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23.12.14

Ninguém Lê - "o incrível acordo entre o silêncio & o alter ego" (Caco Pontes)


O Ninguém Lê, projeto de fôlego apresentado por Victor Rodrigues e Ni Brisant, teve sua última edição de 2014 realizada em 08 de dezembro. Agora na Galeria Olido, depois de ter percorrido outros espaços no centro da Sampalândia, o NL traz todo mês um livro convidado, que é "virado ao avesso" pela plateia leitora. Ao autor cabe ouvir as interpretações, tirar dúvidas, desmistificar e ver seus textos na mesa do legista, escarafunchada pelos leitores.
O convidado desta vez era o livro "o incrível acordo entre o silêncio & o alter ego", de Caco Pontes. No evento, iniciado sob a batuta de Victor, o autor - que é um dos pilares do coletivo Poesia Maloqueirista - pode saber a quantas anda a leitura de sua poesia solar e urbana. O apresentador abriu a sessão e a roda toda participou da leitura dos textos de Caco.
Após a leitura, as digressões vieram naturalmente. Apontamentos como o de Victor, "a gente passou a escrever melhor que aprendemos a ler melhor", serviram para nortear a discussão. O viés introdutório, porém, logo é dedicado ao polêmico texto inicial do livro, "Em forma de Caco Pontes", escrito por Antônio Vicente Seraphim Pietroforte, professor de Semiótica e Linguística da USP. Caco enfatiza que "se fosse reeditar este livro, tiraria o prefácio, pois o contexto hoje é outro". Alguém do público quebra o gelo, lembrando que não é citada a autoria de quem fez as ilustrações do livro. Caco desculpa-se pelo erro gráfico e cita a ilustradora Emília Santos como autora dos traços perspicazes que permeiam a obra.
A conversa volta para o assunto "prefácio". O autor continua as explicações: "este prefácio é uma pedra no sapato. Foi muito questionado na época em que o livro foi lançado, 2008". Ni cutuca: "a polêmica fez bem para o livro?" Caco disfarça e despista: "legitima a obra ser respaldado por um doutor da USP". A plateia não deixa o tema morrer: "por que você escolheu ele para escrever o prefácio?" Caco explica: "vendi um um libreto para o Vicente na Praça Benedito Calixto". ele gostou e elogiou, depois me convidou para participar de algumas antologias. Como ele foi me dando aberturas, neste primeiro livro oficial quis trazer todo o amadurecimento que tinha naquele momento".
Victor, libertando Caco do redoma prefaciana, recorta e recorda: "dos livros que estava comprando, este foi o que mais gostei na época".  A conversa envereda por um novo caminho, onde agora cabem considerações sobre a artesania poética. Caco Pontes pisa fundo no acelerador. "A poesia é subjetiva, sinestésica, sensorial", afirma e depois aprofunda: "É uma antena em que vem um raio e... então vem o trabalho braçal, lapidar, como diria o Ademir Assunção".  Provocado, acaba confessando "tenho uma certa influência de uma arte esquizofrênica, do delírio, do transtorno mental, tipo Tom  Zé ou Arnaldo Antunes. Comecei a escrever pois estava lendo poemas do Jim Morrison, que estava entre o xamã e o surto provocado pelas drogas".

Do livro

Com poemas curtos, urdidos no contexto pós-geração mimeógrafo, o poeta tem uma oficina de tramas por onde confecciona algumas pérolas, como esta
Enquanto todos
tentam pegar o rei

eu
só quero
comer a rainha
("Xadrez ou confissão de um peão"), 
que ele tece com destreza.
Ter acesso à poesia maior de Caco Pontes via "o incrível acordo entre o silêncio & o alter ego" foi o mérito deste último Ninguém Lê do ano.
O Ninguém Lê cumpre, assim, seu destino inexorável, sempre lembrado por Ni Brisant e Victor Rodrigues nas rodas de conversa: "ouvir o autor ainda vivo!". 

