“A Viajante do Trem” – Andréia Gonçalves
Garcia
A rotina pode
ser massante. Na maioria das vezes, é assim que nos sentimos em relação ao
dia-a-dia, principalmente quando fazemos algo por pura necessidade. Há aqueles,
porém – artistas, visionários, profetas, descolados em geral – que aprendem a
extrair do caldo monótono da rotina o líquido vital que retroalimenta os dias.
E a rotina, que era pra ser desprezível, dura, seca, fria e em preto e branco,
torna-se morna, um pouco colorida de tons pastéis e até alegre, em dados
momentos. Com o tempo, pode até não ser desejada, mas pelo menos é aceita,
mesmo que no tapete frio da ironia.
Ler “A
Viajante do Trem”, de Andréia Gonçalves Garcia, está dentro do escopo disto que
comento aqui. As crônicas que ela escreveu para esta obra, leves e bem
humoradas, falam sucintamente da experiência de depender do trem em seus
deslocamentos diários. Posso falar com um pouco de clareza sobre o livro,
percorro todos os dias quase o mesmo caminho que ela faz. Quer dizer, as
situações que ela retrata, conheço de cór e salteado. E, assumo dizer,
muitíssimo bem escritas.
Sensível, a
escritora foi notando fatos e juntando histórias, depois retratou-as em um
blogue que criou para este fim. O retorno dado pelos leitores animou a
escritora nascente e então “A Viajante do Trem” tornou-se um livro, obra que
impressa, impressiona pela descrição cristalina e um pouco “alegrinha” sobre o
rotineiro ir e vir nos vagões sempre abarrotados de gente. Hilária, Andréia
fala da Síndrome do Trem Chegando (STC), doença que gera taquicardia e maus
modos em todos que são acometidos por ela. Em muitos casos, mães são
homenageadas mais que as de juízes de futebol e até mortes trágicas já foram
registradas por conta deste mal do século 20 que e arrasta-se para este novo
século, sem que haja cura prevista pelos pesquisadores do assunto.
A autora
também faz comentários pertinentes sobre as “pessoas tartarugas”, um tipo fácil
de encontrar (e de se esbarrar) nas conduções diárias, e que normalmente é do
século masculino e com menos de 40 anos. Como pode ser notado, é uma doença
reversível essa de deixar as mochilas nas costas, que na maioria dos casos é
corrigível com a maturidade. A sabedoria do tempo quase sempre produz este e
outros milagres, como o da diminuição do número de “deejays” conforme a idade
aumenta. Assim, é possível perceber que o Bailão do Trenzão, descrito logo na
primeira crônica, quase sempre é proporcionado por jovens “sn” (sem noção). Mas como
toda doença também tem suas exceções, há um grupo que, paradoxalmente,
quanto mais velho, mais gosta de clamar a muitos para que adentrem seu pelotão - sigo, seu bailão - mesmo que a contragosto da
maioria sonolenta: os crentes chatonildos, que, na ânsia de propagar sua fé,
esquecem do princípio básico da lei da convivência, que é o respeito à fé dos
outros.
Bem, estes e
outros enredos estão todos lá, descritos com leveza e cuidado por esta autora
iniciante que acerta a mão logo na primeira cartada. E, se for possível, leia o
livro esmagado pela turba apressada numa manhã qualquer numa dessas
estaçõezinhas da periferia. Ler “in loco” vai ser a síntese perfeita dos
acertos dessa escritora.
Mais sobre a
autora:
Escobar Franelas
Um comentário:
Maravilha como sempre amigo!
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