sábado, 16 de julho de 2011
PALAVRA FIANDEIRA — 63
PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE LITERATURA
REVISTA DIGITAL LITERÁRIA
17/JULHO/2011
ANO 2 — 63
NESTA EDIÇÃO:
ESCOBAR FRANELAS
"Meu viver é a experiência poética mais completa."
Escobar Franelas — foto: Raquel Ramos
______________________
Exposição de Fotopoemas—Sacramento, MG —foto: Escobar Franelas
1—Quem é Escobar Franelas?
Escritor
e videomaker paulistano. Depois de muito perambular, estou quase
terminando uma graduação, em História. Gosto sobretudo de livros, mas
também de artes em geral, filosofia e práticas ambientais sustentáveis. É
sobre esse quadrado que minha vida está estruturada.
Escobar Franelas —gravação do CD "Sacha 60" — foto: Akira Yamasaki
2—Já
nos encontramos em algumas pontas de uma corrente serena formada por
poetas, jornalistas, idealistas, sonhadores, que com suas antologias,
suas páginas literárias vão conduzindo essa vontade de divulgar os
fazedores de poesia e arte. Entre esses amigos, o Zanoto, que nos deixou
recentemente, e o Selmo Vasconcelos, de Rondônia. O que é para você,
participar dessa pulsação?
É
participar – como você mesmo nos diz – da essência de uma produção
devotada ao “fazer”, sem que isso seja simplesmente uma submissão às
exigências financeiras ou midiáticas. A maioria desse pessoal (o antigo underground,
hoje não sei que palavra usar com exatidão) produz cultura e arte no
sentido mais profundo, pois não estão sob sistemas, formais ou não, de
dominação de mercado.
A
artesania vem da experimentação, ludicidade e prazer que nos levam aos
gregos, onde a arte anelava-se ao sagrado. Entendo e professo a arte
assim, como o sagrado que se manifesta em vida.
3—Tive
a grata alegria de estar algumas vezes com Raberuan. Poderia, por
favor, contar aos nossos leitores, sobre esse artista de São Miguel
Paulista, de quem tanto gosto?
Escobar com amigos, entre os quais o cantador Raberuan
Beto Rios; Akira Yamasaki; Escobar Franelas; Raberuan e Eliel Lima — gravação do cd "Sacha 60" — foto: Ceciro Cordeiro
Beto Rios; Akira Yamasaki; Escobar Franelas; Raberuan e Eliel Lima — gravação do cd "Sacha 60" — foto: Ceciro Cordeiro
Raberuan é um compositor inspirado, crooner versátil e cidadão como poucos. Não é um artista deslumbrado, antes, é um militante do humano que há na arte.
4—Como você “se achou” trabalhando no mundo do audiovisual?
Iniciei
no audiovisual trabalhando numa finalizadora de VHS, em 1988. O
videocassete tinha acabado de chegar ao Brasil e havia uma demanda muito
grande na produção de filme para o mercado doméstico. Tornei-me
operador de vídeo, depois aprendi a ciência da edição de um filme,
tradução, legendagem, essas coisas. Com o tempo, veio a vontade de
produzir alguma coisa, dirigir... foi aí que finquei parceria com um
antigo parceiro, o Gilberto Tavares, com o qual até hoje fazemos
manufaturas. Atualmente, estou terminando a montagem de um vídeo
experimental sobre a poesia de Dailor Varela, um poeta seminal nas
letras brasileiras dos anos 60, ao mesmo tempo que estou produzindo um
documentário sobre o Movimento Popular de Arte (MPA), em parceria com o
Giba e o Claudemir Santos. O MPA é a principal referência quando se
estuda as questões artísticas e culturais na região de São Miguel nos
últimos 30 anos.
5—
Considero um poema de Bandeira o mais triste e belo de nosso idioma.
Sei que gosta de Bandeira, e de outros poetas. Poderia nos dizer até que
ponto o contato com a escrita de poetas consagrados pode influenciar o
surgimento de um novo poeta?
