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18.8.13

Entrevista: Sidney Leal - Suzano, SP

Leal, entre suas referências (foto: arquivo pessoal SL)

(Sidney Leal é o cara. Conheci-o quando o poeta Mano Cákis me convidou para participar do Sarau Literatura Nossa, em Suzano, SP. A afinidade surgiu espontaneamente e logo de cara. Conversamos, falamos dos “malditos” da literatura, do Brasil e do mundo, falamos de outros malditos, no cinema, na música, na filosofia, na arte em geral.
De posse de seu livro Minhas Histórias de Mistério, Terror e Morte, pude perceber não só a influência de seus ´mestres´ mas, principalmente, o talento natural que o cerca e o eleva.
Foi a partir da leitura desse escritor tão peculiar e de nossa troca intensa de impressões sobre a arte e a vida, que achei legal entrevistá-lo, para conhecê-lo  e divulgá-lo.)

1) Quem é Sidney Leal?
Mais um escritor neste mar de criatividade que é nosso país.

2) Quando você começou as primeiras rascunhações, digamos, "literárias"?
Em 2006 escrevi um poema descompromissado, no retorno da faculdade:

“Cavaleiro Errante”

Eu queria ser um cavaleiro errante
de morada inconstante
com uma citara nas costas
e uma espada na cintura
atraído por cidade com cheiro de aventura
Ou pelo sorriso insinuante de uma bela dama.

Mostrei a um professor e me surpreendi com a reação dele, em relação a eu mesmo ter escrito o poema e o fato dele ter gostado.
Durante o trabalho me veio a ideia de escrever uma história, isso resultou no meu primeiro conto chamado "O Silva Negro" que, se Deus quiser, nunca verão, pois é muito ruim. Rs Daí não parei mais e um ano depois rascunhava como seria meu livro de contos mas me vinham questionamentos. Como eu queria escrever sendo que não conhecia os grandes mestres!?
Minha mãe trabalhou durante muitos anos como empregada doméstica na casa de uma família japonesa. Lá aprendi a ler e desenvolvi o gosto pela leitura com uma filha deles que até hoje chamo de tia. Mas, como eu dizia, “como poderia escrever sendo que não conhecia os mestres e seus livros”?
Parece incrível mas semanas depois essa ´tia´ ligava pra mim querendo saber se tinha interesse em ficar com os livros dela da época da faculdade!
Fiquei feliz e assustado. Agora sim poderia estudar os mestres e suas obras, com boas referências, desenvolver uma técnica de escrita.
Hoje posso afirmar que a escrita do mestre Machado de Assis não se limita apenas à literatura mais divulgada. Existem contos dele que são de arrepiar e mostram um Machado livre de ´cabrestos´ literários que infelizmente o marcam. Entre estes contos cito alguns: "A Igreja do Diabo" (conto mais cômico), "Vida Eterna" e "A Causa Secreta". E outros autores como outro mestre, Álvares de Azevedo com o seu inesquecível conto "Noite na taverna" e suas poesias tristes e reflexivas.
Não podemos deixar de fora mais um mestre, Aluísio Azevedo, com seu conto fantástico "Demônios", que apesar do nome é de uma criatividade e de uma escrita sem igual, lembrando que falamos de um texto escrito em 1891! E outros mestres da literatura aqui não citados.
Hoje em dia quem escreve histórias de terror fica tachado, discriminado. Existem bons textos de terror e poesias, que além de agradar aos adeptos do gênero, surpreendem pelo alto nível da qualidade do texto e da escrita.