1.12.14

Entrevista para Marciano Vasques - II (17/11/12)

SÁBADO, 24 DE NOVEMBRO DE 2012

PALAVRA FIANDEIRA — 93





PALAVRA FIANDEIRA

REVISTA LITERÁRIA

Publicação digital de Literatura e Artes

ANO 4 —Nº93 — 17 Novembro 2012
EDIÇÕES AOS SÁBADOS

NESTA EDIÇÃO:

ESCOBAR FRANELAS
___________________________________________








1.Quem é Escobar Franelas?                                                                                                      

Engraçado que há um ano e meio eu me apresentava aqui mesmo no Palavra Fiandeira (edição 63, julho de 2011) como escritor e videomaker. Hoje sou Educador! O poeta, o prosador e o criador audiovisual continuam existindo, evidentemente, mas o Educador surgiu espontânea e imperativamente nesse período. Trabalhei com educação voluntária por nove anos na região de Barueri mas hoje trabalho full time em um projeto muito bonito e inspirado chamado "Programa Jovens Urbanos", na região de São Miguel Paulista. 

2.Com tudo isso, qual o tempo que você dedica aos escritos e ao vídeo?

Fins de semana, basicamente. Quer dizer, com essa imersão na Pedagogia, uso as horas iniciais da manhã para praticar a escrita e preparar matérias. E os sábados dedico aos saraus, shows, eventos, rodas literárias, essas coisas. Quando tenho alguma produção na área audiovisual, aí geralmente marco nos domingos. É claro que isso tudo pode ser regra, mas com ampla abertura para exceções na agenda. Até porque tenho que contemplar outras coisas: a casa, a família, viagens, visita à amigos e parentes, assistir um cineminha, um teatro, ir a um show...

3.Importante ter ressaltado a família. Como você “vive” em família?

Creio que vivo bem. Por forças dessas circunstâncias já citadas, vivo mais próximo do caçula, João, que está pela manhã em casa, e esse é o momento em que também estou.
Tento formular algumas regrinhas de convivência pra gente sobreviver a essa correria. Decidimos, por exemplo, que ninguém come na sala de tv ou no quarto. Então, por essa regrinha, somos “obrigados” a conviver com o outro pelo menos na hora da alimentação, pois nesse momento todos nos ajuntamos no mesmo espaço. Assim, aumentamos a chance do diálogo, e potencializamos as oportunidades de conversa e troca de saberes.
Outra regra determinante é a de não termos TV ou computador nos quartos. Assim, novamente a regra agrega um pouco de civilidade às relações, pois tivemos que aprender a ouvir música no micro, por exemplo, com fone de ouvido, pois está no mesmo ambiente em que alguém pode estar assistindo TV. Aprendemos assim a conviver num mesmo território sem atrapalhar quem está praticamente ao lado da gente.
Parece que por enquanto está dando certo...

4.O que representou para você, como poeta e artista, e ser humano, ter prefaciado o livro SERAFIN DE POETAS II, uma antologia com apenas poemas de crianças?

Uma oportunidade única de alimentar (e exercitar) uma paixão avassaladora. Quando me questionam se sou otimista ou pessimista com relação às coisas do mundo, digo sempre que sou realista. E enxergar esse mundo sem viseiras significa, pra mim, trabalhar incessantemente para que estas crianças e adolescentes de hoje tenham tudo o de melhor em relação à geração anterior. E, consequentemente, que eles deixem um rastro de beleza para as gerações futuras.
Quanto à apresentação do livro Serafin de Poetas II, foi uma surpresa o convite que você me lançou, e um desafio, pois tive que sair de minha zona de conforto e me dedicar a algo que fosse sucinto e profundo ao mesmo tempo. E isso é algo difícil de se alcançar.


Foto de Escobar Franelas, no lançamento do livro SERAFIN DE POETAS, em Novembro de 2011

Livro SERAFIN DE POETAS II, lançado hoje
(SERAFIN DE POETAS é marca registrada ©)

5.Acredita que estamos no caminho certo em relação às oportunidades que as novas tecnologias oferecem?

Vasques, você está certíssimo. As chances que as tecnologias oferecem são a realidade que não tivemos mas esses jovens de hoje têm. E não adianta querer combater com essas frases ridículas tipo “no meu tempo tinha isso ou aquilo”. “No seu tempo”, você utilizou as tecnologias, as narrativas e os mitos que você tinha em mãos. Hoje eles se apropriam dos meios, conceitos e contextos que são inerentes a essa época, este período, entende? Então, acho justo bater palmas para um educador como você, que entende as demandas e as peculiaridades desse tempo, entende a cabeça desses jovens, e procura trabalhar uma imersão pela sublimação poética sem que eles percam as referências e os instrumentos que estão dispostos aí, como os celulares, a mobilidade urbana, as redes sociais, a interatividade.
A “ciranda-cirandinha” de hoje é o Facebook, o Twitter, o mundo blogueiro. E não há mais volta. Então, acho justo parabenizá-lo pela ideia de tornar esses espaços um lugar também para a introspecção, a reflexão e a prática lúdica. E o Serafin de Poetas me parece ser exatamente isso, um jardinzinho onde eles praticam o “ce-ce-cere-ce-ce” contemporâneo.

