tem dia do escritor
dia da poesia,
do poeta, do editor, tradutor
dia da leitura
penso com meus zíperes
a morte final virá
quando inventarem o dia do amor
tem dia do escritor
dia da poesia,
do poeta, do editor, tradutor
dia da leitura
penso com meus zíperes
a morte final virá
quando inventarem o dia do amor
a dama da noite enamorada
não podia dar um bicho
(ou um homem numa gaiola)
de presente para a magnólia
borrifou no ar o seu cheiro
e ofereceu à amada
extasiada e envaidecida
a outra retribuiu o gesto
contratou um morcego express
e ofertou-lhe um prato de mel
subindo pelo teclado
subindo pela fibra ótica
subindo pelas paredes
da série haicaos
a onça
a pele da onça
a segunda pele da onça
a transparência da pele da onça
![]() |
A liberdade guiando o povo (Eugène Delacroix) |
essa sua incrível dificuldade de
defender a felicidade
sem depender da permissão de ninguém
nenhuma bandeira transmite emoção
se não estiver ao vento
lembra?
urubus ao vento esperam a morte de alguém
para se alimentar
lembra?
sempre à beira do abismo
eis a hora do voo
lembra?
um livro chinês nos estados unidos
se não for traduzido, uma pedra polida
não lido: pedra lascada
lembra?
gatos que dormem em cima do muro
caem para algum lado
essa sua incrível dificuldade de
estender a felicidade
sem depender da permissão de alguém
para
tudo que você está fazendo e vem
agora
não é tempo de colecionar pedras insignificantes
ou consultar dicionários empoeirados
nem oráculos ou elfos
agora é hora de ir às pedras com outras finalidades
pegar poemas de revolta
os poemas-manifesto, os poemas feitos de sangue
da fome, seiva e suor
e socar e sovar sovar e socar
até não ser mais que um poema pronto
puro e a ponto de ser reescrito comido bebido
agora é um tempo dos que não têm mais tempo
a esperar
agora não é mais a hora de erguer monumentos
à fome
é hora de combater a fome, comer a fome
lamber lágrimas com a língua
com lenços com o dorso das mãos,
com o resto de pano de bandeiras encardidas
para tudo o que você está fazendo
e vem
agora é o dia do pós-mártir
aquele que ora de olhos abertos
medita sob o mantra das rajadas
das metralhadoras de seus inimigos
dorme com seus olhos abertos
a boca fechada
os ouvidos atentos
agora aqui hoje
não é dia de exercitar sua revolução burguesa
compor hinos em louvor ao herói vencido
rabiscar poema de contemplar a ação
e levar amantes a motéis
não é a hora de escrever epitáfios
não é momento de muros de lamentações
ou murros
(o corpo a ser oferecido hoje
é o de sobrevivente)
avia a receita para a fé posta
crês?
sentes?
nada ex-vazia nada clemente:
essa fé em que crês e sentes, tu gostas?
ou só aceitas reverente?