A obra e sua autora: "diálogo intermitente, diálogo íntimo..." (citação da foto no fim do texto) |
À primeira leitura, “A Puta”, de Márcia Barbiéri, tal qual seu livro anterior, “Mosaico de Rancores”, parece uma viagem lisérgica e redemoínica em torno de profundos abismos existenciais. Autora fecunda, que dialoga enfaticamente com as camadas interiores que estão fadadas pelas circunstâncias a ficar no fosso escuro das sensações, Barbiéri faz incursões algo temerárias para as almas monocromáticas desse século recém-inaugurado que dialoga com a vanguarda da mesma forma com que se relaciona com a idade média.
Uma meditação mais demorada, contudo, vai permitir interpretar sua sintaxe como um vasculhamento em torno do eu, uma afirmação (mais que isso, uma intimidação) do sujeito diante de si, seja pelo exercício retórico, seja pela autoanálise, seja pelas compreensões sensíveis que o corpo faz em seu flerte com os abismos da linguagem, da vida, de Gaia.
Sua obra é um diálogo intermitente, diálogo íntimo entre as variedades de línguas que se encontram antes, durante e - principalmente - depois do prazer. Da fruição. Do gozo. “Pois eu digo, minha querida, puta e mãe ninguém esquece” (p. 117). “E não existe mancha mais escura do que nódoa do amor” (p.47). Mais emblemático nesse diálogo com a (o) outra (a), é perceber, na morfologia das palavras, o ímpeto de quem está em frêmito, desajuizado, na visceralidade orgástica. A plausibilidade dessa observação pode ser talvez melhor entendida quando notamos que as 132 páginas que compreendem o enredo estão dispostas num tomo único, como um frenesi incontrolável.
Pois a língua, assim como o sono pós-coito, assim como o sonho dentro do sono, assim como o instinto animal do ser em contenda com a civilidade, é insaciável. Nisso se rivalizam os contrários: o sono, por exemplo, anseia a sua meditação em desprogressão, enquanto a língua - extenuada de seus labores: morder, soletrar, chupar, sorver, gemer - quer unicamente, exclusivamente, demoradamente bailar. “Tenho ouvido tantos discursos bonitos, mas eles nunca estão em sincronia com as ações” (p. 79)”.
Barbiéri se faz de psicóloga, ombro-amigo, ouvidora, para entreter/iludir quem a lê desarmado de atenção, mas o que se revela é uma aparelho de gravação. Gravação e reprodução de todos os temporais e calmarias que ocupam a cabeça da puta que, verdade seja descortinada aqui, todos nós somas, somos.
Serviço:
livro: A Puta
autora: Márcia Barbiéri
144 pág. - Editora Terracota - 2015
foto: https://www.google.com.br/search?q=marcia+barbieri+a+puta&biw=1024&bih=667&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwiwguaek5fMAhUKI5AKHVnwBRoQ_AUICCgD#imgrc=V5LX9SvDkbI7FM%3A
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