o poema me pediu
uma autobiografia.
recitei:
sou a soma de todos os semáforos
que atravessei no vermelho no meio
da madrugada ou em frente ao guarda
todas as vezes que trafeguei na contramão
as conversões proibidas
a velocidade acima do permitido
e a multiplicação das encruzilhadas
onde me perdi
sem dividir isso com mais ninguém
tampouco subtrair os erros deambulantes
"poema, você que me pede essa autobiografia
deveria saber que sou abstrato
líquido disforme
alma dissonante. dentro de mim
bate esse corpo autoerrante
aqui tem um coração, e nele
todas as razões do mundo
para me jogar em seus braços
me arrastar a seus pés
me prostrar de joelhos
e falar que pra você confesso tudo
que pra você eu digo tudo
mas ainda assim não sou eu
não é o todo de mim que se declara aqui
poema, te amo
mas mesmo assim
por mais sincero que seja
você sabe que minto
você sabe onde eu minto
e mesmo assim, você sabe
- só você sabe - o que não sei
mas sinto"
o poema me pediu um poema
dediquei a ele esses rascunhos
"creio que você entende essa incrível
saudade da rima
essa paixão pelo ritmo
a devoção pelas imagens
mas você, poema, sabe, sabe muito
de minha inveja
de compositores, de artistas
sobre como transformo o teclado,
as folhas do caderno
num palco
e atuo pra você
poema, tenha dó dessa alma
cercada de corpo por todos os lados
poema,
tenha dó de minha falta de sentido
tenha dó do meu excesso de sentidos
tenha dó de eu não fazer sentido"
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