Quando
iniciei meus escritos, imitava o Bandeira pois achava que seria mais
fácil escrever como ele, em branco e sem métrica. Quanto engano! Pois se
não tenho rimas e metros, tinha que ter assunto, enredo e ritmo, coisas
que aprendi (ou, pelo menos, julgo ter aprendido um pouco!) com o
tempo, lendo, relendo e treslendo Bandeira.
Teve
um momento que pensei em desistir, pois cria que não conseguiria jamais
atingir o nível deles. Hoje convivo bem – aprendi com Quintana – sendo
passarinho, figurante na beleza fulgurante da poesia brasileira.
Poeta Manuel Bandeira
6—Não
podemos negar os benefícios da tecnologia, mas ao ver que estamos
entrando numa nova era, será que a poesia, e as artes, podem contribuir
de alguma forma para o retorno, ou melhor, para que a era humanista não
se vá por completo?
Nunca
perderemos essa verve, fique tranquilo. O máximo que acontece às vezes é
que interesses de poder e capital dominam a cena por um período. Mas
como bem sabemos, o mundo, a vida, são cíclicos. No dia que perdermos
totalmente as referências humanísticas, não será mais mundo, ou, pelo
menos, não seremos mais gente.
7—Você
se assume e se reconhece poeta, “mesmo quando não está escrevendo”. O
que é exatamente isso, o que significa se sentir poeta, ter essa
consciência de ser?
Sou
poeta não porque escreva poesia. Meu viver é a experiência poética mais
completa. Isso é o que chamo irmanar a arte com o sagrado. Sempre
defendo a idéia de que pode-se ser visceralmente poeta tomando café numa
padaria barulhenta às sete da manhã, ou vivendo a intensidade do amor,
mesmo que não se profira palavra alguma.
Escobar Franelas —gravação do CD "Sacha 60" — foto: Akira Yamasaki
8—
Você é fotógrafo, é artista audiovisual, é perfomance ambulante, é um
camelô a repartir com as luzes da cidade a poesia que está no que pode
ser imperceptível no cotidiano, mas pode também jorrar nos olhos de quem
se atrever. A poesia é necessária em nossos dias, em nossa sociedade?
Poesia
é necessidade orgânica. E, tal como o ar, só sentimos falta dela quando
deixamos de “respirá-la” ou quando a sorvemos com as sujeiras que
alguém lançou sobre ela.
9—Facebook
e outros virtuais inauguraram uma nova era, sem dúvida. Em todos os
sentidos. A criança que tem 9 anos, mas 20 no Orkut, etc. Como você
traduz essa nova realidade que surge trazendo um novo espírito para a
época?
Eu
não ousaria traduzir, mas admito minha estupefação. Esse é o transe, a
nova perspectiva que não foi dominada totalmente pelos capitalistas de
plantão. O Cláudio Prado repete sempre esse bordão, as redes sociais no
ambiente holográfico da internet são o novo parque de diversão, o
pique-esconde que brinquei e meus filhos não brincam mais. Há uma nova
maneira de ligar-se ao outro, novas formas de comunicação que fogem ao
contexto de quem cresceu dependendo do mundo físico.
10—Se tivesse que escolher um de seus poemas para o nosso leitor, com qual nos brindaria?
Para não cansar os desavisados, vou com um de meus haicaos, bem curtinho:
“A mobília imobiliza / a sala de estar / invente andar” (Tráfego)
11—O que seria para você o clímax poético?
É
como o orgasmo, você não o explica. Mas vivencia a plenitude de seu
acontecimento. Como explicar a densidade de Clarice Lispector, hein?
Como colocar em palavras o que sinto quando leio Drummond? Não dá. Tudo o
que falo de Borges, ainda assim não é o Borges legítimo, no original,
que, aliás, todos deveriam ler – completo – pelo menos uma vez na vida.
Clarice Lispector
Clarice Lispector (divulgação)
12—Tem
quem se supõe estrela por ter publicado o seu primeiro trabalho
artístico, tem quem não consegue aceitar o outro, pelo fato de o outro
não pertencer ao seu grupo, e tem aquele que apenas quer produzir arte, e
seguir em frente, tentando embelezar o mundo, os corações e às
consciências, e ainda tem os que “utilizam” a própria arte para
denunciar as injustiças, etc... Onde vamos encontrar Escobar Franelas?
