* Aqui a continuação da conversa que tive com Ernani Baraldi em junho último, durante a 3ª Invernada, em Sacramento, MG. Neste momento, ele fala de sua paixão, a fotografia, e de como ela orbita em torno da "antropologia visual", do maracatu e do grafite, os temas mais recorrentes de sua pesquisa. Também discorre sobre suas andanças em São Paulo, e o retorno até Minas.
(Ernani discorrendo sobre suas experiências fotográficas e em produção cultural)
(Maracatu e grafite)
Eu fotografava o Bloco de Pedra (grupo de maracatu), e lá encontrava outros fotógrafos. Observava como pegavam na câmera, na lente. De longe eu bato o olho e vejo se o cara está usando no manual. Por ex., hoje (nota: durante a 3ª Invernada), tinha aqui uma mulher que estava acompanhando o professor que estava na mesa. Olhei e pensei, personal coaching, assessora de imprensa, o que será que essa mulher é? Observei do jeito que essa mulher pegava na câmera, ela não sabe fotografar. Tudo no automático e segurando assim (simulando um pêndulo). Câmera é uma arma, você tem que segurar assim – sabe um fuzil? – eu sempre imagino que estou com uma arma na mão, e o clique é o tiro. Só que eu imagino que estou com uma arma na mão com duas balas. Então tenho que dar um tiro muito preciso, pra não ficar gastando munição, porque, quanto mais você dispara, mais o seu obturador vai sendo gasto. É igual motor de carro, vai chegar um ponto em que você vai ter que fazer revisão. Depois seu carro não agüenta mais revisão, tem que passar pra frente. Essa minha vivência com o analógico foi interessante porque aprendi a técnica.
(Personalidade própria, mas herdada)
Meu avô faleceu em Rifaina em 1994. Eu senti muito a perda dele, tinha 18 anos, ele era como um pai. Minha mãe fala que eu sou meio sistemático, tenho algumas coisas comigo que é do meu avô. Quando eu vejo uma coisa errada dentro de casa, eu não falo, fecho a cara, fico calado. Só que esse é o sinal – minha mãe conhece – de que alguma está errada. Ele fica especulando, e então eu descarrego, não maltratando ela. Falo “é isso, isso, isso...”
(Percursos profissionais)
Trabalhei 5 anos com meu avô, carregando tijolo, sempre estudando à noite. Tinha um médico na cidade (meu tio foi prefeito), que era amigo da família, era o médico de meu avô, e ele falou com minha mãe, “deixa eu levar o Ernani comigo, ele vai estudar em Uberaba”. Fui com ele, tinha 17 anos, passei no vestibular de Ciências Econômicas, só que não me adaptei, primeira vez fora de casa, voltei. Só que fiquei desempregado, porque não queria carregar tijolo, fui trabalhar de frentista, depois num supermercado, onde fiquei 2 anos. Nesse período, passei no vestibular de Administração de Empresas, com habilitação em Comércio Exterior, em Franca. Nesse período eu namorava com a Fernanda.
Comecei a trabalhar na obra de um hotel, aprendendo várias coisas diferentes, a faculdade me dando suporte. As pessoas falavam que eu tinha o dom da persuasão, da conversa, cativar: “você chega aqui e em meia hora você já fez amizades com tudo mundo...” Sei lá, isso acho que veio da minha mãe, ela é assim, popular na cidade, sai andando, conhece todo mundo, faz caridade por amor mesmo.
Fui trabalhar nesse hotel, apareceu uma empresa de SP querendo administrá-lo. Conheci o dono dessa empresa, que era uma agência de turismo. Ele foi conhecendo o meu trabalho no hotel e convidou para trabalhar pra ele. Eles arrendaram o hotel, então deixei o hotel e fui trabalhar na empresa, em São Paulo.
Seis meses trabalhando e ele me levou para Ribeirão Preto, isso em 99. Trabalhando em Ribeirão Preto, dois meses depois fui pra São Paulo, com um cargo executivo. Tinha 24 anos na época, estou com 36 agora.
Os clientes eram escolas, ia lá, fazia reunião com os pais, e vendia o pacote para o hotel. Disparei, sempre batia as metas. Durante seis anos fui o melhor representante da empresa, vendia 600, 700 mil reais. Foi a época em que ganhei uma graninha.
(Autoconhecimento: Machu Pichu)
Viajei pra fora, investi em mim. Peguei a mochila, fui pro Peru, desci, fui pra Machu Pichu. Se você for pra lá, você vai pirar! Tudo isso faz refletir muito, cara!
