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28.9.16

Entrevista - LILIAN VARGAS (Literatura) - SP


"Leitora voraz, Lilian Vargas desenvolveu, a partir de seu envolvimento com as letras, uma postura crítica e ativa em relação ao mundo literário. Essa condição, porém, longe de abstrai-la ou levá-la pro "mundo do faz-de-conta", abriu-lhe os olhos para uma interpretação profunda e equilibrada sobre a sociedade à volta. Foi essa apologia à vida e ao mundo que vi à tona, primeiro nas interações que formalizamos no portal Recanto das Letras, onde pudemos praticar um diálogo de profundo respeito e aprendizado. Depois, no depoimento para a qual convidei, e ela aceitou, para meu júbilo. A conversa foi toda construída via e-mail, numa mão dupla de perguntas e respostas. O bate-papo enriquecedor, creio para ambas as partes e - espero - para quem se debruçar na leitura a partir de agora, aqui.
Convido o mundo todo a conhecê-la.
Boa leitura!"

1) Com quem estou dialogando? Nome, idade, local de nascimento, casada, filhos, formação etc?...
Bom, quando a gente responde um formulário as perguntas seguem esta  linha, então aqui segue as respostas: meu nome completo é extenso, então opto pelo prenome e  um sobrenome que "adotei" por ter harmonia nas vogais, assim sendo fica Lílian Vargas um nome com sonoridade vocal. Nasci nos idos anos de 1969, em SP, mais precisamente no bairro do Tatuapé.
Sou casada, tenho um filho e resido na região do Alto Tietê. Tenho uma formação acadêmica, mas não atuo na  área, sou funcionária pública. Sou uma mulher espirituosa, introspectiva e muito sensível, costumo dizer a quem me conhece que sou uma mulher que ama...
P.S: Este último parágrafo acrescentei para fugir à formalidade.
Até mais.
Abraços.

2) O que você gosta de fazer? E o que desgosta?
Bom Dia!
Então... é tão difícil falar dessas coisas, não sei, tem tanta coisa que gosto e tantas que desgosto, e por vezes outras que gosto de vez em quando.
Vou tentar:

Gosto:
Refletir, pensar, tentar entender o real sentido da vida, da existência, da vivência em questão, essas coisas me chamam a atenção e sempre gostei. Talvez devesse ter feito Filosofia, mas acho que só gosto pois não tenho obrigação acadêmica de apresentar deduções sobre o assunto, então gosto de coisas ligada ao tema.
Ouvir músicas, mas não sou refinada, então ouço MPB, dance, um pouco de rock, e agora estou aprendendo a gostar e "curtir" as músicas clássicas, por dica de um amigo do Recanto das Letras, mas sempre gostei de músicas com letras fáceis e simples, algo que memoriza e sai cantando.
Ler, e em leitura abraço vários estilos literários, leio romance (claro,não é), aventura, suspense, terror, e de todos os gêneros literários (contos, crônicas, cartas, ensaios, discursos, e por aí vai); leio revista, gibi, jornal impresso, pasmem, ainda leio o periódico aqui da cidade, Jornal da Cidade e Jornal de Arujá, também, só por ler, porque as noticias acabam se repetindo.
Escrever, pegando o "gancho" do último item, gosto de escrever, cartas, poesias, textos diversos, já tive até um diário, coisa de quem gosta de escrever mesmo.
Contato com a natureza, lugares mais bucólicos, talvez porque sempre tenha morado em regiões afastadas do centro da cidade, lugares mais sossegados, sem aquela agitação da cidade grande. Lugares com poucas pessoas e ambientes calmos, nada daquela agitação, gritaria, bagunça, onde tem aquelas músicas estridentes, tipo" bate-estaca", ou passeatas e manifestações, então, nem me convide para manifestar, pois eu não vou. Filmes, já assisti mais, hoje me dia, não tenho paciência para ficar horas no sofá, assistindo filmes, mas gosto também.

Desgosto:
Não gosto de fofocas, sei que todo mundo faz de vez em quando, até eu me peguei já falando de outros, mas há situações em que a coisa saí dos trilhos, e acaba por prejudicar as pessoas. Já fui alvo de fofocas, envolvendo meu nome e o de outra pessoa, deixou um clima péssimo entre a gente, e a relação nunca mais foi a mesma.
Não gosto de cozinhar, se pudesse, se existisse, um mecanismo igual ao do Jornada nas Estrelas, onde a comida saísse pronta (Sintetizador de Alimentos), seria o paraíso.
Não gosto de ser o centro das atenções, isto devido a minha timidez, então chegar em um local, e as pessoas direcionarem a mim a atenção, não me deixa lisonjeada, pelo contrário, sinto-me desconfortável, então evito o quanto posso.
Detesto gritos e brigas, se a pessoa fala alto, me irrita, me incomoda, gritar então, fico incomodada com gritos, berros, xingamentos e tudo que constranjam a quem está vendo ou ouvindo.
Não gosto só de olhar, e nem quero provar, frutos do mar (aqui entendo como estes tens: molusco, marisco, ostras, polvo). Nos demais eu gosto os peixes (sardinha, salmão, atum etc). Também não gosto desses pratos "tipicamente" brasileiros ou que são " pesados" tais como rabada, baião de dois, acarajé, vatapá, eu não como, não gosto nem do cheiro.
Acho que está bom, sempre tem coisas que a gente gosta e desgosta, e depois de um tempo, com a experiência de vida, o contato com outras pessoas, a mudança de olhar sobre determinada situação, há coisas por vezes, que acabam mudando.
Até mais!
Abraços.

