jornalistas para (quem sabe?), emitir uma opinião, fazer alguma indicação pra sei-lá-o-quê ou mesmo publicar alguma nota em algum jornal ou revista (há 19 anos, a internet engatinhava e não era mais que uma maneira simples e mais prática de correspondência). As trocas de ideias e publicações mais substanciais eram feitas via correio.

Por razões que não lembro agora, soube da existência de Aricy Curvello (devo ter lido alguma entrevista dele e gostado - era um dos critérios que adotei à época para decidir para quem mandaria um exemplar de meu livro), e remeti-lhe um. Não tardou e a resposta veio, com apontamentos, conselhos e notas críticas com as quais não estava habituado. Ele fizera uma leitura acurada de meu livro e não se furtou a ser objetivo em suas considerações. De certa maneira, eu sabia que meus poemas ainda "não estavam maduros" e qualquer conselho ajudaria de alguma forma. Em Aricy, encontrei um mentor com quem estabeleci diálogos sinceros e pertinentes.

Com o rodar dos anos, fomos gradativamente aumentando nossa correspondência, com uma intensa troca de revistas, livros e jornais. Assumo que esta afirmação é uma meia-verdade: na verdade foi ele quem me abasteceu esses anos todos, com material diverso, cuidando também para que tudo estivesse contextualizado histórica e artisticamente. Suas cartas - envelopes sempre rechonchudos – traziam sempre publicações que ele acreditava que pudesse ser de meu interesse, principalmente trabalhos voltados para a Poesia. Foi ele, por exemplo, que me aconselhou a me filiar à União Brasileira dos Escritores. Também foi por uma indicação sua que me tornei verbete da Enciclopédia Brasileira de Literatura (Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa, Global Editora, 2ª edição, volume 1, 2001, pg. 732). E foi ele quem me apresentou Hélvio Lima, que também é poeta e editor.  

E nossa amizade aumentava. Em certos momentos, o poeta se tornava um crítico duro e incisivo. Em outros, quase didático, "me pegava pela mão" e sugeria, com paciência e sensibilidade, caminhos que poderiam ampliar as possibilidade de um verso ou texto.

Em 2011, logo no primeiro ano de inauguração da Casa Amarela – Espaço Cultural, em São Miguel Paulista, realizei minha primeira intervenção no local, com uma exposição com os postais desenvolvidos por Hélvio. A originalidade da empreitada estava no fato de que o artista fez muitas telas baseadas em versos extraídos dos poemas de Aricy, para depois transformá-las em cartões que percorreram o Brasil e o exterior, levando a poesia inquietante do poeta para diversos lugares. A mostra, intitulada A arte postal de Hélvio Lima a partir dos versos de Aricy Curvello, ocupou o local durante três meses.

Além de poeta robusto, Aricy era ensaísta, tradutor e um ativo interlocutor da produção poética. Fez parte do Projeto Cultural Sur, (Cuba), foi correspondente da revista literária Anto (Portugal) no Brasil, integrou o Conselho Editorial da Revista do Escritor Brasileiro (Brasília, DF)

Nascido em Uberlândia, no triângulo mineiro, em 7 de Maio de 1945, Aricy residia há quase trinta anos na Praia de Jacaraípe, em Serra, Espírito Santo, quando nos deixou em 10 de janeiro de 2018, depois de um longo período de internação. Pouca gente sabia. Creio que praticamente só os familiares tinham essa notícia. A discrição de Aricy era proporcional à sua generosidade. Há uma grande expectativa de que Menos Que os Nomes de Tudo, uma obra que ele vinha burilando há muitos anos, estava pronta e que seja publicada em breve.

Com a palavra, a família.


A poesia de Aricy Curvello
“Às vezes”
o substantivo carece
de mais substantivos

o verbo de verbos
verbos de advérbios

as palavras fazem crescer o mundo
mas a língua não é a realidade
nem a arte se assemelha à natureza

criam outra
realidade que expande a realidade

(às vezes)
              no branco da página
( Mais que os Nomes do Nada, 1996)

“Outra vez”
Sempre estamos a reconstruir.
Estamos sempre recomeçando
num caminho que se destruiu

sempre se destruindo ainda.

As coisas feitas, mais que perfeitas,
duram apenas a construção
no instante: vamos adiante.

( Mais que os Nomes do Nada, 1996)
Aricy Curvelllo. Foto Facebook AC

Aricy Curvelllo. Foto Facebook AC

 O chão que a gente pisa - I / Tela de Hélvio Lima com versos de Aricy Curvello (Medalha de Ouro (1° Prêmio) no IV Salão Internacional de Artes Plásticas / Proyecto Cultural Sur, 2001, Teatro Nacional, Brasília/DF) Foto: arquivo HL
Fac-símle de poema publicado em vida fu(N)dida




13.1.18

Projeto "Minha Literatura, Minha Vida" - Como foi?