6.Na entrevista anterior, dedicamos um momento especial para o Raberuan, que partiu meses depois para as estrelas. Queria que você fizesse algumas considerações sobre esse artista.

Raberuan foi uma estrela que acendeu, piscou, iluminou e deixou um rastro de luz durante 58 anos, aqui na região leste de São Paulo e outros lugares. Logo após seu aniversário, em outubro do ano passado, ele subiu e agora pisca pra gente aqui embaixo, para que possamos nos inspirar e tentar escrever algumas pérolas, como esta que ele nos deixou: “Saudade: / esse capim novo que ora invade / meu canteiro verde de lembranças / onde sempre plantei a verdade. Saudade: / deu caruncho na felicidade / no feijão, no milho, na mandioca / ou no estalar sua pipoca / ou no comer sua tapioca. / Saudades / do beijo do Severino do Ramo / de ouvir o Akira recitando / nas festas do MPA. / dos nossos velhos novos planos / que se perderam com os anos / na plantação do meu pomar. / Saudade / da caminhada ao Casteluche / preparação do desmantelo / Ceciro, Osnofa e Gildão. / Saudade / do clima do quintal do Sacha / da ilusão de mil cachaças / da Célia fazendo o feijão / e o Zulu chamando o refrão. / Saudades / dos namoricos e paqueras / todas as meninas eram belas / só poesia e devaneio. / Saudade / de quando o povo rareava / lá pelas 4 da manhã / e o Gordo tocando o bongô. / Ô Gordo!” (“No Quintal do Sacha”. Link para o clipe em http://www.youtube.com/watch?v=WGS4X5W-6Dw)

RABERUAN!
©

7.Já que disse que agora é também um Educador, como sente a educação praticada hoje?

A formal desinforma, e a informal preenche. Quero dizer com isso que no momento não sabemos o que estamos praticando. Estamos, para usar um termo marxista, alienados. E isso justamente no ambiente – a educação – onde deveríamos estar filtrando idéias e saberes.
Mas penso também que é um problema conjuntural e estrutural. Conjuntural,pois não pode ser pensado em partes, tem que ser pelo todo. E isso nos leva para a outra questão, estrutural, pois temos que pensar pelo viés da organicidade. As ações isoladas, que têm sido muitas, não se completam. Então, é preciso a instauração de uma nova ordem, que passe pela revalorização do papel do professor, do pesquisador, do pensador.

8.A arte pode contribuir com essa proposta?

Esse é o papel da arte: repensar, reponderar, des-represar a água que está contida. Em todos os campos, aspectos e narrativas.

9.O que o encanta?

Fazer novas amizades pelo Facebook, ouvir o bem-te-vi que canta na árvore da casa vizinha toda manhã, ver um botão novo numa das mini-roseiras que conservo em minha coleção de tetrapaks, ser acordado por uma ideia às 3 da manhã e ter que sair da cama para rascunhar a ideia que me tomou, comer pizza com meus filhos e a musa, ler Akira Yamasaki no metrô, ouvir Sacha Arcanjo no meu celular, ver um clipe novo do Edvaldo Santana no Youtube, trocar idéias com Marciano Vasques às sete da manhã pelas redes sociais, tudo isso me encanta...

©
Com o cantor Jocélio Amaro, na noite de lançamento do livro O VOO DE PÉGASO

10.Afinal, você tem alguma hora de ócio?

Todo dia. Embora possa parecer que não, a todo momento me dou o direito de furtar um pouco de meu tempo para ficar a sós, comigo. E esses momentos são muito importantes, pois reabasteço as energias e as idéias para prosseguir a caminhada.

11.Quais  os seus projetos?