3) Sobre o mundo dos livros, quando se iniciou esse contato com eles? Que autores e autoras você admira?
Olá! Bem esta é fácil... Sempre gostei de manusear livros e revistas e tinha um apego pelos meus cadernos na época em que era uma menininha, rs. Com o tempo fui me afeiçoando a gibis, livrinhos infantis que por vezes chegavam até minhas mãos, haja visto que meus pais nunca puderam comprar livros, devido nossa situação econômica e também pesa o fato que meus pais não tiveram acesso a estudos, então leitura não era um  ponto primordial em casa.
Quando ia na casa de alguém, junto com minha mãe e havia livros e revistas eu folheava, ficando absorta naquele mundo cheio de letras, símbolos e significados, algumas vezes me deixavam trazer o livro ou revista em questão.
Quando eu fazia o antigo primário, pude ler livros da biblioteca da escola e meu primeiro livro, foi Emília no País da Gramática, que eu fiquei encantada, e depois vieram outros  memoráveis tais como: O menino do dedo verde, O escaravelho do diabo, O pequeno príncipe e Meu pé de laranja lima, entre outros.
Sempre gostei das poesias e textos de Cecília Meirelles e Carlos Drummond de Andrade, para mim expoentes poéticos, pois Cecília escrevia tão belamente assim como o mestre Drummond. Depois de um tempo li Mário Quintana, e descobri o verdadeiro amor... pois com seus textos tão singelos e plenamente poéticos, me cativaram por completo.
Depois que já tinha mais idade, fiz um cadastro na Biblioteca Pública da cidade de Arujá, um local pequeno, que ficava aqui num casarão, e lá pude vasculhar livros empoeirados e que ninguém se dispunha a ler. Foi aí que conheci Malba Tahan e seus belíssimos contos e fábulas do Oriente. Li vários livros de Jorge Amado, outro autor, que eu ficava em êxtase com suas estórias, um autor por mim amadíssimo. Nesta biblioteca também descobri outro amor literal (sou uma mulher que ama...), li pela primeira vez Gabriel Garcia Marquez, e foi amor à primeira leitura, depois li outros dele, mas o fascinante Cem Anos de Solidão, foi para mim marcante.
Aqui deixo registrado um agradecimento a esta pequena e quase esquecida Biblioteca, pois ela me proporcionou leituras adoráveis. Autores são esses citados, pois se eu puxar pela memória, vem outros tão bons e que gosto, como Machado de Assis, Érico Veríssimo, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Manuel Bandeira e Cora Coralina, entre outros, que não vou lembrar no momento.
Sei que estou em falta com os grande clássicos mundiais, li Dostoiévski, o famoso Os Irmãos Karamazov; Nietzsche tentei ler E Assim Falava Zaratrusta, mas, confesso, devido à linguagem alegórica me perdi e parei na metade do livro. Odisséia, de Homero, é fascinante e traz mensagens edificantes em sua narração. A Divina Comédia, de Dante, talvez o poema mais lindo que um ser humano possa escrever, eu li e como sempre passional, que sou, amei!!!
Acho que é isto, já está bom, acho que já falei demais.
Até Mais.

4) E o processo de escrever sensações e sentimentos, como se deu em você?
Olá! Como eu mencionei na outra questão, eu escrevia um diário quando adolescente, e creio ser por aí o começo dos registros das emoções e sentimentos, haja vista, que nos escritos fluem uma gama muito forte de apreensões, dúvidas, inquietações e desejos relacionados a vários temas (sexualidade, paixões, relacionamento familiares, entre outros).
O que posso afirmar é que após uma frustração amorosa, que me deixou bastante chateada, escrevi um poema (quadra), que versava sobre o fato e percebi então que escrevendo ficava mais fácil traduzir o que eu sentia, pois uma pessoa introspectiva, com dificuldades de verbalizar o que sente, consegue expressar seus sentimentos e sensações através de algum meio, podendo ser música, artes cênicas ou a escrita, de modo mais fácil e menos traumático. No meu caso, a escrita caiu como uma luva.
Vou deixar registrado aqui o dito poema, ao qual me referi.

“A desilusão veio a mim
Numa tarde chuvosa
Então conheci assim
Uma sensação dolorosa”

Enfim, algo simples, sentimental, piegas e muito típico de adolescente, mas serviu para me indicar que era melhor as letras, de alguma forma, eu dominar já que tinha dificuldades dos sentimentos verbalizar. E assim nasceu o gosto ou melhor, despertou em mim a aptidão de transcrever emoções diversas.
Não sei se respondi o que foi pedido, mas foi isto que entendi na sua pergunta.
Boa Semana!
Abraços.

