Dente-de-Leão
– A sustentável leveza de ser (Sacolinha)
“A idade
adulta me trouxe a dor de cotovelo
As crianças
são o meu alvo
Morro de
inveja delas”
(Sacolinha, em Inveja)
Se a fonte
da crônica é o olhar sagaz, o ouvido atento e sensibilidade às cenas
corriqueiras do dia-a-dia, tudo isso temperado pelo filtro de uma descrição
subjetiva, “Dente-de-leão – a sustentável leveza de ser” assume (e amplia) essa
condição. Sacolinha, o autor da obra, reverbera um entusiasmo incomum ao legar
à provável perenidade de fatos cotidianos, uma cadeia de valores os tornam
permanentes através de seus textos. Solar, desprendido e empático, o escritor
penetra pela primeira vez no território das crônicas, pede licença mas não se
intimida; antes, dá sentido à vida e à literatura enquanto expressões
complementares uma à outra, combina com acerto os caminhos sempre sinuosos da
cidadania e da arte.
O autor
dessa leveza sustentável assemelha-se aos heróicos cavaleiros solitários que
(re)conhecemos dos contos e histórias imemoriais. Arguto, brinca nessa seara
mas nos oferta textos fluidos e que exemplificam o completo domínio do campo
onde atua, seja o artístico ou o humano. Pela primeira vez pisando no terreno
largo de um gênero tão peculiar na literatura – no caso, a crônica – o autor
não nos assusta com este Dente-de-Leão. Comm rigor e metodologia própria,
empreende seus passos pelas trilhas por onde já transitaram Machado de Assis,
Rubem braga, João do Rio, Clarice Lispector, Rachel de Queiroz, Cecília
Meireles, Paulo Mendes Campos e Luís Fernando Veríssimo, entre tantos nomes
estelares. Como pode-se notar, uma vasta vereda aberta por mestres.
Já no
prefácio do livro, Michel Yakini surpreende pela entusiástica definição de que
esta obra “é um livro de intuições”.
Bingo! Realmente Dente-de-Leão trata disso, de um escritor que se vê imbuído de
uma missão maior. Sacolinha, mais que praticar literatura e sustentabilidade,
vive isso, diária e intensamente. A sua escrita é a de um agricultor semeando
letras, de um escultor de frutos comestíveis pela alma e o corpo. E nós
colhemos sempre com fartura.
Já na
primeira crônica, “Desembalar Menos, Descascar Mais”, ele mostra a que veio,
falando de si sem a pretensão de ser modelo, porém sugerindo caminhos possíveis
para quem quer de fato construir um amanhã melhor. “Falo de horta como um cultivo da vida, como um ato político” (p.
22). Fala da comida que sustenta o corpo, mas a metáfora vale como alimento
para a alma. Em ambas as situações, sustentáveis, sem nada que seja tóxico.
O segundo
texto, “Em terra de cego quem tem um olho é rei”, a interpretação através de
juízos coloca o autor em uma linha tênue, que a todo momento pode escorregar
para a autoajuda, ou o pior dos males a quem se propõe a escrever: a
complacência. “A virtualidade é uma
ilusão. A virtualidade é uma caverna (p. 28)”, proclama ele. Mas o talento
de quem sabe domar a palavra não permite que o entusiasmo vire uma pregação
piegas, antes retira-o do lugar comum e faz com que o texto ganhe a potência
das vozes que têm algo a dizer. E questiona: “Onde estão os olhos de ver?” Pela sua experiência, Sacolinha sabe
falar o que tem que ser dito.
Assim, o
livro caminho, flexível, rico, denso, fluido. Em “O quarto escuro”, o autor
recorre a Saramago para contextualizar o mito do caverna platônico no século
21. Complexo, mas plenamente inteligível. Mais à frente, em “A gente não devia
ser assim”, lembra um Benjamim Button messiânico. Já em “Chávena de chá ou 30
mastigadas antes de engolir”, o autor faz uma reverência ao filme “A Livraria”,
de Isabel Coixet, ao comentar uma cena curta, mas arrebatadora do filme.
Assim
Sacolinha nos entrega 15 textos “comestíveis” que ressignificam a crônica
enquanto prática literária, ao mesmo tempo que abrem perspectivas de práticas
facilmente aplicáveis à vida, para torná-la mais – por que não?! – prazerosa. Pois a
literatura enquanto engenho da arte só faz sentido se soprar em nós como ar que
nos dê a leveza da vida, como o título em questão. Afinal, como cantam os
Titãs, “A gente não quer só comida / A gente quer comida / Diversão e arte”
(Arnaldo Antunes, Marcelo Frommer e Sérgio Brito)
Foto Sacolinha |
Serviço
Livro:
Dente-de-Leão – A sustentável leveza de ser
Autor:
Sacolinha
Gênero: Crônicas
Edição:
Vasto Mundo (2019, 1ª edição, SP)
Fotos:
Elidiane Alexandrino, Sacolinha e Alanda Alves
Ilustrações
digitais: Flávio Martins
Prints de
imagens: Sacolinha
Imagens:
freeplk.com
texto
Escobar Franelas
Foto Elidiane Alexandrino |
Foto Elidiane Alexandrino |
Um comentário:
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