Manhã de sábado fodástica, hoje, ao lado de grandes parcerias, com muita troca de ideia, sarau, grafitagem, banquinha de livros e exposição, dentro do projeto Minha Literatura, Minha Vida, capitaneado pelo escritor e ativista Sacolinha
Ouvimos e falamos de literatura, história, política e ativismo cultural, recitamos poesia no atacado, vimos o Vander Che fazer uma magnifíca repaginada num trecho do muro interno da Casa de Cultura do Parque São Rafael, além de curtir o varal de poesias do Akira Yamasaki e as fotos pin-hole oriundas de uma oficina comandada por Xicâ G. Lima
Foi lindo!
Apesar de tantos atrasa-vida, apesar dos tortos, apesar dos tontos, apesar dos tiros, vâmuquivâmu, seguimos no rumo do Sol.

Foto Thina Curtis (Arquivo Fb)



texto Escobar Franelas
fotos Escobar Franelas e Thina Curtis


12.1.18

Projeto "Minha Literatura, Minha Vida"

A imagem pode conter: 1 pessoa, texto



Mais ou menos em 1982, 83, 84, eu e alguns chegados saíamos do Jd. São Pedro para ir ao centro de Guaianases, na biblioteca Cora Coralin(d)a, para ver o ensaio de um grupo teatral que ocupava o espaço. Era o nosso passeio de quintas. Fora disso, necas de pitibiriba de qualquer atividade cultural ou artística na região. As outras opções de diversão para nós, moleques pobres e periféricos, eram os campos de futebol da quebrada ou as calçadas e terrenos baldios onde empinávamos pipa, jogávamos taco e bolinha de gude e rodávamos pião.
O tempo deu um salto generoso e hoje temos uma infinidade de atividades acontecendo nas quebradas. Não faltam opções. Se você procurar, vai encontrar alguma ao seu gosto. E o melhor, muitas são "na faixa", gratuitíssimas.
Sábado por, exemplo, estarei com a brodagem numa série de atividades intitulada Minha Literatura, Minha Vida, coordenada pelo Sacolinha! Lá na Casa de Cultura do Parque São Rafael, na zona leste.
Então... bora lá?! Se pá, a gente se encontra lá!


Escobar Franelas

11.1.18

Um texticulo: "az"


Pouco tempo depois, na cidade de Az, uma senhora começou a ter convulsões. Pouca gente teria se importado se sua irmã, que morava longe, não tivesse falado à boca pequena que Nevinha (era esse o nome da doente), nunca tinha tido doença alguma. 
Só então os vizinhos se deram conta de que realmente nunca tinham visto aquela mulher prestativa e calada, sempre disposta a ajudar as pessoas menos afortunadas, nunca se queixara de uma dor de dente sequer. Dona Fortunata, a vizinha à esquerda, foi mais longe e lembrou que "Neve acho que nunca nem foi a um dentista, nem a um posto de saúde". Sua fala parecia ser um misto de surpresa e desalento. 
Seu Ugo, o vizinho do outro lado, bonachão como sempre, foi ainda mais longe e citou com uma pontinha de desapontamento que nunca vira ela ir nem na farmácia. Ninguém talvez tenha notado, mas uma ou duas pessoas fizeram o sinal da cruz disfarçadamente.
Az é uma cidade encravada entre montanhas num pequeno vale cuja importância está em servir de rota para caminhões e ônibus que vão de Itaguases a Vale Forte e San Escobar.
Az não tem fronteira. Nem propriedades. Nem autoridades. Nevinha foi a única doença do lugar.
Morrer em Az exige muito da imaginação falível das pessoas. A cidade do eterno retorno é mordaz.

9.1.18

Um textículo: "horário de verão"


Sentado à mesa, ele espera. Olha o relógio: oito e meia.
Os pratos estão lá, os talheres também.
A fome chegou faz tempo.
A garrafa, a postos. E também a música. Os castiçais. As velas.
Olha o relógio: oito e trinta e dois.
Levanta-se, vai ao banheiro, à porta da rua, à sala. Senta no braço da poltrona.
Oito e trinta e seis: retorna à cozinha.
Abre a garrafa, bebe no gargalo.
Solta o nó da gravata: seca a garrafa.
Nove e vinte e sete: soa a campainha.
Ele ronca no sofá.

3.1.18

Um textículo: "estados de guerra"


engana quem diz que saudade é um estado de paz.
melhor não confundir os estados de quietude.
saudade é uma das linguagens mais pungentes da vida.
paz é uma das mais corretas traduções da morte.