5) E esta sensação de proximidade com as artes não a faz pensar na possibilidade de um dia profissionalizar-se em algum tipo de expressão, talvez a literária?
Isto ocorre pois é o caminho natural das coisas, se você simpatiza com uma atividade, seu desejo é conhecer  e "abraçar" aquilo de alguma maneira. Eu ainda estou maturando essa idéia, pois na minha vida, tudo aconteceu tarde; eu estudei tarde, casei tarde, tive filho tarde e me descobri expondo meus escritos tardiamente. Espero não ser muito tarde, quando eu decidir ou ainda reste tempo para  minhas memórias.
Mas por enquanto, me vejo sem estilo definido e sem um campo para atuar, visto que este meio literário é muito amplo e com muitas ramificações.

6) Como você vê essa apropriação de ferramentas que permitem uma visibilidade maior, mesmo para pessoas que não estejam inseridas na indústria da produção artística? Caso dos blogues, redes sociais, autopublicação etc.
Houve um tempo, na história da humanidade, em que o conhecimento era restrito a um segmento social ou pessoas privilegiadas e isto em nada contribuiu para alavancar o progresso da sociedade como um todo. Nas artes eu creio que podemos usar o mesmo raciocínio, pois em literatura, o acesso a publicações ficava com pessoas que podiam "bancar" o serviço e tinham conhecimentos com editores e todo mercado editorial, os demais que pretendiam expor seus trabalhos tinham que amargar um sonoro NÃO e sem ter onde recorrer, guardavam escritos preciosos em gavetas e cadernos surrados.
O advento da tecnologia que trouxe oportunidade de acesso, tais como: rede sociais, blogues e afins, deixam mais democrático esse acesso.Tem muita gente boa e escreve coisas maravilhosas mas não tem vitrine, então essa abertura favorece a quem quer se aventurar e tentar captar o leitor com seus sonhos e anseios.
Se não existisse esse acesso, eu jamais conseguiria publicar nada, pois não disponho dos recursos para tal. Também não conheceria tanta gente talentosa e versátil que publica sem ter livro ou uma exposição em mídia.
Creio que o leitor é o grande "juiz", nem sei se usei a palavra certa, mas cabe ao leitor escolher, ver o que lhe agrada, e assim filtrar em um site ou no meio da grande  rede, que  é bom ou não, segundo o conceito pessoal de cada um. Tem muitos textos bons mas tem muita coisa que peca pela falta de coerência, de clareza e até sentido, mas daí, caro escritor, vai do gosto de cada um, ler o que mais lhe convém.
Finalizando, toda forma de disseminar o conhecimento seja ele artístico ou não é válido, pois oferece mais oportunidades de ampliar nossos conteúdos intelectuais, culturais e até emocionais.

7) Tem algum autor ou autora, ou até mesmo um site ou blogue, que você poderia citar como exemplo das afirmações na questão anterior?
Claro, aqui no Recanto das Letras tem a Lucimar Alves e a Sonya Azevedo, que escrevem de forma cativante. Aqui também conheci o pessoal que escreve contos e crônicas sem ter livros editados, como o Aristóteles da Silva e o Gustavo Arauto.
Tem até  você  por essas paragens e expondo seu trabalho artístico.
Também acesso o Varal de Poesias e tem textos bons e de pessoas sem alcance editorial. O Publikador (assim mesmo com K) dispõe espaço para poetas que queiram expor seus escritos ,e lá  tem um versátil  poeta que sempre leio, o Jonathas Lopes.
Tem muita coisa e boa para ler.
Abraços.

8) Como você vê essa "esquina da História" que estamos passando? Você tem medo do futuro?
Essa situação que se instalou no País, claro que oferece medo,pois sou mãe, tenho um filho e penso no futuro dele e dos demais que não tem como optar ou solicitar mudanças, no momento.
Quando eu era criança, via meu pai e minha mãe "catando" na gaveta do armário, moedinhas para comprar pão, leite, óleo e outros itens básicos na alimentação, era uma ditadura militar, faltava dinheiro, sobrava vontades, mas sobrevivemos, com todo medo que pairava na época, sobrevivemos. Agora que na década de 80 entramos na Democracia, parece que o povo não entendeu, democracia é você ter direitos sim, claro, IMPRESCÍNDIVEL, mas e os  deveres? Todos querem os direitos, regalias e viver sem regras, sem normas, sem leis, e a cidadania? E o civismo? Isto se perdeu, parece  coisa sem sentido falar disto na atual conjuntura, onde se convencionou que tem que se  combater, digladiar, brigar e violar todas as normas e conceitos de civilidade para se provar que  tem razão, o que ocorre é que aí, você perde a razão.
Creio que nossa sociedade não está preparada e nem estruturada para lidar com o oposto, com a adversidade de maneira civilizada e isto se mostra nos ultrajes que se vê todos os dias em jornais e revistas. E digo mais, países desenvolvidos, como os europeus sofrem com esta situação, quando pretendem fazer mudanças radicais ou reestruturar sistemas já carcomidos, mas que encontram resistência da população para tal.
Não me pergunte qual é a solução, pois não tenho uma formação em Ciências Políticas, e dou minha opinião de cidadã, eleitora e leitora, pois as relações humanas dependem de muita cessão e nesta complexa teia de vontades e imposição, ninguém quer ceder.
Até mais.

