Leal, entre suas referências (foto: arquivo pessoal SL) |
(Sidney Leal é o cara. Conheci-o quando o poeta Mano Cákis me convidou
para participar do Sarau Literatura Nossa, em Suzano, SP. A afinidade surgiu
espontaneamente e logo de cara. Conversamos, falamos dos “malditos” da
literatura, do Brasil e do mundo, falamos de outros malditos, no cinema, na
música, na filosofia, na arte em geral.
De posse de seu livro Minhas Histórias de Mistério,
Terror e Morte, pude perceber não só a influência de seus ´mestres´ mas,
principalmente, o talento natural que o cerca e o eleva.
Foi a partir da leitura desse escritor tão peculiar e de nossa troca
intensa de impressões sobre a arte e a vida, que achei legal entrevistá-lo,
para conhecê-lo e divulgá-lo.)
1) Quem é Sidney Leal?
Mais um escritor neste mar de criatividade que é nosso país.
2) Quando você começou as primeiras rascunhações, digamos,
"literárias"?
Em 2006 escrevi
um poema descompromissado, no retorno da faculdade:
“Cavaleiro Errante”
Eu queria ser um cavaleiro errante
de morada inconstante
com uma citara nas costas
e uma espada na cintura
atraído por cidade com cheiro de aventura
Ou pelo sorriso insinuante de uma bela dama.
de morada inconstante
com uma citara nas costas
e uma espada na cintura
atraído por cidade com cheiro de aventura
Ou pelo sorriso insinuante de uma bela dama.
Mostrei a um professor e me surpreendi com a reação dele, em relação a eu
mesmo ter escrito o poema e o fato dele ter gostado.
Durante o trabalho me veio a ideia de escrever uma história, isso
resultou no meu primeiro conto chamado "O Silva Negro" que, se Deus
quiser, nunca verão, pois é muito ruim. Rs Daí não parei mais e um ano depois
rascunhava como seria meu livro de contos mas me vinham questionamentos. Como
eu queria escrever sendo que não conhecia os grandes mestres!?
Minha mãe trabalhou durante muitos anos como empregada doméstica na casa
de uma família japonesa. Lá aprendi a ler e desenvolvi o gosto pela leitura com
uma filha deles que até hoje chamo de tia. Mas, como eu dizia, “como poderia
escrever sendo que não conhecia os mestres e seus livros”?
Parece incrível mas semanas depois essa ´tia´ ligava pra mim querendo
saber se tinha interesse em ficar com os livros dela da época da faculdade!
Fiquei feliz e assustado. Agora sim poderia estudar os mestres e suas
obras, com boas referências, desenvolver uma técnica de escrita.
Hoje posso afirmar que a escrita do mestre Machado de Assis não se limita
apenas à literatura mais divulgada. Existem contos dele que são de arrepiar e
mostram um Machado livre de ´cabrestos´ literários que infelizmente o marcam.
Entre estes contos cito alguns: "A Igreja do Diabo" (conto mais
cômico), "Vida Eterna" e "A Causa Secreta". E outros
autores como outro mestre, Álvares de Azevedo com o seu inesquecível conto
"Noite na taverna" e suas poesias tristes e reflexivas.
Não podemos deixar de fora mais um mestre, Aluísio Azevedo, com seu conto
fantástico "Demônios", que apesar do nome é de uma criatividade e de
uma escrita sem igual, lembrando que falamos de um texto escrito em 1891! E
outros mestres da literatura aqui não citados.
Hoje em dia quem escreve histórias de terror fica tachado, discriminado.
Existem bons textos de terror e poesias, que além de agradar aos adeptos do
gênero, surpreendem pelo alto nível da qualidade do texto e da escrita.
3) Você fala das dificuldades das pessoas enxergarem que o terror tem
seus escritos maravilhosos e outros nem tanto. Parece-me que, assim como a
crônica, tem sempre que estar provando que pode competir em igualdade com
outros gêneros. Por que será que isso acontece?
Lembrei de um trecho de uma música do Legião "Tudo que eu queria era
provar pra todo mundo, que eu não precisa provar nada pra ninguém..."