Estou escrevendo um novo livro, um romance. Rascunho ele num caderno universitário quando venho de trem para casa, à meia-noite, e de manhã digito.
E estou tomado pela ideia de finalizar o documentário sobre o Movimento Popular de Arte (MPA), de São Miguel, já que encontrei uma parceira para codirigir comigo esse projeto que tinha se tornado inviável para levar sozinho. Mas a Sheilinha Procópio, mal entrou em sintonia comigo, já se revelou a parceira ideal para levar a cabo esse empreendimento.

12.Deixe aqui a sua  mensagem final. Qual a sua Palavra Fiandeira? 

“Para aquele que pensa em desistir, dou idéias de outros caminhos. Para aquele que pensa em resistir, oferto novos argumentos. E para os que pensam em existir, dou minha mão: posso ir junto?”

Foto de Francisco Xavier ©


PALAVRA FIANDEIRA
Ano IV
Publicação digital semanal
Literatura e Artes
Edições aos sábados
Edição 93 — 24 Novembro 2012
Edição ESCOBAR FRANELAS

PALAVRA FIANDEIRA - Fundada pelo escritor Marciano Vasques
*Original em http://palavrafiandeira.blogspot.com.br/search/label/ESCOBAR%20FRANELAS%20II

Entrevista para Marciano Vasques (16/7/11)

SÁBADO, 16 DE JULHO DE 2011


PALAVRA FIANDEIRA — 63




PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE LITERATURA
REVISTA DIGITAL LITERÁRIA
17/JULHO/2011
ANO 2 — 63

 NESTA EDIÇÃO:
ESCOBAR FRANELAS
"Meu viver é a experiência poética mais completa."
 Escobar Franelas — foto: Raquel Ramos
______________________
Exposição de Fotopoemas—Sacramento, MG —foto: Escobar Franelas


1—Quem é Escobar Franelas?
Escritor e videomaker paulistano. Depois de muito perambular, estou quase terminando uma graduação, em História. Gosto sobretudo de livros, mas também de artes em geral, filosofia e práticas ambientais sustentáveis. É sobre esse quadrado que minha vida está estruturada.
 Escobar Franelas —gravação do CD "Sacha 60" — foto: Akira Yamasaki

2—Já nos encontramos em algumas pontas de uma corrente serena formada por poetas, jornalistas, idealistas, sonhadores, que com suas antologias, suas páginas literárias vão conduzindo essa vontade de divulgar os fazedores de poesia e arte. Entre esses amigos, o Zanoto, que nos deixou recentemente, e o Selmo Vasconcelos, de Rondônia. O que é para você, participar dessa pulsação?
É participar – como você mesmo nos diz – da essência de uma produção devotada ao “fazer”, sem que isso seja simplesmente uma submissão às exigências financeiras ou midiáticas. A maioria desse pessoal (o antigo underground, hoje não sei que palavra usar com exatidão) produz cultura e arte no sentido mais profundo, pois não estão sob sistemas, formais ou não, de dominação de mercado.
A artesania vem da experimentação, ludicidade e prazer que nos levam aos gregos, onde a arte anelava-se ao sagrado. Entendo e professo a arte assim, como o sagrado que se manifesta em vida.

3—Tive a grata alegria de estar algumas vezes com Raberuan. Poderia, por favor, contar aos nossos leitores, sobre esse artista de São Miguel Paulista, de quem tanto gosto?
 Escobar com amigos, entre os quais o cantador RaberuanBeto Rios; Akira Yamasaki; Escobar; Raberuan e Eliel Lima 
gravação do cd "Sacha 60" — foto: Ceciro Cordeiro

Raberuan é um compositor inspirado, croonerversátil e cidadão como poucos. Não é um artista deslumbrado, antes, é um militante do humano que há na arte.

4—Como você “se achou” trabalhando no mundo do audiovisual?
Iniciei no audiovisual trabalhando numa finalizadora de VHS, em 1988. O videocassete tinha acabado de chegar ao Brasil e havia uma demanda muito grande na produção de filme para o mercado doméstico. Tornei-me operador de vídeo, depois aprendi a ciência da edição de um filme, tradução, legendagem, essas coisas. Com o tempo, veio a vontade de produzir alguma coisa, dirigir... foi aí que finquei parceria com um antigo parceiro, o Gilberto Tavares, com o qual até hoje fazemos manufaturas. Atualmente, estou terminando a montagem de um vídeo experimental sobre a poesia de Dailor Varela, um poeta seminal nas letras brasileiras dos anos 60, ao mesmo tempo que estou produzindo um documentário sobre o Movimento Popular de Arte (MPA), em parceria com o Giba e o Claudemir Santos. O MPA é a principal referência quando se estuda as questões artísticas e culturais na região de São Miguel nos últimos 30 anos.