9) A arte pode contribuir para que a vida melhore?
A arte tem seu conceito ou significado ao longo do processo histórico, haja visto as pinturas rupestres da pré-história, transmitiam informação acerca da caça e das situações que apresentavam perigo.
Atualmente,vivemos numa sociedade de instabilidade político/social/econômica e a arte a meu ver, contribui para uma tomada de decisão, à medida que  se trava este diálogo entre o objeto ou obra apreciada e o observador, sendo que este último, põe na análise da referida obra, todo seu conteúdo emocional durante a apreciação.
Então, a arte propicia o debate, a reflexão, a conclusão sobre uma ideia, um conceito,um fator determinante, assim creio que a arte acompanha o homem em seu processo de evolução, e por contrapartida a transformação do meio social.

10) Tem algum assunto que gostaria de ter comentado e eu não ofereci a oportunidade? Se tiver, fique à vontade para pontuá-lo. Obrigado pelo carinho, atenção e presteza.
Creio que falei muito e até  filosofei, coisa que gosto muito de fazer, mesmo sem filósofa ser. Os assuntos fluiram naturalmente e me senti à  vontade no que respondi.
Agradeço a atenção e créditos de sua  parte, aos meus singelos escritos e me coloco sempre à disposição.
Só  para encerrar, para não fugir à regra vou deixar aqui um poeminha.

"Fui pega de supetão
Para expor um pouco de mim
Falar das minhas vivências
Agradeço aqui  de coração
Pois a troca de impressões, assim
Enriquecem nossa existência."

Até  Breve.
Abraços.


Depoimento para Escobar Franelas / Fotos do arquivo pessoal de Lilian Vargas

haiquase (exercício XXIII)


café frio e amor idem
quem não sentiu?
dá calafrio

25.9.16

Sarau na 2a. Feira de Troca de Sementes e Propágulos da UMAPAZ




Hoje, atendendo a um convite do Zulu de Arrebatá, estive participando do sarau que foi organizado dentro da 2a. Feira de Troca de Sementes e Propágulos da UMAPAZ (Universidade do Meio Ambiente e da Cultura da Paz), no Parque Ibirapuera, SP.
Dentro da proposta poética do evento, o Zulu iniciou com um canto a capella e após isso, pude fazer alguns poemas.
Foi um momento muito rico e de intensidade profunda, onde trocamos experiências com pessoas que, como eu, têm como paixão a prática da jardinagem e da horticultura. Além da troca propriamente dita, também teve vários minicursos, conforme a área de interesse.












texto Escobar Franelas
fotos Escobar Franelas e Zulu de Arrebatá


23.9.16

Poema: Gêmeo

Foto Amaury Rodrigues

GÊMEO

(para o poeta Akira Yamasaki)

eu e meu mano diverso
cozidos no mesmo barro
um marrom, um amarelo
exilados no reino da poesia

eu e meu bróder
rascunhando um novo sol
todo dia, toda hora
ambos nós inéditos

eu e meu imã
amamo-nos
como irmãos entre radicais
ele, gênio; eu, genioso
ele, gênio; eu, ingênuo
ele, gênio; eu, subgênero
ele, gênio; eu, gêmeo

22.9.16

Um textículo: "o eleito"


o troféu do profeta
é fé cega que carrega
entre festas de palavras
e as frestas que professa
uma fecunda promessa de céu
que está lá
além do léu

20.9.16

Entrevista - ALBA ATRÓZ (Literatura e Educação) - SP

Allan Régis, autoafirmado Alba Atróz (foto: Facebook)

1) Quem é Alba Atróz?
Alba Atróz é como o Allan Regis se sente: uma metamorfose de um pássaro albatroz quando este se viu fora ou rancado de seu habitat natural, longe de seu arquipélago, dos nevoeiros descritos por Baudelaire, em risco de extinção, obrigado a refugiar-se às margens, na periferia da grande e caótica metrópole, entre outros seres em diáspora, na luta por manter-se vivo. Seu nome fragmentou-se em duas partes formando um híbrido ideológico e um símbolo de resistência contra aqueles que o afugentaram e ainda persistem nos maus intentos. O Alba faz, intencionalmente, alusão e homenagem a uma forma de poesia medieval conhecida exatamente por este nome - em que os notívagos artistas, amantes da poesia lamentavam em seus motes a chegada do dia, que raiava “atroz”, sempre após o anúncio dado pelos gritos amedrontadores de um vigia da torre de uma prisão, como se fosse um profeta apocalíptico, avisando que a noite ou o bom momento prazeroso que tiveram juntos, tais poetas, às escondidas, findara-se pela insensibilidade dos que tramavam e vieram enganá-los e trai-los ao raiar de uma infeliz aurora que até hoje insistem em legitimar como progresso. Foi numa batalha épica que o sobrenome Atroz acabou sendo atingido por uma adaga inimiga bem em cima da vogal "o" de seu fragilizado corpo e ali permaneceu cravada, gravemente acentuada, como um espinho na carne, para torná-lo Atróz.