(sic)
Cara quanto penso nisso só me vem a cabeça palavra 'sobrevivência',
tentar mostrar que o gênero terror, ser reconhecido como literatura, ser
valorizado pelo que faz ao mexer com os sentimentos das pessoas.
Lembrei que li uma reportagem sobre uma mobilização de funkeiros para que
o funk seja reconhecido como cultura e tal... Bom eu digo que sim é um
movimento cultural, mas não posso afirmar se é bom ou ruim (eu acho ruim pra
diabo! rsrs). Onde quero chegar, é que existe um paralelo com a literatura
fantástica.
Sim terror é literatura, mas se é bom ou ruim... Bom eu sou suspeito em
dizer.
Mas precisamos de espaço, e se merecido, precisamos de reconhecimento.
4) O que você lê, assiste, ouve?
Escuto rock, mas costumo dizer que "quebrem todos meus CDs, mas
nunca mexam nos meu cds de new age, fado português”, mas gosto muito de música
clássica uma mania que descobri sozinho para estranheza de minha mãe. Teve um
período em que fui vendedor de painéis elétricos, descobri a Cultura FM,
naquela época passava um programa matutino com um cara chamado Salomão
Schvartzman. E com ele aprendi muito sobre música e o prazer que ela pode
proporcionar... Pois é, sou estranho. rsrs
Não tenho TV por assinatura, e acho melhor assim... Gosto da telinha, não
assisto novela, e nas noites de quinta rio com "A Praça é Nossa" que
assisto desde criança, e na sexta se estiver de boa dou risada do Ratinho e seu
teste de DNA. O restante do tempo vejo desenhos em geral e a programação da TV
Cultura.
Com a internet assisto minhas séries que variam de suspense, terror,
(Supernatural, American Horror History, Paranormal Witness, Game of Trones)
chegando a comédia (Big Bang Theory). Sinto falta das produções nacionais que
me faziam rir, como por exemplo "Os Normais" e a série que me
surpreendeu não só pela boa história de suspense, mas pelo total desrespeito
com o público por parte da emissora "A Cura".
A leitura é minha paixão, não vou ser hipócrita e dizer que leio tudo mas
gosto muito de coisa antiga como Álvares e Aluísio Azevedo, Machado de Assis,
que são escritores nacionais que já navegaram pelas linhas da literatura
fantástica. Gosto muito de Laurentino Gomes com seus livros de história do
Brasil "1808”,
“1822” e
o recente “1889". Atualmente estou lendo "O Senhor da chuva", de
André Vianco, "Guerra dos tronos, crônicas do gelo e fogo - livro 1",
de George R.R. Martin e uma coletânea "Contos fantásticos do século
XIX", por Ítalo Calvino. Vou intercalando entre um e outro sem problemas.
5) Como está a vida artística e cultural em Suzano?
A mudança de gestão na prefeitura gerou um choque, o atual secretário se
trancou num 'casulo pseudo-intelectual', não convocando e não recebendo a
classe artística da cidade. Um ato de arrogância que motivou a mobilização da
classe artística.
Faço parte da 'Associação Cultural Literatura no Brasil' e encabeçamos os
atos de repudio às ações, ou melhor, ´à falta de ações´ no âmbito cultural.
Ações que abraçavam toda a comunidade e que atualmente não existem mais. Para
resumir um exemplo claro da falta de respeito com os cidadãos que utilizavam os
serviços culturais da cidade, a biblioteca municipal do centro da cidade hoje
fecha às 16:30h! Que trabalhador usufruirá de sua estrutura!?
No sábado passado (03/08/13), foi realizado das 09 às 17h, a
"Conferência livre de Cultura" em nossa cidade. Um encontro muito
produtivo e que mesmo sem a participação daquele que deveria ser o gestor da
cultura, gerou frutos muito positivos, resultado da união de representantes de
todas as classes e vertentes artísticas de Suzano.
Períodos conturbados, de luta e de muita esperança no futuro cultural da
cidade.