Quando o pessoal vai pra Cuzco, tem a trilha inca, que é uma trilha de 4 dias, a oficial. Eu não fiz essa oficial, fiz uma outra que é mais aventura ainda, são 5 dias. Ao invés de ir pelo caminho em que você encontra ruínas, encontra vilarejos em que encontra sítios arqueológicos, a única que eu consegui comprar no meu orçamento. Cinco dias passando uma montanha, a trilha passa no meio, a gente chega a 4600m de altura. Uma friaca do caralho.
Fui sozinho, coloquei a mochila nas costas, fiquei na casa da amiga de um amigo meu, que me apresentou pelo MSN, eu trocava idéia com ela, falei “tô indo praí”, vou fazer um rolê no Peru, na Bolívia, e ela falou “vem pra Lima e fica aqui em casa”. Fiquei 3 dias, curti pra caramba, tem coisa bonita lá, as igrejas...
Cheguei em Cuzco, encontrei uns brasileiros, que estavam em um sítio arqueológico. Eu ouvi falar desse rolê que eles iam fazer, e me indicaram, o cara me ligou, saímos. Nosso grupo de 16 pessoas na trilha tinha 5 brasileiros, comigo; 4 israelenses, 4 franceses, e mais um pessoal que eu não lembro de onde eram.
Eu me comunicava em espanhol. Em inglês, eu leio mas não consigo dialogar. Eu falava em espanhol com a israelense. Ela falava 5 idiomas, trabalhava num site. Inteligência, sabe? Lá (em Israel), todo mundo é obrigado a ir para o exército. Depois disso eles têm um ano sabático, então eles ficam viajando. Interessante a cultura deles.
Isso que é bacana, porque é uma troca de conhecimento fantástica, o encontro da cultura local, daqueles índios falando quíchua, aimara, no meio das montanhas, do mato, e a troca com essas pessoas de outros países.
Quando eu conheci essa menina de Israel, fiquei apaixonado por ela. Os brasileiros ficavam me zuando na trilha, falando que eu era gay, porque eles achavam que a menina estava dando moral pra mim, só que a voz da minha mãe falando “respeite a filha dos outros”, aquela historinha que eu contei da herança materna, vinha na minha cabeça. Eu não estava lá pra ficar fazendo dança do acasalamento. Eu não tava lá pra fumar maconha e ficar bebendo. Eu tava lá por mim.
Tanto que no último dia, na última cidade antes de chegar em Machu Pichu, o único cara que beijou alguém foi eu. Porque o tempo todo a gente foi se conhecendo, rolou uma paquera, e o último dia de trilha a gente... Aliás, ela me fez refletir muito, porque eu levei uma camerazinha pequena, e tudo aquilo que ouvi, me fez despertar mais ainda o interesse pelas relações humanas, pelo social. Então, talvez isso se reflita hoje, falando isso, olhando pras fotos (os painéis da exposição Fotógrafo Urbano, no Parque Náutico da Jaguara), vai reconhecer essa sensibilidade mais humana.
(A volta ao Brasil)
Quando voltei pro Brasil, decidi que iria comprar os equipamentos digitais, que até então fotografava só com equipamento analógico. Comprei equipamentos usados, de uma amigo meu, e comecei a sair. Pegava o carro no fim de semana, ia pro centro de SP, todo mundo enchendo meu saco no escritório, “cê tá louco, vai pro centro?”.
Sempre fui sem a encanação de ser assaltado, comecei a fotografar o centro, fotografava mendigo na rua, criança cheirando cola, e assim algumas fotos que era críticas, como por ex., a capa da (revista) Ounão que tirei como reflexo do Tribunal Regional, tipo, pra mim é como é visto o meu voto, tudo ao contrário.
É engraçado, porque foi de um rolê que dei no centro e daquela foto tem uma seqüência de outras, de pessoas, personagens, a cidade de SP é um cenário constante. O tempo todo você tem ali aquela cultura viva. Para quem gosta de fotografia e audiovisual, SP é fantástico.
Aquele prédio, Altino Arantes, o prédio do Banespa, eu já subi lá não sei quantas vezes, umas 15. Quando eu ia ao centro, às vezes visitava um cliente e depois ficava lá a tarde toda. Só pra curtir, e nem fumava maconha nessa época. (rs)
(continua)
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