2) Como iniciou seu percurso literário?
Caro Escobar, eu rascunho desde muito cedo... Tenho na memória minhas garatujas recebendo elogios das professoras e tias...rs... Ficava de castigo na biblioteca da escola quando aprontava - passei a tomar gosto pelos tomos de Lobato, pelas fábulas de Fontaine e contos dos Greens... Aos nove, num diálogo com minha falecida avó materna, tracei as primeiras linhas do que viria a tornar-se - depois de muito apoio de amigos (incluindo você e Cida Santos!) - o romance histórico "Reminiscências-Meu Bairro de Guaianases", lançado em 2012 na Biblioteca Pública Cora Coralina, em comemoração aos 156 anos do bairro. Eu potencializei meu gosto por livros através do apoio de meu irmão Luciano Regis que sempre me levava aos sebos. Foi meu irmão que me apresentou os clássicos da literatura brasileira como, por exemplo, Alencar, Machado, Aluísio, Lispector... Acho que me formei mesmo após ter lido Arthur Conan Doyle e Júlio Verne... Passei a ter a pretensão de ser um grande escritor depois destas leituras... Comecei a levar muito a sério o ato de escrever e a literatura como arte... Lancei-me a principio como Allan Regis (meu nome de registro), mas já carregando comigo um sentimento de pássaro refugiado... Até que eu e minha companheira, Cris Oliri, estudamos muito as características do Albatroz como arquétipo, sobretudo sua resistência às adversidades... Era como realmente me sentia... Aumentei então os sentidos da palavra e lancei o manifesto Alba Atróz para dali em diante ser reconhecido como um pássaro refugiado na periferia da cidade grande, na luta pela preservação de sua espécie e habitat.

3) E como foi construída a oportunidade de publicar o primeiro livro?
Veio durante o curso de letras quando começou a rolar informações a respeito de lançar-se... A internet, sem dúvida, foi o meio principal que abriu muitas portas; editoras e gráficas expandiram seus horizontes, trazendo ofertas, num boom do mercado editorial alternativo, propiciando a minha entrada e de vários outros camaradas que estão aí hoje e que viveram situações semelhantes às que eu vivi... Eu lembro do "entrelinhas", programa literário da tv cultura, anunciando maneiras de se publicar online - eu e a Cris corremos logo em busca da concretização pela internet... Foi assim...

4) Quantos livros você já lançou até o momento?
Ao todo são 7, porém os 4 primeiros que listo abaixo receberam melhor repercussão por terem sido melhor trabalhados e divulgados. Ainda vou revisar os outros e relançar, tenho esta pretensão.
Observe:
1. Reminiscências - Meu Bairro de Guaianases (Romance histórico)
2. Mil horas sem fim (Novela - Romance)
3. Ler-te Integral - Escritos tipo A (Coletânea de Contos)
4. Virtuose (Romance tese e Simpósio textual sobre a lei da redução da maioridade penal)
5. Instinto Desajuizado (Infantil)
6. As teias de Bento Santiago (Ensaio sobre a obra Dom Casmurro)
7. Colcha de retalhos (Coletânea de contos)

5) Como você vê a arte no mundo atual?
Estou presenciando a revisão de conceitos sobre o que e o que é não é arte e vendo o que um dia foi desconsiderado e excluído tomar seu espaço cada vez mais em nossas vidas, quer seja na literatura, na música, artes plásticas ou na pintura. Pra se ter uma ideia, na escola de nossa época, as grandes referências de tais atividades humanas era tudo aquilo que estivesse exposto em grandes museus da Europa. Os caras do Renascimento, do Barroco e do Modernismo eram os bam bam bans e eram quase sempre as grandes referências que tínhamos sobre o horizonte artístico no mundo e os exemplos do que era ser artista.  No Brasil aprendíamos a admirar Brecheret e Anita Malfat e nos víamos de alguma forma na força de vontade ou superação de Aleijadinho. Na literatura os escritores, em sua maioria, eram os clássicos, os da academia, os prêmios nobel, os que iam cair em concursos ou vestibulares. Não existiam muitas alternativas, criávamos as nossas próprias artes, nos nossos guetos e não éramos reconhecidos como arte por quem ensinava o que era arte. Hoje estamos vendo os grafites do Bronx em grandes galerias e museus e a periferia elevarem-se cada vez mais como um lugar de muita cultura, mãe de grandes artistas - antes ás margens - e pensadores formarem opiniões libertadoras. Estamos influenciando mais do que somos influenciados, e o novo está vindo de nós para recontarmos a história antes mal contada.

Foto: arquivo Fb -Alba Atróz


6) Uma marca muito palpável de sua escrita é o contexto urbano atual. A urbe do século XXI o inspira? Ou o faz transpirar?
Mexe profundamente comigo, me abala. Por exemplo, não consigo ficar indiferente ao que anda acontecendo nas esquinas e vielas, nas escolas, nas ruas, no vai e vem alucinante em prol do consumo predatório, em detrimento do humano e como as pessoas criam seus próprios guetos, como são devastadas pelas drogas e toda a ideia de ser feliz pela compra e apego a objetos materiais. Como compramos de forma efêmera, volúvel, pelo impulso dado pelos comerciais mentirosos. Bebemos, fumamos, maltratamos, xingamos, pisamos, matamos, ainda pra ter o "mundo do Marlboro" resistente nos outdoors e links semelhantes em mídias que não querem libertar-nos de suas amarras. O capitalismo sempre ergueu seus luxuosos edifícios sobre as costas do povo. Acho que nunca vou me cansar de declarar esta descoberta. E o estado de vulnerabilidade da juventude atual parece maior, pois os vazios cresceram com a quebra de diversos vínculos afetivos que antigamente eram mais presentes quer seja entre familiares ou professores nas escolas, assim como entre os vizinhos e sociedade em geral. Este cenário é que trago pros meus livros.