Putz.
Questão difícil essa... Não sei falar de Escobar Franelas. Sabia que
até inventei um alter-ego (e ainda por cima feminino!), só para tentar
dialogar comigo? Chama-se Maria Dumário e desempenha o papel de
psicanalista.
Então,
vou pedir para ela responder essa questão. Bem, ela diz que Escobar é
pura ficção, mentira das bravas! E pede para você tomar cuidado com ele.
(hehehe)
Mas,
tomando o microfone dela para retomar a palavra, digo que gosto mesmo é
de escrever. A experiência de publicar não me realizou, como eu tinha
imaginado. É bonito viver essa situação, os amigos, a festa, o
reconhecimento. Mas gostoso mesmo, é ser surpreendido por uma idéia e
dela se tornar prisioneiro, até que a coloque no papel.
13—Você
tem um carinho especial pelos blog como espaço de cultura, de
consciência, como “uma sala de leitura”. O que representa exatamente a
blogosfera para você? E terá ela vida longa? Por quê?
É
a nova sala de leitura, mais interativa, dinâmica, imprevisível. Sem
dúvida ela representa a biblioteca. Hoje temos várias “alexandrias” a um
clique dos dedos, e – incrível – não nos damos conta.
14—Certa
vez eu comentei que era escritor, e alguém perguntou: qual o seu livro?
Eu respondi que não tinha livro publicado, a pessoa murchou, mas eu
continuei sendo escritor. Tem algo a dizer sobre isso?
Vejo
duas saídas para questões como essa: tentar convencê-lo de que há erros
em sua interpretação, ou dar de ombros e sair de perto. Na maioria das
vezes, prefiro a segunda alternativa, que é mais rápida e facilmente
aplicável.
15—Tenho
um apreço especial pelos jornais de bairro, os jornais regionais.
Acredita que, de um modo geral, quem tem paixão pela liberdade, busca a
sua alma no jornal?
Acho
que os jornais são instrumentos muito importantes para a construção do
espírito democrático. Embora as instituições religiosas e a ladroada
política usem sempre no sentido contrário.
16—Sempre
me sopra uma alegria no coração ao ouvir falar de Akira, de Raberuan,
de Jocélio Amaro, que nós, os Vasques, amamos, e também Sacha, e outros.
Vocé é oriúndo do Movimento Popular de Arte, de São Miguel Paulista,
terra de Antonio Marcos? Poderia contar aos leitores, de forma resumida,
a história dessa história?
Nunca
fui do MPA. Até me aproximei deles em 1998, 99, quando já fazia uns 13
anos que o movimento tinha implodido. Mas colho até hoje as benesses de
conviver com gente tão interessante. O MPA nasceu mais ou menos em 1978,
fruto de um interesse popular que discutia cultura e arte na região.
Ajuntamentos humanos – como sempre repete o Luiz Alberto Mendes – sempre
produzem cultura, “somos homos culturalis”, e vários artistas
juntos (discutindo arte!), só poderia dar no que deu: um corolário de
produção, com muita música, teatro, poesia, artes plásticas e mais, com
vigor, inspiração e muita disposição. Por questões diversas, o movimento
perdeu um pouco da força com o passar do tempo, mas nos legou uma
história de lutas e conquistas. Tanto que Edvaldo Santana, Akira
Yamasaki, Sueli Kimura, Sacha Arcanjo, Ceciro Cordeiro, Raberuan, Zulu
de Arrebatá, Osnofa, Gildo Passos, Artênio Fonseca, Cláudio Gomes,
Nelson Mouriz e muitos outros continuam aí, compondo, fazendo shows, se
apresentando, escrevendo, pintando.
17—Pode revelar alguns de seus projetos?
Em
literatura, acabei de finalizar um romance, “Antes de Evanescer”, que
está na revisão. Vou atrás de editora pois espero publicá-lo ainda esse
ano. E tem mais dois livros de poesia e um de contos, mas estes ficarão
para depois.