3) Você fala das dificuldades das pessoas enxergarem que o terror tem seus escritos maravilhosos e outros nem tanto. Parece-me que, assim como a crônica, tem sempre que estar provando que pode competir em igualdade com outros gêneros. Por que será que isso acontece?
Lembrei de um trecho de uma música do Legião "Tudo que eu queria era provar pra todo mundo, que eu não precisa provar nada pra ninguém..." (sic)
Cara quanto penso nisso só me vem a cabeça palavra 'sobrevivência', tentar mostrar que o gênero terror, ser reconhecido como literatura, ser valorizado pelo que faz ao mexer com os sentimentos das pessoas.
Lembrei que li uma reportagem sobre uma mobilização de funkeiros para que o funk seja reconhecido como cultura e tal... Bom eu digo que sim é um movimento cultural, mas não posso afirmar se é bom ou ruim (eu acho ruim pra diabo! rsrs). Onde quero chegar, é que existe um paralelo com a literatura fantástica.
Sim terror é literatura, mas se é bom ou ruim... Bom eu sou suspeito em dizer.
Mas precisamos de espaço, e se merecido, precisamos de reconhecimento.


4) O que você lê, assiste, ouve?
Escuto rock, mas costumo dizer que "quebrem todos meus CDs, mas nunca mexam nos meu cds de new age, fado português”, mas gosto muito de música clássica uma mania que descobri sozinho para estranheza de minha mãe. Teve um período em que fui vendedor de painéis elétricos, descobri a Cultura FM, naquela época passava um programa matutino com um cara chamado Salomão Schvartzman. E com ele aprendi muito sobre música e o prazer que ela pode proporcionar... Pois é, sou estranho. rsrs
Não tenho TV por assinatura, e acho melhor assim... Gosto da telinha, não assisto novela, e nas noites de quinta rio com "A Praça é Nossa" que assisto desde criança, e na sexta se estiver de boa dou risada do Ratinho e seu teste de DNA. O restante do tempo vejo desenhos em geral e a programação da TV Cultura.
Com a internet assisto minhas séries que variam de suspense, terror, (Supernatural, American Horror History, Paranormal Witness, Game of Trones) chegando a comédia (Big Bang Theory). Sinto falta das produções nacionais que me faziam rir, como por exemplo "Os Normais" e a série que me surpreendeu não só pela boa história de suspense, mas pelo total desrespeito com o público por parte da emissora "A Cura".
A leitura é minha paixão, não vou ser hipócrita e dizer que leio tudo mas gosto muito de coisa antiga como Álvares e Aluísio Azevedo, Machado de Assis, que são escritores nacionais que já navegaram pelas linhas da literatura fantástica. Gosto muito de Laurentino Gomes com seus livros de história do Brasil "1808”, “1822” e o recente “1889". Atualmente estou lendo "O Senhor da chuva", de André Vianco, "Guerra dos tronos, crônicas do gelo e fogo - livro 1", de George R.R. Martin e uma coletânea "Contos fantásticos do século XIX", por Ítalo Calvino. Vou intercalando entre um e outro sem problemas.

5) Como está a vida artística e cultural em Suzano?
A mudança de gestão na prefeitura gerou um choque, o atual secretário se trancou num 'casulo pseudo-intelectual', não convocando e não recebendo a classe artística da cidade. Um ato de arrogância que motivou a mobilização da classe artística.
Faço parte da 'Associação Cultural Literatura no Brasil' e encabeçamos os atos de repudio às ações, ou melhor, ´à falta de ações´ no âmbito cultural. Ações que abraçavam toda a comunidade e que atualmente não existem mais. Para resumir um exemplo claro da falta de respeito com os cidadãos que utilizavam os serviços culturais da cidade, a biblioteca municipal do centro da cidade hoje fecha às 16:30h! Que trabalhador usufruirá de sua estrutura!?
No sábado passado (03/08/13), foi realizado das 09 às 17h, a "Conferência livre de Cultura" em nossa cidade. Um encontro muito produtivo e que mesmo sem a participação daquele que deveria ser o gestor da cultura, gerou frutos muito positivos, resultado da união de representantes de todas as classes e vertentes artísticas de Suzano.
Períodos conturbados, de luta e de muita esperança no futuro cultural da cidade.