7) Está tramando alguma coisa neste momento? Se sim, o que vem por aí?
Puxa! Há muitas tramas, caro Escobar... rs..., mas estou priorizando atualmente uma antologia poética ideológica que vem por aí, cujo o título é "Poemas de autonegação e Manifesto Poético Alba Atróz", e também um novo romance chamado "Um aprendiz de poeta"... Tenho garimpado assuntos diversos e pesquisando muita coisa... Viso mais pra frente lançar um romance biográfico de um falecido amigo roqueiro, conhecido pelo apelido de Satã... Você o conheceu e até me cedeu uma entrevista sobre ele... Penso em escrever sobre o Satã porque, além dele ter sido meu amigo, a trajetória dele muito me intriga e mexe pra caramba comigo...

8) O Brasil passa por um momento ruim, com ameaça de perdas significativas em vários campos. Como um pensador pode contribuir para atenuar esse desmonte do país?
Xiii... A coisa tá braba, hein, caro amigo? A atual conjuntura não está nem tranquila e nem favorável pro nosso lado... Tenho militado por muitas causas, uma delas é pelo ensino público de qualidade, por exemplo... No ano passado mesmo, 2015, enfrentamos uma greve intensa, tive até que repor aulas aos sábados, para não deixar o governador fechar salas de aula... Como professor, vejo de perto o descaso com a educação pública, mas amigos de áreas importantes como a minha partilham dramas semelhantes e receiam, ao meu lado, perder as grandes conquistas que tivemos... Há pouco tempo estávamos comemorando as oportunidades que as camadas mais pobres estavam tendo, com o acesso a universidade e melhoras de condições de vida, leis diversas a favor do trabalhador e do cidadão foram criadas e trouxeram, realmente, um processo de melhora significativa. Porém, estamos vendo as coisas retrocederem e o pobre está sendo puxado pra trás para voltar a ser subalterno. Receamos perder a liberdade de expressão e voltarmos aos tempos em que baixávamos a cabeça pra classe dominante. Temos que estar unidos e fundamentar bem nossos argumentos, pois eles virão com força coerciva pra cima de nós. Eu consigo entendê-los, Escobar. É que antes, a classe dominadora, podia fazer o que queria conosco.  Eles nos coagiam. Éramos subalternos, empregadinhos que aceitavam os maus tratos para poder existir, comer e se vestir. Pagavam-nos pouco e exigiam muito. Batiam em mulheres, suprimiam empregadas domésticas, podiam nos tratar com preconceito, matar-nos cruelmente e tudo ficava bem para eles. É só pegar as letras antigas dos Racionais MC´s – em “Raio X do Brasil”, por exemplo, eles falavam exatamente sobre isso. A verdade é que o governo Lula nos deu direitos, conseguimos ter voz, passamos a questionar, processar, ir à luta. E a elite ficou oprimida pela nossa grandiosa liberdade conquistada. Sofrem da “Metáfora de Faraó”, não querem deixar o povo ir, mesmo com todas as pragas lançadas sobre o maldito império escravagista. Aquele fime, estrelado pela Regina Casé, “A que horas ela volta”, retrata perfeitamente o que estou querendo dizer aqui. Enfim, fiquemos atentos, caro amigo, e vamos lutar juntos pelo Brasil e, sobretudo, por um mundo mais humano e menos cruel. Visemos sempre a igualdade entre todos.

9) Como professor, como você vê a educação no Brasil, a de hoje e a do futuro?
Escobar, caro amigo, acho que a educação precisa urgentemente desfazer-se do tradicionalismo que ainda insiste em imperar em sala de aula, com propostas demagógicas, ainda com uma gramática tradicional e pouco uso da linguística, falta de incentivo cultural e debates conscientes através de projetos que dialoguem de fato com a realidade dos alunos que estão desmotivados, segurando os celulares o tempo todo... Estive conversando com o professor Ronaldo José que é também autor de uma obra intitulada "Escola Pública - Não há milagres nem mágicas", e, na ocasião, discutimos sobre os caminhos que o sistema burocrático não quer que o aluno percorra. Nas escolas estaduais, as bibliotecas viraram verdadeiros almoxarifados, um lugar desinteressante, empoeirado, e, quase sempre, um professor doente, readaptado, que odeia ler, vai parar lá. Aí pronto, né?: um coveiro num cemitério de autores... Acho que os saraus, as rodas de conversas, bate papos, simpósios e palestras podem revitalizar o ambiente escolar... O aluno não pode viver encarcerado entre quatro paredes o tempo todo... Também, a permissividade excessiva, com os alunos tendo mais direitos do que deveres a cumprir, não sofrendo as sansões éticas para que impere o respeito e a boa convivência potencializa os conflitos escolares... Não há segurança e nem paz... Falta muita coletividade... A escola precisa se reinventar... Temos que todos fazermos partes deste ambiente e cuidar pra que ele dê certo... O caso é que o medo e o descaso estão de mãos dadas... O fatalismo e o desprezo tomam conta... Os bairros devem acordar pra causa... A comunidade não pode deixar somente que o governo dite as regras, ela deve ocupar o espaço de forma consciente e criar maneiras de educar diferentes das propostas engessantes da secretaria... Não há uma vontade dos poderes superiores que a periferia ganhe patamares de conhecimento... Não é de hoje que sabemos que existe um sistema desinteressado na educação das pessoas... Huxley e Orwell já nos avisaram sobre isso...

