Estive no
Ninguém Lê pela primeira vez no mês passado. Fiquei apaixonado pelo projeto.
Voltei agora, desconfio que voltarei muitas vezes.
Ocorrendo no
espaço Hussardos, na Praça da República, zona central da Sampalândia, tod
primeira segunda-feira de cada mês, o Ninguém Lê é uma roda informal de debate
sobre uma determinada obra literária. O que chama atenção – e talvez aí resida
o ineditismo e a beleza da proposta – é que: a) autores convidados são preferencialmente
de fora do meio midiático; b) os interessados em participar da roda para o
próximo mês recebem gratuitamente dos organizadores um exemplar da obra que
será discutida; c) a informalidade dá o tom na conversa, fazendo com que o papo
seja fluido, gostoso e sem erudições desnecessárias.
Neste 4 de
agosto último, a obra a ser dissecada era “devolva meu lado de dentro”, da
poeta e artista visual Sinhá. A rapaziada que dirige o evento, Ni Brisant (do
sarau Sobrenome Liberdade, no Grajaú) e Victor Rodrigues (do projeto Praga de
Poeta), iniciou o encontro com a leitura coletiva de alguns dos poemas do livro
e após isso, iniciou-se um longo e delicioso diálogo entre platéia e artista.
Indagada sobre
porque seus poemas não têm títulos, ela afirmou, “muitas vezes leio um título e
pareço já saber o que vou ler. Prefiro deixar o poema falar por ele mesmo”. Em
outra revelação, ela disse gostar da idéia de que a pessoa que lê seus poemas
sinta que ela fala diretamente para este leitor. “Eu escrevo desde muito cedo”,
disse, “estudei numa escola que sempre priorizou isso. Minha professora também
ajudou muito, meu pai sempre me contou muitas histórias e eu sempre gostei
muito de escrever”, complementou.
Simpática e
serena, ainda assim Sinhá não abre mão da contundência e da coerência.
Retorquindo uma questão trazida pelo público sobre a função da poesia,
desconversou afirmando que não crê em funções na arte, só em sentimentos. Em
dado momento, assumiu que às vezes lê um livro inteiro e não grava nada. Em
outras situações, lê um verso e este fica gravado para o resto da vida. Em
outros momentos, provocou sensações poéticas profundas como quando afirmou,
“tenho o sono leve. Às vezes estou sonhando e parece que estou inventando o meu
sonho”.
Explicando a
separação que faz entre o ato de grafitar e o de escrever, Sinhá sentenciou
que, apesar disso, seu livro não tem ilustrações porque ela entendeu que ali as
letras se bastavam, “sou muito apaixonada por palavras”, sentenciou.
A poeta que
grafita e a artista plástica urbana que escreve são, na verdade, uma só pessoa.
Múltipla e calma, corporal (como referenciou Victor Rodrigues) e líquida (como
reconheceu Ni Brisant em certo momento), objetiva e abstrata, Sinhá desconstrói
com clareza incomum os chavões de quem tenta enquadrá-la. Quando, por exemplo,
é provocada a explicar seu heterônimo, ri com ironia sutil mas explica
sucintamente, “quando em São
Paulo comecei a grafitar, assinava meus trabalhos como Colcha
de Retalhos mas passaram a me chamar de Colcha. Eu não queria. Depois veio
Sinhá Nega, que era muito grande. Só então comecei a usar Sinhá. Mas aqui a
politização é bem grande e já até me perguntaram porque eu tinha o nome do
opressor”.
Para ela, o que
vale, no entanto, é que as relações sejam profundas, “observar as pessoas,
pegar nas mãos, tocar, dialogar”. Martelando na cabeça a não banalização da
palavra amor, ela nos envolve com sagacidade na mesma teia. E todos acabamos
realmente devolvendo (sempre) o lado de dentro. Para quem realmente se importa
com a gente.
“no meu peito
não tem miséria,
é carne farta
de coração.”
(Sinhá em, “devolva meu lado de dentro”, p. 26)
Escobar Franelas
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