“Fruta”, de Daniel Lopes, é um
romance que se insere com certa facilidade entre os cânones estreantes da
literatura brasileira praticada nesse início de século XXI. O texto, otimizado pela
constante analogia entre a idéia de fruta e todos os elementos que a compõe
(cor, vitamina, gosto, saciedade), faz com que estes elementos essenciais
cumpram, no livro, a mesma importância que o alimento tem.
Utilizando recursos narrativos que lembram Rashomon, clássico
cinematográfico de 1950 do diretor Akira Kurosawa cujo enredo é construído a
partir das versões díspares e conflitantes de vários personagens, Daniel Lopes
também elabora seus pastéis com o depoimento de quatro depoimentos: Matheus,
que gosta de Clara; Clara, que gosta (e às vezes desgosta) de Matheus; de
Fátima – tia de Clara – que, cega, tudo vê com clareza cristalina e Jude, o
filho de Clara, que une os três personagens em torno de si. O que diferencia a
prosa esperta do autor em relação ao mestre japonês, contudo, é um certo ar
impressionista em sua composição, com histórias de capítulos curtos, cuja
gradação permite uma construção imagética linear do mundo pulsante que estamos
lendo, vendo e observando. Isso faz com que a leitura flua, flutue em torno da
gente, enquanto caminha para um fim, determinante e deslumbrante. Digo mais, um
fim elegante.
Se vale outra comparação um tanto ousada, muito temerária e talvez desproporcional,
a obra deste autor está inserida numa linha textual próxima à narrativa de
Clarice Lispector. Esta ilustração apenas reforça uma localização tempo/espaço,
usando como referencial o principal vetor da literatura introspectiva que temos
no escopo nacional. Se a rotulagem, porém, traduz uma idéia genérica demais, ao
mesmo tempo pode nos indicar por onde trafega este escritor denso, irônico e
substancioso, que domina os quadrantes de sua arte.
Daniel Lopes burila seu texto com coesão (“Deus criou o homem à sua
imagem e semelhança e o homem criou o espelho”. p. 176), deboches metalinguísticos
(- Mas como? Isso faria do crítico artista? p. 75), lirismo exarcebado (A
felicidade é uma visão aterradora. É preciso muita responsabilidade para ser
feliz”. p. 84), ironia pop elevada à décima potência (“Um som de violino
começou a rolar baixinho num canto e então o poeta-surrealista-acadêmico Bráulio
Spiller entrou voando feito um balão pela janela. O ego inflado, o corpo todo
estufado, assemelhava-se ao Zepellin”. p. 74) e uma destreza algo filosófica
que permitem aprumadíssimas sensações (“Antes, existiam dois mundos, o de
dentro e o de fora. A princípio o mundo de dentro era pequeno e de fora,
imenso. Aos poucos, o mundo de dentro foi crescendo e o de fora diminuindo. Até que chegou o
momento em que achei que podia viver dentro de mim. Só então Deus tirou minha
visão”. p. 22).
Ao finalizar a leitura, fiquei com a vontade de voltar ao início e
reiniciar tudo, tarefa que de fato fiz. Assim, fui redescobrindo pequenos
detalhes que tinham fugido à primeira compreensão e me permitiram novas
descobertas neste texto visceral e contagiante. Essas descobertas, claro,
levaram a prazeres inéditos que com certeza se perpetuarão quando empreender
uma terceira leitura.
Escobar Franelas
Romance: Fruta
Autor: Daniel Lopes
Páginas 191
Editora: Terracota (www.terracotaeditora.com.br)
Ano: 2013
Orelha: Paulo Scott
Revisão: Luciana Reis
Contato: danielopes26@yahoo.com.br
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