10) Alguma pergunta que não fiz e gostaria de ter sido apontada. Se quiser, faça-a e, a seguir, responda! Obrigado. Abraçaços!
Acho que seria legal falar um pouco sobre o meu livro recentemente lançado: Virtuose... É uma obra que não é somente um romance, mas também um simpósio textual que discute a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/93 que visa reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos. O romance apresenta um grupo de personagens que vivem sob diversos julgamentos; é uma obra sobre a intolerância, o desprezo, a arrogância, a falta de oportunidades e toda uma gama de fatores que não contribuem para ajudar o ser humano a tornar-se cidadão de fato. Há um sistema despreocupado com o bem estar de cada um. Os personagens tentam buscar suas próprias saídas e nem sempre estas são aquelas que dizem serem as certas. O livro toca em feridas e traz um debate. Convidei vários camaradas pra fazer parte de um simpósio. Cada um trouxe um texto curto. Contei com as presenças marcantes de Germano Gonçalves, Marcio Costa, Walter Limonada (que participou com uma ilustração), rapper e capista Pedro Sobrinho (grupo KMT) – que fez a capa e trouxe frases pra obra; Daniel Lopez (introduziu a obra), Tubarão Santos, Mano Cákis, Daniel GTR, William Cezar, Rafael Arms, professor Ronaldo José, enfim, foi uma maneira de expor um repúdio coletivo aos que querem punir e não educar os sujeitos, desvelando os verdadeiros intentos dos hipócritas que desejam que a lei seja aprovada... É isto... Quero agradecer a oportunidade, caro Escobar. Obrigado por dar-me voz e ajudar-me a partilhar e propagar meus sonhos por aí afora... Valeu mesmo... Abraços!!!

Foto: arquivo Fb - Alba Atróz


19.9.16

Um textículo: "pedido"

Postdagem original em http://buenosairesencronicas.blogspot.com.br/2015/09/poemas-celulares.html

o larápio me levou a carteira
o carro
cartões e um dinheirinho

encarecidamente
peço apenas que me devolva
o cartão de memória do celular
com os poemas

18.9.16

Um textículo: "gênese"


escrevo pois não há deus
mesmo assim perpetuo na vida eterna
dos personagens que crio
como anjos caídos ou triunfantes

é para ser deus que escrevo
para ver a rebeldia desde o princípio
e nada fazer, nada mudar 
apenas reinar
aguardando que alguém salte
das linhas mal escritas
e rascunhe salmos a mim

quando personagens me dão vida
viro deus


17.9.16

Filme "Viola Urbana" no Cine Concha Independente


Viola Urbana sendo exibido

O filme Viola Urbana

Acabei de chegar de mais uma noite do Cine Concha Independente, projeto que a Casa da Palavra Mário Quintana em Santo André mantém em parceria com o coletivo Lentes Periféricas, do qual faço parte.
O filme Viola Urbana, de Daniel Neves - representado durante a sessão pelo produtor e pesquisador Mário Cabral - foca na vida de repentistas, cordelistas, violeiros e violeiras da cidade de Guarulhos, SP.
Após a sessão, rolou um bate-papo descontraído com Mário, que explicou a ideia geral do filme, o primeiro que ele produziu com Daniel. Após isso, ele ainda declamou dois cordéis de sua autoria, para deleite da plateia. Um dos depoentes da obra, o cantor e compositor Osvaldo Alvorada, também apresentou-se, presenteando o público com um repertório recheado de histórias, lirismo, diversidade de gêneros e causos sobre o universo da viola. Depois, o carismático violeiro ainda convidou as pessoas presentes para que lessem ou declamassem poemas que ele acompanhou ao som de uma viola de 12 cordas, segundo ele, presente de um amigo.
Uma noite memorável, regada a bom humor, petiscaria e arte boa de ser vivida.

