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13.4.23

Resenha: “Primeiro Livro de Poesia - Uma introdução aos poetas de Moçambique”, org. Pedro Pereira Lopes (Poesia)

 


“Primeiro Livro de Poesia - Uma introdução aos poetas de Moçambique” - Pedro Pereira Lopes (org.)

 

Antologias literárias são sempre discutíveis, em geral por dois motivos óbvios e complementares: primeiro por ser uma tentativa de escolha objetiva de um ou vários sujeitos. Segundo: por mais que se esforcem, os indivíduos nunca são objetivos, trazem em si essa contradição humana, apropriar-se de fragmentos de saberes que serão uma marca única e indelével. Essa condição os impele pra frente, pro lado, acima e, outras vezes, para trás ou abaixo, em processos sempre mutantes e nunca finalizados.

“Primeiro livro de poesia - Uma introdução aos poetas de Moçambique”, antologia organizada pelo escritor e editor Pedro Pereira Lopes, trabalha essa dicotomia com um voo panorâmico sobre a poesia produzida em Moçambique desde os tempos coloniais até hoje. Editado pela Escola Portuguesa de Moçambique – Centro de Ensino e Língua Portuguesa (EPM-CELP), o livro é pequeno mas possuidor de uma fartura de nomes representativos da poesia do país lusófono encravado na costa leste africana. Constituído por 60 páginas bem sortidas, o livro de Lopes cumpre com méritos o que se propõe: visibilizar poetas locais que despertam, encantam e arregimentam leitores (e por que não dizer futuros poetas?) para a literatura moçambicana.

 

aproximar os ouvidos à terra / ouvir a folha / como criança / riscar o chão com a dúvida / é o que procuro no relógio (“Ouvir a folha”, Nelson Lineu)

 

Com introdução da escritora e editora Teresa Noronha e prefácio de Alberto da Barca, a obra parece optar por nomes que exprimem a diversidade da produção poética moçambicana. Além de Lineu, Angelina Neves, Calane da Silva, Eduardo White, Glória de Sant’Anna, José Craveirinha, Luís Carlos Patraquim, Mia Couto, Mutimati Barnabé João, Noémia de Sousa, Rui de Noronha, Rui Nogar, Sónia Sultuane e Tânia Tomé, são alguns dos nomes contemplados pela pesquisa de Lopes.

 

Ninguém / oferece flores // A flor, / em sua fugaz existência, / já é oferenda. // Talvez, alguém, / de amor, / se ofereça em flor. // Mas só a semente / oferece flores. (“Flores”, Mia Couto)

 

Como pode ser observado, a seleção para esta coletânea contempla nomes conhecidos mundialmente, como Mia. No Brasil, que tem se tornado um espaço de trocas com a literatura de Moçambique, outros nomes já estão sendo publicados, ainda que de forma irregular. Neste panteão, podemos citar Angelina Neves, Sónia Sultuane e o próprio organizador, Pedro Pereira Lopes, que estão em alguns circuitos alternativos em terras tupiniquins.

 

Hoje vi uma borboleta pequena, / que escrevia no ar uma grande pauta musical, / maior do que ela, ela insistia, insistia / em chamar minha atenção, / ajoelhei-me para escutá-la, chorei de emoção / ela disse-me, / diz à tua mãe, / que no seu colo, / quando ela te embalava, / ouviste a música mais bela do seu coração. (“Colo da minha mãe”, Sónia Sultuane)

 

Com um trabalho de ilustração sutil da artista visual portuguesa Filipa Pontes, amalgamado à textura poética da obra, “Primeiro Livro de Poesia - Uma introdução aos poetas de Moçambique” figura como trabalho que pode 9e deve) ser editado no Brasil em um futuro próximo. Os textos revelados na coletânea mostram uma pluralidade de vozes selecionadas com rigor (a meu ver, com a objetividade discorrida no primeiro parágrafo). A expectativa para o público brasileiro é a de que a partir de agora tenhamos um leme seguro para navegar nos mares poéticos do país-irmão, e com ele uma bonança nesse mar de trocas e aprendizados. 

Nenhuma descrição de foto disponível.
Pedro Pereira Lopes, organizador, em São Paulo, 2019 (foto: Facebook/PPL)

 

Serviço:

Livro: “Primeiro Livro de Poesia - Uma introdução aos poetas de Moçambique”

Organizador: Pedro Pereira Lopes

Ilustrações: Filipa Pontes

Introdução: Teresa Noronha

Prefácio: Alberto de Barca

Ed. Escola Portuguesa de Moçambique-CELP (2022)

60 pág.

 

#poesia #moçambique #pedropereiralopes #poesiamoçambicana #antologia


4.1.23

Pelé

 


tudo o que a gente não entendia

pelé compreendia

tudo o que a gente não dizia

pelé falava

tudo aquilo que a gente só se gabava

pelé jogava

7.12.22

Um textículo: "da natureza"

 

é da natureza ser complexa e simples
é da natureza ter a elegância de furacões
a força dos mares
e o ritmo do ar
é da natureza os acidentes geográficos
ser indomável e calma
abstrata e rígida

é da natureza exercer a antidiplomacia
entre a carne e o espírito
ser parte do todo
e o todo de toda parte
é da natureza ter e não ver
sorrir, servir e ser
viver pra morrer eternamente
morrer pra nascer
nascer pra viver
e ter na mente
esse medo tão presente

1.12.22

Um textículo: "às cegas"

 

- Você viu meus óculos?
- Oi?
- Perguntei se você viu meus óculos.
- Não tô ouvindo você direito. espera que vou desligar o chuveiro. Pronto. Fala...
- Perguntei se você não viu meus óculos.
- Ôxi, você não está segurando ele aí na sua mão?
- Eita. É verdade. Desculpe incomodar. Pode voltar pro seu banho.
- Tá! Já vou, mas... pra que você está segurando o celular com a lanterna acesa?
-  É pra ver se encontrava os óculos.
- Agora já encontrou.
- É verdade. Agora tenho que achar o celular.

30.11.22

Um textículo: "civis"

 

primeiro
disse que eu nada entendia de mulheres
depois
reclamou que eu não manjava nadica de cromaterapia
por último
falou que eu nada sabia da receita de tapioca
perguntei
e você, só compreende isso?
e nos calamos

 

29.11.22

Um textículo: "terceiro ser"

 

o meu querer
quer tanto você
que até se confunde
e só eu sei
que aqui dentro uma coisa remói
e se reconstrói
e funde esse ser a
outro mesmo querer
apocalipse de razões
sentimentos, sensações
asas e outras tontas, tantas e falsas concepções
de um desejo que dói
e remói sem moer
e dói sem doer
preservando esse ser,
que sou eu, que é você