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1.1.19

Um textículo: "viena vietnã"


num dia quente de primavera em 2018 comecei a rabiscar estes escritos:
"as rubras negras americanas
desfilam no fashion week fora de época
carnaval fora de moda
carnaval sem carnaval
de ruivas achocolatadas e cabelos descrespados
em completo exílio de si.
não são brancas nem coloridas
não são brasileiras nem marcianas
não estão mudas mas silenciadas
não são feias mas embelezadas"

parei

desisti quando percebi que não estava escrevendo o que previ
não escrevia o que tinha me motivado

desisti

desisti por não saber como escrever os versos que gostaria 
que não saem da cabeça para vibrar na escrita
por só fazer versos que me saíram tortos
sem jeito, indesejados, fetos abortados
versos até vivos que agora apenas respiram
estranhos seres viventes que adquiriram vida e 
aguardam cuidados vitais

eu, como mãe, reconheço meu filho 
essa elaborada poesia que fiz
mesmo que inacabado, pois se reescreve, comigo
com as pessoas, com o mundo ou a sós
todo dia em todo lugar

desisti daquilo que resistiu

ponto. não final

dias depois, voltei ao texto, tentei remendá-lo:
"são duas (ou mais) américas
das rubras ruas
negras
de gente americana de madeixas negras
negras rubras
de unhas vermelhas
escarlate
e bocas carmim
a beleza negra de red hair
e outra boniteza, a de moa do katende, marielle, nina simone

são duas américas 
ou mais
sempre contrárias, bélicas 
de ruas escuras
onde o rubro sangue
corre na pele impermeável do asfalto
brota no tecido duro do cimento
verte no mar seco do sensacionalismo.
- são suas américas, bird
- são mais américas que isso, malcolm 
- muito mais, martin

a que mais gosto? da bela da lente do olho da memória 
no close de spike lee
´estrelando, elza soares conceição evaristo marcelo ariel
milton santos pixinguinha daiane dos santos´"

insisti
mesmo sabendo que continuava a não escrever o que gostaria
por saber que estava taquigrafando sensações anacronicamente
e que o filho que pari era outro, mas era filho e era outro
e era meu
e era eu

(desistir é uma prática de pessoas que criam; elas desistem para poder recriar o incognoscível)
(insistir é uma forma de falar da fórmula que ajuda a vender algo, 
mesmo que desimportante) 
por isso não resisti a esses verbos irregulares
e não resistindo, senti as dores dos que não sabem o que fazer
quando o fardo pesa, a dor vem 
e o horizonte aparece feito de bifurcações
e das muitas oportunidades que a vida dá à pessoa
e a sensação pesada do tempo perdido.
besteira: tempo perdido não existe
tempo perdido é uma ficção 
aquele que supostamente pode ter sido apreendido
(a menos que você esteja preso de suas memórias, sem saídas
para a direita ou esquerda, para frente ou atrás, 
sem saídas para dentro)

na verdade, a vida - assim como a poesia - não pode 
com a força persuasiva da falta de palavras
ou de sentidos
e nem a soma de todos os gestos 
e nem os meios sorrisos
e nem a força de todos os afetos
nada, ninguém pode
se eu desistir
se eu insistir
se eu resistir
na verdade, a poesia pode
mas às vezes a vida fode antes

(verão de 2018)

e o outro, e este 
- poemas? -

nada é nunca são

Um comentário:

Anônimo disse...

senti ou fui tocada

...