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24.9.14

Resenha - livro "A Viajante do Trem" (Andréia Gonçalves Garcia)


“A Viajante do Trem” – Andréia Gonçalves Garcia

A rotina pode ser massante. Na maioria das vezes, é assim que nos sentimos em relação ao dia-a-dia, principalmente quando fazemos algo por pura necessidade. Há aqueles, porém – artistas, visionários, profetas, descolados em geral – que aprendem a extrair do caldo monótono da rotina o líquido vital que retroalimenta os dias. E a rotina, que era pra ser desprezível, dura, seca, fria e em preto e branco, torna-se morna, um pouco colorida de tons pastéis e até alegre, em dados momentos. Com o tempo, pode até não ser desejada, mas pelo menos é aceita, mesmo que no tapete frio da ironia.
Ler “A Viajante do Trem”, de Andréia Gonçalves Garcia, está dentro do escopo disto que comento aqui. As crônicas que ela escreveu para esta obra, leves e bem humoradas, falam sucintamente da experiência de depender do trem em seus deslocamentos diários. Posso falar com um pouco de clareza sobre o livro, percorro todos os dias quase o mesmo caminho que ela faz. Quer dizer, as situações que ela retrata, conheço de cór e salteado. E, assumo dizer, muitíssimo bem escritas.
Sensível, a escritora foi notando fatos e juntando histórias, depois retratou-as em um blogue que criou para este fim. O retorno dado pelos leitores animou a escritora nascente e então “A Viajante do Trem” tornou-se um livro, obra que impressa, impressiona pela descrição cristalina e um pouco “alegrinha” sobre o rotineiro ir e vir nos vagões sempre abarrotados de gente. Hilária, Andréia fala da Síndrome do Trem Chegando (STC), doença que gera taquicardia e maus modos em todos que são acometidos por ela. Em muitos casos, mães são homenageadas mais que as de juízes de futebol e até mortes trágicas já foram registradas por conta deste mal do século 20 que e arrasta-se para este novo século, sem que haja cura prevista pelos pesquisadores do assunto.
A autora também faz comentários pertinentes sobre as “pessoas tartarugas”, um tipo fácil de encontrar (e de se esbarrar) nas conduções diárias, e que normalmente é do século masculino e com menos de 40 anos. Como pode ser notado, é uma doença reversível essa de deixar as mochilas nas costas, que na maioria dos casos é corrigível com a maturidade. A sabedoria do tempo quase sempre produz este e outros milagres, como o da diminuição do número de “deejays” conforme a idade aumenta. Assim, é possível perceber que o Bailão do Trenzão, descrito logo na primeira crônica, quase sempre é proporcionado por jovens “sn” (sem noção). Mas como toda doença também tem suas exceções, há um grupo que, paradoxalmente, quanto mais velho, mais gosta de clamar a muitos para que adentrem seu pelotão - sigo, seu bailão - mesmo que a contragosto da maioria sonolenta: os crentes chatonildos, que, na ânsia de propagar sua fé, esquecem do princípio básico da lei da convivência, que é o respeito à fé dos outros.
Bem, estes e outros enredos estão todos lá, descritos com leveza e cuidado por esta autora iniciante que acerta a mão logo na primeira cartada. E, se for possível, leia o livro esmagado pela turba apressada numa manhã qualquer numa dessas estaçõezinhas da periferia. Ler “in loco” vai ser a síntese perfeita dos acertos dessa escritora.
Mais sobre a autora:

Escobar Franelas


Um comentário:

Enide Santos disse...

Maravilha como sempre amigo!