Ninguém Lê – Um projeto feito por quem escreve... e quem lê
Chego ao Hussardos, ali na Praça da República, faltando 15 pras sete da
noite. Reconheço alguns, cumprimento o Victor “Praga de Poeta” Rodrigues, rapidamente
faço novas amizades. Não passa cinco minutinhos e encontro Ni Brisant, sempre
brisando na sua fala manêra, no sorriso fácil, nas intervenções sempre
inteligentes e bem sacadas. Vai começar o Ninguém Lê, um projeto que pretende
dar voz e leitores para os escritores ditos marginais, afastados das luzes
midiáticas. Mantido pelo VAI (Prefeitura de São Paulo), o Ninguém Lê prevê a escolha
de alguma obra de determinado autor. Os organizadores distribuem o livro para o
público, que se compromete a ler e participar do evento na data previamente
agendada.
Fui pela primeira vez a este encontro depois que o Victor me convidou, durante o sarau na livraria Suburbano Convicto e entregou-me um exemplar de
Punga, de Elizandra Souza e Akins Kintê.
Sete e pouco, fazemos a roda que a cada cinco minutos tem que ser
ampliada, mais e mais gente chegando, as idéias rolam, evoluem, impulsionam.
Victor e Ni propõem que o pessoal da roda vá lendo os poemas de Punga, dos dois
convidados, para a conversa do Ninguém Lê. O mote é trocar idéias com os
autores, saber de influências, histórias de vida, métodos de escritas,
militância e outros papos interessantes sobre a obra em discussão. A leitura dos poemas de poetas tão complementares revela uma
certa sincronicidade de temas e abordagens. Quando surge a oportunidade, leio
MenstruAção, poema de Elizandra que gera um certo desconforto na exposição.
Quase no fim da conversa, a poeta acaba discorrendo sobre essa questão, o desconforto de
provocar o público quando ele está mais vulnerável, muitas das vezes querendo
apenas fruir o auspício poético.
Após a leitura dos poemas, surgem as provocações. Questionado sobre a
forma como divulga seus trabalhos, Akins respondeu que anda sempre com uma
sacola com alguns trabalhos. E mais, que leva seus trabalhos nos ensaios das escolas de
samba e nos campos de várzea, entre outros lugares. Daniel Marques,
um dos organizadores do sarau “O Que Dizem os Umbigos?”, no ItaimPaulista,
relata a sensação de que os poemas de ambos apontam sofrimentos mas sobretudo a
beleza de quem ama e pergunta se eles têm consciência dessa escrita, ao que
Elizandra responde que visualiza uma mudança consciente mas, paradoxalmente,
não consegue dimensionar essa mudança. Victor lembra que o texto de Akins
“ginga” naturalmente e ele confirma, sorridente, afirmando que “quando a ´chapa tava quente´,
o que me salvou foi a arte, a música”.
Surgem novas dúvidas, sobre como é o processo criativo de cada um. Ambos
exemplificam as formas que utilizam para chegar aos resultados finais de seus
versos. Akins solta mais uma pérola, “sábado eu estava no Conjunto Inácio
Monteiro (zona leste), ouvindo um funk, e fiquei prestando atenção às palavras,
aos versos”, para falar de onde vem a inspiração, a troca de energia, a descoberta do insight que permitirá a explosão de um novo poema, ou uma nova música. Mais
adiante, o poeta de “Divinéia”, falando da atualidade de Punga, mesmo após sete
anos da primeira edição, citando que “a poesia é atual pois as coisas
permanecem”. Elizandra, por sua vez, explicou sucintamente que gosta muito de ler dicionários. Nesse ínterim, Ni aponta que Punga tem discussões que apontam
para a realidade que os poetas vivem ainda hoje. Ambos concordam.
E as interpretações se sucedendo. Todo o público, vibrante e
participativo, aprofunda temas, suscita assuntos, pergunta sobre
influências e outros etecéteras. Querem discutir as relações de gênero
dentro do movimento hip-hop, os movimentos sociais a partir de junho de 2013, as
relações entre as diversas expressões da arte e até o que significa Punga. Elizandra
Souza explica que a palavra, cuja origem está no dialeto banto, significa um
convite para “entrar na roda”, para dançar. Akins Kintê conclui rindo que punga
também significa furto e que gosta muito dessa palavra. Depois presta contas,
afirmando que foi Allan da Rosa, mentor do livro, quem deu este título à obra.
Às nove e meia, Ni Brisant anuncia o fim do evento, o Hussardos bateu seu
horário, precisa ser fechado. Akins sugere que se alguém tem alguma dúvida, que
mande para ele por meios virtuais, que ele responderá. Por fim lê “Divinéia” e
Elizandra, “Antítese”.
Segundo os organizadores, o próximo encontro acontecerá no início de
agosto e que a convidada será a poeta Sinhá, e o livro a ser lido e discutido é
“devolva meu lado de dentro”.
Quem quiser acompanhar as atividades do Ninguém Lê, as informações
atualizadas estão na página https://www.facebook.com/ninguemle
do Facebook.
texto e fotos Escobar Franelas
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