Em
audiovisual, estou finalizando um curta metragem experimental cujo
enfoque é a poesia de Dailor Varela (ícone do movimento Poema-Processo),
e fazendo as captações de imagens para o documentário sobre o MPA, que
pretendo lançar no ano que vem.
Também estou publicando muito material na internet, para a revista Ounão (http://www.revistaounao.com.br/), para o Fora do Eixo (http://foradoeixo.org.br/), que é um circuito de produção independente e para a União Brasileira dos Escritores – UBE (http://www.ube.org.br/).
18—Acompanho
as suas andanças, e essa persistência de Soldadinho de Chumbo é algo
encantador. Qual foi o seu primeiro livro publicado?
A
primeira participação foi na Antologia Poética de Pinheiros(Scortecci,
SP), em 1988, com dois poemas de dar dó. Essas coletâneas são ótimas pra
isso, você aprende muito convivendo com outros que praticam a mesma
arte. Depois vieram outras antologias até que consegui lançar meu único
livro-solo, em 1998, “hardrockcorenroll”.
Após isso, aconteceram outras coletâneas e até alguns prêmios literários.
Hoje,
contudo, meu interesse maior está nas dimensões e ferramentas da
cultura digital. É por esse caminho que estou me enveredando cada vez
mais.
19—Era
uma vez um tempo em que não havia bastidores na vida artística e
musical no Brasil e nossa função, segundo alguém comentou, seria a de
aplaudir e até, em certos casos, idolatrar, e a internet acabou com
isso. Acredita que estamos mais próximos de uma compreensão mais ampla
da importância da arte?
Não
creio. Acho que surgirão sempre maneiras de tornar qualquer arte
rarefeita. É o contraponto natural de qualquer tipo de expressão. Sempre
há uma face mais elaborada e outra com apelo mais popular.
Agora,
se entendi bem sua questão, vou ao cerne: muitas vezes leio textos,
ouço cd, vejo encenações, quadros, tudo de colegas ou pares, e minha
opção é não comentar. Por quê? Porque fico em dúvida quanto à qualidade
destas obras. Prefiro, nesses casos, guardar silêncio. É evidente que
muitas vezes o silêncio é outro, por falta de tempo para fazer um texto
bom.
Quando
minha humilde compreensão permite enxergar qualidades no trabalho – e
há tempo para escrever um texto que dignifique este trabalho – sou o
primeiro a “botar a boca do trombone.” Imagina, o artista é bom, não tem
retorno de mídia e eu vou campactuar com isso? Sem chance! Alardeio,
cito, comento, divulgo, sim senhor! Para isso a internet é ótima.
20—Você teve uma exposição de fotopoemas. Onde e quando isso aconteceu? Pode nos dizer sobre?
A
pré-estreia foi em 25 e 26 de junho, quando participei do Festival de
Inverno do Parque Náutico de Jaguara, em Sacramento, MG. A estréia mesmo
será em 29 de julho próximo, n´A Casa Amarela (http://www.acasaamarela.net/), num sarau que unirá várias linguagens artísticas. Depois disso, ficarão expostos lá por um mês.
Os
fotopoemas nasceram de uma combinação não prevista. Sempre uso a câmera
de meu celular par fazer fotografias inusitadas. Com o tempo, percebi
que elas poderiam dialogar com os poemas curtos que pratico, os
“haicaos”. Daí para o casamento entre eles, foi um passo relativamente
curto.
21—A
partir dessa edição, PALAVRA FIANDEIRA sempre terá 22 perguntas. E você
é o primeiro nisso. Poderia, num exercício poético dizer 22 palavras.
Apenas isso, 22 palavras?
“A
palavra, seu processo e seu clímax, obedecem apenas à emoção e ao
intelecto. Nessa trama, cria vida quando torna-se teia: fiandeira!”
22. Que mensagem deixará aos leitores da sua PALAVRA FIANDEIRA?
“Amem!” “Amém.”
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PALAVRA FIANDEIRA
Fundada por Marciano Vasques
A entrevista de Escobar Franelas foi concedida
ao escritor Marciano Vasques
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