6) Após esse período de intensas manifestações, o que acredita que está acontecendo? As coisas estão indo numa direção positiva?
Mostramos nossa força e agora sabemos o que ela pode fazer pelo nosso país. Mas precisamos direcionar o ´gigante à reivindicações focadas com os problemas atuais de nosso país, sem nos perder nos estratagemas armados pelo caminho. Aqui em Suzano o momento de protesto serviu para sairmos da inércia de aceitação. Afinal já passamos por regime de coronelismo na prefeitura que se iniciou lá na década de 80. Éramos zumbis, politicamente falando. Com as mobilizações, o povo aprendeu a gritar e exigir seus direitos e isso é um bom início para as mudanças que com certeza virão.
Nada acontecerá de um dia para outro, mas iniciamos algo maravilhoso e não podemos retroceder.

7) Como foi o processo todo de Minhas Histórias de Mistério, Terror e Morte, seu primeiro livro?
Comecei os primeiros rascunhos em 2006, 2007 e não sabia ao certo o que queria, mas gostei de escrever. Na época já assistia e lia muita coisa, e embutia em meus textos a minha visão de suspense e terror. Neles, os eventos acontecem no Brasil do passado, por volta do século XVIII. Em minha cabeça existia uma magia verossímil numa época sem tecnologia e facilidades que a vida moderna nos proporciona.
Quando achei que tinha terminado, imprimi todo material num espiral de sulfite, fiquei muito tempo admirando-o e mostrando a amigos, ficava mexendo nos textos ao longo dos anos e vejo hoje que tenho de mexer mais. Ter o material e não publicar me entristecia e foi criando uma mágoa grande da vida por não ter seguido um caminho profissional mais condizente com ´meu talento´, ficava me perguntando aonde estaria hoje se tivesse desenvolvido a escrita antes... Coisa de louco!
Hoje sei que tudo tem seu tempo, conversando com meu primo (um dos cantores do grupo de rap Katarse), que me apresentou para o escritor Sacolinha e deu no que deu. rsrs
Em todos os meios existem bons e maus profissionais, o principal problema com estas pessoas é o ego e a arrogância. Hoje, como membro da Associação Cultural Literatura no Brasil, tenho por mim que meu papel é mostrar, dividir com jovens talentos as minhas experiências. Como ainda estou na luta por reconhecimento, tudo que enfrento divido com as pessoas que me procuram.

8) O que é a Associação Cultural Literatura no Brasil?
É um grupo criado pelo escritor Sacolinha, o poeta Francis Gomes em 2005 (se não me engano), com a ideia de incentivar e fomentar a leitura nos bairros da periferia de Suzano. Deste grupo, que tenho prazer de fazer parte desde 2012, vem projetos culturais fantásticos, como por exemplo, Sarau Literatura Nossa, Sarau Pavio da Cultura,  Projeto Sarau nas Escolas e distribuição e troca de livros. Muitos talentos juntos, com o diferencial da força de vontade que marcam os artistas de nosso país.
Tudo é muito recente pra mim, e aprendo muito a cada passo.

9) Tem alguma pergunta que você gostaria que eu tivesse feito e não fiz? Se quiser, pode formulá-la e depois responda-a. Obrigado!
Hummm... não sei o que falar rsrs Mas seria mais ou menos assim a pergunta:
"- Por que gosta de escrever o gênero terror?", ao que eu responderia:
"- Perguntaram certa vez ao grande escritor Stephen King o porquê dele escrever coisas tão macabras, ao que ele respondeu: “- Eu? Imagina! Eu tenho um coração de menino. Que está em minha mesa, dentro do vidro”.
Uma resposta digna de uns dos grandes mestres modernos do terror.
Quero agradecer a você, Escobar Franelas, pela oportunidade deste bate papo, pelo seu formato descontraído. Pergunto se é normal ficar sempre com a sensação de que poderia ter falado sobre isso ou aquilo... Não me acostumei a dar entrevista mas tem chão para que eu possa aprender.
Agradeço a você também pela sua humildade e dizer que o respeito pelo seu trabalho como escritor, poeta e agitador cultural e seria um prazer para mim poder chamá-lo de Amigo.
Os escritores Sacolinha, Mano Cákis, Débora Garcia e Leal (foto: arquivo pessoal SL)

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