5Considero um poema de Bandeira o mais triste e belo de nosso idioma. Sei que gosta de Bandeira, e de outros poetas. Poderia nos dizer até que ponto o contato com a escrita de poetas consagrados pode influenciar o surgimento de um novo poeta?
Quando iniciei meus escritos, imitava o Bandeira pois achava que seria mais fácil escrever como ele, em branco e sem métrica. Quanto engano! Pois se não tenho rimas e metros, tinha que ter assunto, enredo e ritmo, coisas que aprendi (ou, pelo menos, julgo ter aprendido um pouco!) com o tempo, lendo, relendo e treslendo Bandeira.
Teve um momento que pensei em desistir, pois cria que não conseguiria jamais atingir o nível deles. Hoje convivo bem – aprendi com Quintana – sendo passarinho, figurante na beleza fulgurante da poesia brasileira.
Poeta Manuel Bandeira
6—Não podemos negar os benefícios da tecnologia, mas ao ver que estamos entrando numa nova era, será que a poesia, e as artes, podem contribuir de alguma forma para o retorno, ou melhor, para que a era humanista não se vá por completo?
Nunca perderemos essa verve, fique tranquilo. O máximo que acontece às vezes é que interesses de poder e capital dominam a cena por um período. Mas como bem sabemos, o mundo, a vida, são cíclicos. No dia que perdermos totalmente as referências humanísticas, não será mais mundo, ou, pelo menos, não seremos mais gente.

7—Você se assume e se reconhece poeta, “mesmo quando não está escrevendo”. O que é exatamente isso, o que significa se sentir poeta, ter essa consciência de ser?
Sou poeta não porque escreva poesia. Meu viver é a experiência poética mais completa. Isso é o que chamo irmanar a arte com o sagrado. Sempre defendo a idéia de que pode-se ser visceralmente poeta tomando café numa padaria barulhenta às sete da manhã, ou vivendo a intensidade do amor, mesmo que não se profira palavra alguma.

 Escobar Franelas — gravação do CD "Sacha 60" — foto: Akira Yamasaki

8—Você é fotógrafo, é artista audiovisual, é perfomance ambulante, é um camelô a repartir com as luzes da cidade a poesia que está no que pode ser imperceptível no cotidiano, mas pode também jorrar nos olhos de quem se atrever. A poesia é necessária em nossos dias, em nossa sociedade?
Poesia é necessidade orgânica. E, tal como o ar, só sentimos falta dela quando deixamos de “respirá-la” ou quando a sorvemos com as sujeiras que alguém lançou sobre ela.

9—Facebook e outros virtuais inauguraram uma nova era, sem dúvida. Em todos os sentidos. A criança que tem 9 anos, mas 20 no Orkut, etc. Como você traduz essa nova realidade que surge trazendo um novo espírito para a época?
Eu não ousaria traduzir, mas admito minha estupefação. Esse é o transe, a nova perspectiva que não foi dominada totalmente pelos capitalistas de plantão. O Cláudio Prado repete sempre esse bordão, as redes sociais no ambiente holográfico da internet são o novo parque de diversão, o pique-esconde que brinquei e meus filhos não brincam mais. Há uma nova maneira de ligar-se ao outro, novas formas de comunicação que fogem ao contexto de quem cresceu dependendo do mundo físico.

10—Se tivesse que escolher um de seus poemas para o nosso leitor, com qual nos brindaria?
Para não cansar os desavisados, vou com um de meus haicaos, bem curtinho:
A mobília imobiliza / a sala de estar / invente andar” (Tráfego)

11—O que seria para você o clímax poético?
É como o orgasmo, você não o explica. Mas vivencia a plenitude de seu acontecimento. Como explicar a densidade de Clarice Lispector, hein? Como colocar em palavras o que sinto quando leio Drummond? Não dá. Tudo o que falo de Borges, ainda assim não é o Borges legítimo, no original, que, aliás, todos deveriam ler – completo – pelo menos uma vez na vida.
 