6) Após esse período de intensas manifestações, o que acredita que está
acontecendo? As coisas estão indo numa direção positiva?
Mostramos nossa força e agora sabemos o que ela pode
fazer pelo nosso país. Mas precisamos direcionar o ´gigante à reivindicações
focadas com os problemas atuais de nosso país, sem nos perder nos estratagemas
armados pelo caminho. Aqui em Suzano o momento de protesto serviu para sairmos
da inércia de aceitação. Afinal já passamos por regime de coronelismo na
prefeitura que se iniciou lá na década de 80. Éramos zumbis, politicamente
falando. Com as mobilizações, o povo aprendeu a gritar e exigir seus direitos e
isso é um bom início para as mudanças que com certeza virão.
Nada acontecerá de um dia para outro, mas iniciamos algo
maravilhoso e não podemos retroceder.
7) Como foi o processo todo de Minhas Histórias de
Mistério, Terror e Morte, seu primeiro livro?
Comecei os primeiros rascunhos em 2006, 2007 e não sabia
ao certo o que queria, mas gostei de escrever. Na época já assistia e lia muita
coisa, e embutia em meus textos a minha visão de suspense e terror. Neles, os
eventos acontecem no Brasil do passado, por volta do século XVIII. Em minha
cabeça existia uma magia verossímil numa época sem tecnologia e facilidades que
a vida moderna nos proporciona.
Quando achei que tinha terminado, imprimi todo material
num espiral de sulfite, fiquei muito tempo admirando-o e mostrando a amigos,
ficava mexendo nos textos ao longo dos anos e vejo hoje que tenho de mexer
mais. Ter o material e não publicar me entristecia e foi criando uma mágoa
grande da vida por não ter seguido um caminho profissional mais condizente com ´meu
talento´, ficava me perguntando aonde estaria hoje se tivesse desenvolvido a
escrita antes... Coisa de louco!
Hoje sei que tudo tem seu tempo, conversando com meu
primo (um dos cantores do grupo de rap Katarse), que me apresentou para o
escritor Sacolinha e deu no que deu. rsrs
Em todos os meios existem bons e maus profissionais, o
principal problema com estas pessoas é o ego e a arrogância. Hoje, como membro
da Associação Cultural Literatura no Brasil, tenho por mim que meu papel é
mostrar, dividir com jovens talentos as minhas experiências. Como ainda estou na
luta por reconhecimento, tudo que enfrento divido com as pessoas que me
procuram.
8) O que é a Associação Cultural Literatura no Brasil?
É um grupo criado pelo escritor Sacolinha, o poeta
Francis Gomes em 2005 (se não me engano), com a ideia de incentivar e fomentar
a leitura nos bairros da periferia de Suzano. Deste grupo, que tenho prazer de
fazer parte desde 2012, vem projetos culturais fantásticos, como por exemplo,
Sarau Literatura Nossa, Sarau Pavio da Cultura,
Projeto Sarau nas Escolas e distribuição e troca de livros. Muitos
talentos juntos, com o diferencial da força de vontade que marcam os artistas
de nosso país.
Tudo é muito recente pra mim, e aprendo muito a cada
passo.
9) Tem alguma pergunta que você gostaria que eu tivesse
feito e não fiz? Se quiser, pode formulá-la e depois responda-a. Obrigado!
Hummm... não sei o que falar rsrs Mas seria mais ou
menos assim a pergunta:
"- Por que gosta de escrever o gênero terror?",
ao que eu responderia:
"- Perguntaram certa vez ao grande escritor Stephen
King o porquê dele escrever coisas tão macabras, ao que ele respondeu: “- Eu?
Imagina! Eu tenho um coração de menino. Que está em minha mesa, dentro do vidro”.
Uma resposta digna de uns dos grandes mestres modernos
do terror.
Quero agradecer a você, Escobar Franelas, pela
oportunidade deste bate papo, pelo seu formato descontraído. Pergunto se é
normal ficar sempre com a sensação de que poderia ter falado sobre isso ou
aquilo... Não me acostumei a dar entrevista mas tem chão para que eu possa
aprender.
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