Pesquisar este blog

29.11.25

Um textículo: "vaticínio"

 tivesse nascido em divinópolis
seria talvez escobar dos prados

nascer em divinópolis
(o nome assim o diz)
é uma predição, bendição
mais que isso, essa rima: bênção

nascer em divinópolis é ser poesia
desde antes de pousar no útero
ser fecundado de um amor improvável
sempre amor sempre improvável

nascer dói viver dói amar dói

nasci em itaguases, fronteira com macondo
meio caminho para wakanda
vizinha a liliputh, éden, cidade de deus

 


 

28.11.25

Um textículo: "mitologias e semiologias"

| caça-palavras | tornozeleira | solda |
| marmitex | vômitos | soluços |

{a perna pelada}
[a taquara rachada calada]
(a primavera domiciliar)

a boca aberta, duchamp!
as palavras cruzadas, tzara!




23.11.25

Um textículo: "o ruído derruído"

p/ girlene verly 


silêncio: meditação de poeta

silêncio: ronco de poemas

sendo produzidos

silêncio: antecâmara do big-bang

: o tudo preenchido de vazios

após o fim







22.11.25

Um textículo: "rubrica"

os estados unidos da américa

tocados pelos nobres ideais 

que movem a democracia

e os estados unidos do brasil

levados pelo mesmo sentimento

de seu irmão do norte

impediram o poeta de dizer não


a mão da liberdade pesa

pois o olho descoberto da justiça é cego

e já que é proibido proibir

impedir o permitir torna o todo igual 

numa inédita rotina vária

os estados unidos de qualquer lugar

são uma mesma república 

de ser o que não se é

e servir a quem não se vê


e seus poetas são etês professando fé 

nessa deusa improvável 

e demoníaca, a poesia




20.11.25

Um trexticulo: "micrônicas III"

 E se tudo for morte e a vida não existir? O que serão esses pequenos fulcros do cotidiano? O orgasmo à uma e dezessete da madrugada será o céu? O campeonato na última rodada, o flerte na fila,  os livros do Cortázar, Hirondina e Zimborska?
Bastardos Inglórios? O filho nascido, o doutorado aprovados? Esses pequenos resumos são o quê?
O que será o céu, aonde estará o paraíso, como celebrar o prazer? Num poema de Drummond? Três versos de Bashô? Ou o abismo de Clarice? Está numa moldura no Louvre? Ou num divã em Viena? Na borboleta numa manhã de sol? O que é o Sol?
E o que será o inferno? A primeira broxada? Ou a última? A derrota por goleada? A Peste e outras pestes? A panela vazia ou a queimada? A cova mais funda ou a rasa?
E essa seda carbonizada, essa mente evaporada, o que é, o que serão?

 


 

15.11.25

Um textículo: "fome do outro"

a metade da laranja
não é este corte certeiro no limão
nem o coração exposto
do morango
a casca plástica da maçã
o avesso do maracujá
ou o falo da banana
 
senhoras
senhores
a outra metade da laranja
é um espelho
com sumo
 

 

13.11.25

Um textículo: "micrônicas II"

 Bar do Cantídio, oito e meia da manhã. Cena: um homem toma café e mastiga um pão de queijo em pé, junto ao balcão. Outro, mais jovem, está sentado em uma mesinha de lata, atento ao celular. 

Entra um velhinho.

"Bom dia, Cantídio! Choveu essa noite, hein?"

"Bom dia, Garnizé! Ôxi, e como! Molhou até pensamento... vai querer um café?"

"Alagou tudo lá embaixo. Me dá um. Não não não! Melhor não, hômi. Comi um trem ontem que me deixou meio empachado até agora. Melhor uma latinha. Aliás, pensando bem, dá uma amargosa, pra rebater esse engrulho aqui."

"Fiquei sabendo. Branca? Ou amarela?"

"A água ainda nem baixou. A Branca perdeu tudo! Dá uma amarelinha."




12.11.25

Um textículo: "lápide"

 fazia poesia

como quem faz solos de jazz:: 

sem regras sem réguas de rimas

dizem que fazia poesia

como quem se entrega

às declarações de uma flor

ao olho seco do sol 

à vertigem do vento

à voragem das palavras

ao abismo das palavras


fazia-se poeta

como quem finge 

ser outro ser


fazia poesia

hoje jaz






10.11.25

Um textículo: "micrônica 1"

 Era uma casa velha, com alpendre caindo, janelas esburacadas e teto comido por cupins e umidade. Ainda está lá, agora reformada, modificada, reerguida, com as linhas simétricas e retas da arquitetura contemporânea. O erro é meu, reconheço, perdido em afetos, nas lembranças dos anos pretéritos. Era uma casa velha e somente agora a vejo e bestializado, descubro que era apaixonado por aquela que não é mais. Não há mais. Sou apaixonado pelo que foi.
E da varanda envidraçada desse momento percebo uma piscadela sutil, irônica, sediciosa, me convidando a redescobri-la, sob a cortina estampada que dança suavemente à luz do sol de uma tarde que se esvai, e logo será outro passado, outra memória, uma esperança dirigida para trás. O vento flana e consigo distinguir seus silêncios de senhora impessoal, perceber suas entranhas monocromáticas de poucos móveis, as linhas fálicas de seu desenho frio, o desejo de ser nobre, quase
 elegante; elegante, de uma frieza quase rude. Enquanto o amanhã não chega e tenho dificuldades em entabular este flerte,  curto com pudor a velhice de ontem ameaçando o porvir.
O amor é extático.

 

 


8.11.25

Um texticulozinho: "fase"

 Cheia de si, a lua se viu no mar, estranho espelho que estilhaçava e rejuntava seu rosto de luz.

Embriagada, mergulhou seu olhar dentro das águas salgadas. 

Voltou sem se molhar.

 


 

4.11.25

Um texticulozinho: "eu sol você"

 dissolver você
essa pinta, essa boca, essas unhas 
esse espelho - olhar de só ver você
 

da série haicaos