Clarice Lispector - Clarice Lispector (divulgação)

12—Tem quem se supõe estrela por ter publicado o seu primeiro trabalho artístico, tem quem não consegue aceitar o outro, pelo fato de o outro não pertencer ao seu grupo, e tem aquele que apenas quer produzir arte, e seguir em frente, tentando embelezar o mundo, os corações e às consciências, e ainda tem os que “utilizam” a própria arte para denunciar as injustiças, etc... Onde vamos encontrar Escobar Franelas?
Putz. Questão difícil essa... Não sei falar de Escobar Franelas. Sabia que até inventei um alter-ego (e ainda por cima feminino!), só para tentar dialogar comigo? Chama-se Maria Dumário e desempenha o papel de psicanalista.
Então, vou pedir para ela responder essa questão. Bem, ela diz que Escobar é pura ficção, mentira das bravas! E pede para você tomar cuidado com ele. (hehehe)
Mas, tomando o microfone dela para retomar a palavra, digo que gosto mesmo é de escrever. A experiência de publicar não me realizou, como eu tinha imaginado. É bonito viver essa situação, os amigos, a festa, o reconhecimento. Mas gostoso mesmo, é ser surpreendido por uma idéia e dela se tornar prisioneiro, até que a coloque no papel.

13—Você tem um carinho especial pelos blog como espaço de cultura, de consciência, como “uma sala de leitura”. O que representa exatamente a blogosfera para você? E terá ela vida longa? Por quê?
É a nova sala de leitura, mais interativa, dinâmica, imprevisível. Sem dúvida ela representa a biblioteca. Hoje temos várias “alexandrias” a um clique dos dedos, e – incrível – não nos damos conta.

14—Certa vez eu comentei que era escritor, e alguém perguntou: qual o seu livro? Eu respondi que não tinha livro publicado, a pessoa murchou, mas eu continuei sendo escritor. Tem algo a dizer sobre isso?
Vejo duas saídas para questões como essa: tentar convencê-lo de que há erros em sua interpretação, ou dar de ombros e sair de perto. Na maioria das vezes, prefiro a segunda alternativa, que é mais rápida e facilmente aplicável.

15—Tenho um apreço especial pelos jornais de bairro, os jornais regionais. Acredita que, de um modo geral, quem tem paixão pela liberdade, busca a sua alma no jornal?
Acho que os jornais são instrumentos muito importantes para a construção do espírito democrático. Embora as instituições religiosas e a ladroada política usem sempre no sentido contrário.

16—Sempre me sopra uma alegria no coração ao ouvir falar de Akira, de Raberuan, de Jocélio Amaro, que nós, os Vasques, amamos, e também Sacha, e outros. Vocé é oriúndo do Movimento Popular de Arte, de São Miguel Paulista, terra de Antonio Marcos? Poderia contar aos leitores, de forma resumida, a história dessa história?
Nunca fui do MPA. Até me aproximei deles em 1998, 99, quando já fazia uns 13 anos que o movimento tinha implodido. Mas colho até hoje as benesses de conviver com gente tão interessante. O MPA nasceu mais ou menos em 1978, fruto de um interesse popular que discutia cultura e arte na região. Ajuntamentos humanos – como sempre repete o Luiz Alberto Mendes – sempre produzem cultura, “somos homos culturalis”, e vários artistas juntos (discutindo arte!), só poderia dar no que deu: um corolário de produção, com muita música, teatro, poesia, artes plásticas e mais, com vigor, inspiração e muita disposição. Por questões diversas, o movimento perdeu um pouco da força com o passar do tempo, mas nos legou uma história de lutas e conquistas. Tanto que Edvaldo Santana, Akira Yamasaki, Sueli Kimura, Sacha Arcanjo, Ceciro Cordeiro, Raberuan, Zulu de Arrebatá, Osnofa, Gildo Passos, Artênio Fonseca, Cláudio Gomes, Nelson Mouriz e muitos outros continuam aí, compondo, fazendo shows, se apresentando, escrevendo, pintando.

17—Pode revelar alguns de seus projetos?
Em literatura, acabei de finalizar um romance, “Antes de Evanescer”, que está na revisão. Vou atrás de editora pois espero publicá-lo ainda esse ano. E tem mais dois livros de poesia e um de contos, mas estes ficarão para depois.
Em audiovisual, estou finalizando um curta metragem experimental cujo enfoque é a poesia de Dailor Varela (ícone do movimento Poema-Processo), e fazendo as captações de imagens para o documentário sobre o MPA, que pretendo lançar no ano que vem.
Também estou publicando muito material na internet, para a revista Ounão (http://www.revistaounao.com.br/), para o Fora do Eixo (http://foradoeixo.org.br/), que é um circuito de produção independente e para a União Brasileira dos Escritores – UBE (http://www.ube.org.br/).

18—Acompanho as suas andanças, e essa persistência de Soldadinho de Chumbo é algo encantador. Qual foi o seu primeiro livro publicado?
A primeira participação foi na Antologia Poética de Pinheiros(Scortecci, SP), em 1988, com dois poemas de dar dó. Essas coletâneas são ótimas pra isso, você aprende muito convivendo com outros que praticam a mesma arte. Depois vieram outras antologias até que consegui lançar meu único livro-solo, em 1998, “hardrockcorenroll”.
Após isso, aconteceram outras coletâneas e até alguns prêmios literários.
Hoje, contudo, meu interesse maior está nas dimensões e ferramentas da cultura digital. É por esse caminho que estou me enveredando cada vez mais.

19—Era uma vez um tempo em que não havia bastidores na vida artística e musical no Brasil e nossa função, segundo alguém comentou, seria a de aplaudir e até, em certos casos, idolatrar, e a internet acabou com isso. Acredita que estamos mais próximos de uma compreensão mais ampla da importância da arte?
Não creio. Acho que surgirão sempre maneiras de tornar qualquer arte rarefeita. É o contraponto natural de qualquer tipo de expressão. Sempre há uma face mais elaborada e outra com apelo mais popular.
Agora, se entendi bem sua questão, vou ao cerne: muitas vezes leio textos, ouço cd, vejo encenações, quadros, tudo de colegas ou pares, e minha opção é não comentar. Por quê? Porque fico em dúvida quanto à qualidade destas obras. Prefiro, nesses casos, guardar silêncio. É evidente que muitas vezes o silêncio é outro, por falta de tempo para fazer um texto bom.
Quando minha humilde compreensão permite enxergar qualidades no trabalho – e há tempo para escrever um texto que dignifique este trabalho – sou o primeiro a “botar a boca do trombone.” Imagina, o artista é bom, não tem retorno de mídia e eu vou campactuar com isso? Sem chance! Alardeio, cito, comento, divulgo, sim senhor! Para isso a internet é ótima.

20—Você teve uma exposição de fotopoemas. Onde e quando isso aconteceu? Pode nos dizer sobre?
A pré-estreia foi em 25 e 26 de junho, quando participei do Festival de Inverno do Parque Náutico de Jaguara, em Sacramento, MG. A estréia mesmo será em 29 de julho próximo, n´A Casa Amarela (http://www.acasaamarela.net/), num sarau que unirá várias linguagens artísticas. Depois disso, ficarão expostos lá por um mês.
Os fotopoemas nasceram de uma combinação não prevista. Sempre uso a câmera de meu celular par fazer fotografias inusitadas. Com o tempo, percebi que elas poderiam dialogar com os poemas curtos que pratico, os “haicaos”. Daí para o casamento entre eles, foi um passo relativamente curto.


21—A partir dessa edição, PALAVRA FIANDEIRA sempre terá 22 perguntas. E você é o primeiro nisso. Poderia, num exercício poético dizer 22 palavras. Apenas isso, 22 palavras?
A palavra, seu processo e seu clímax, obedecem apenas à emoção e ao intelecto. Nessa trama, cria vida quando torna-se teia: fiandeira!”

22Que mensagem deixará aos leitores da sua PALAVRA FIANDEIRA?
Amem!” “Amém.”

 

ANDANÇAS - COHAB II (Itaquera) — foto: Escobar Franelas 

POESIA
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PALAVRA FIANDEIRA
Fundada por Marciano Vasques
A entrevista de Escobar Franelas foi concedida 
ao escritor Marciano Vasques
*Original em http://palavrafiandeira.blogspot.com.br/search/label/ESCOBAR%20FRANELAS