Mário Cabral, produtor e pesquisador do filme Viola Urbana

Osvaldo Alvorada, simpatia e talento
Mário Cabral lendo um cordel

13.9.16

Um textículo: "nunca temer o nefasto"

NUNCA TEMER O NEFASTO

não temer
nada temer
nunca temer

e o comissário
o mordomo
o bajulador
hoje, apenas hoje
serve o prato ao algoz
Avenida Paulista, inverno de 2016

texto e foto: Escobar Franelas

12.9.16

Um textículo: "a grande noite"

Foto original em http://voascomigo.blogspot.com.br/2008_01_01_archive.html


A Grande Noite se espalha como fumaça
e nossas peles contritas, num espasmo
escurecem cheias de dores recém-acordadas
e chagas plantadas agora, nascidas nesse instante

A Grande Noite é longa e mais negra, e mais densa
que todas as outras noites
nela cabe o estupor, o medo e todos os pesadelos, juntos
despertando o assombro naqueles que tinham dormido sob o sol
e em tantos que permaneceram em vigília

A Grande Noite não perdoa, ela é um trator que arrasa a terra
é como uma grade que nos cerca
um pavio apagado, um navio à deriva, um náufrago
um véu que cobre o céu de maneira tão completa
que sequer é possível observar o dia do outro lado

A Grande Noite mente
diz que o dia não existe
conta que as fantasias são pesadelos
que não há lua
que não há outra noite, além dela

a turba atônita acredita e venera e dá graças
À Grande Noite
empunhando tochas, tocos de velas, palitos de fósforo
devotadamente
na esperança de viver e morrer sob seu manto compacto

A Grande Noite abraça, afaga
e determina
que seu nome é Dia
(e, tolos, todos acreditamos)                                                          
Escobar Franelas

11.9.16

haiquase (exercício XIX)

Rose, roboa a serviço dos Jetsons, assediada


a roboa, a caminho está
apenas não ama
tampouco menstrua

9.9.16

Um textículo: "avesso"

Les Demoiselles d’Avignon vues de derrière 1999



menino travesso
lê a musa
pelo verso

(da série "haicaos")

8.9.16

Entrevista - CLAUDINEI VIEIRA (Literatura) - SP


1) Quem é Claudinei Vieira? 
Algumas hipóteses: um cara com uma grande, enorme pretensão, de abarcar o mundo, de engolir o mundo, de tentar entendê-lo ou, ao menos, degluti-lo, ou até inventá-lo. Em outras palavras, um Poeta. Ou simplesmente um cara com enormes pretensões. 
Só o tempo dirá.

2) Como se deram as primeiras interações com as letras?
Aos nove anos, mais ou menos, tentei escrever meu primeiro livro. Seria um romance policial, inspirado na minha 'ídola' da época, Agatha Christie. Cheguei a escrever uma página inteira!, com um esquemão da história, com uma certa divisão de capítulos e caracterização de alguns personagens. Depois dessa página, percebi que a coisa não era tão fácil, hehehe. 
Também por esse tempo montei umas histórias em quadrinhos. Como não sabia desenhar, eu copiava figuras de revistas com um papel carbono. 'Escrevia' as histórias, montava os quadros, recolhias as figuras necessárias. Tinha umas três ou quatro páginas que mostrava para os meus irmãos menores, e tinha orgulho de cada uma delas. Hoje em dia, tenho muita curiosidade de saber se aquelas histórias tinham algum nexo ou se a coerência narrativa estava somente na minha cabeça. Provavelmente, só eu enxergava uma narrativa ali, mas bem que gostaria de ter certeza.
Montar um fanzine infantil na época do ginásio, elaborar enredos de ficção científica (outra das minhas paixões), escrever aquelas 'histórias em quadrinhos'... Nunca houve um momento em que eu tivesse, racionalmente, decidido a me tornar escritor. Isso sempre me foi natural, sempre foi um impulso, sempre foi uma necessidade. Era um leitor voraz (na verdade, um verdadeiro viciado em leitura) (como até hoje). Escrever os meus próprios trabalhos era somente o passo seguinte, quase inevitável, posso dizer.
...
Escrever poesia foi um pouco mais complicado. Sempre as escrevi, mas as considerava muito mais difíceis, inescrutáveis, quase impenetráveis. Nunca ficava realmente contente com o que poemava (ou tinha mais consciência da minha fraqueza, talvez), mas tudo ficou pior quando conheci um sacana, um enorme poeta sacana, chamado Mário Quintana.
Quintana me fascinou de uma tal forma que joguei fora tudo o que havia escrito antes e tentei fazer poesia daquele mesmo jeito: bela, lúdica e 'tão simples', 'tão fácil de ser escrita'... A minha frustração (óbvio...) me deixou completamente desatinado e desconsolado. Foi quando me convenci de que seria um prosador e tão somente prosador e, durante muito tempo, o formato de conto foi o que mais me agradou, até lançar o meu primeiro livro, que foi de contos. (DESCONCERTO, selo Demônio Negro, 2008).
Descobrir a potência e a beleza da poesia (e sua liberdade) em mim, foi todo um longo processo que durou até bem pouco tempo atrás. 

3) Excetuando-se Quintana e Agatha Christie, quem mais foi importante para a manutenção e ampliação de seu imaginário literário?
Opa, essa é uma pergunta fácil e, ao mesmo tempo, complicada de se responder. Por dois motivos principais: tenho cá por mim que qualquer leitura que se faça, qualquer ato de se ler, é definidora do seu arcabouço intelectual,  de sua visão de mundo, até do seu caráter. Não só literatura 'clássica' ou 'boa literatura' (seja lá qual for a definição que se dê para esse 'boa'). Mas a literatura ruim, a explicitamente escapista, a mal redigida também são úteis para, no mínimo, servir de parâmetro pessoal, para afunilar e reconhecer quais as partes desse mundo literário que lhe cabem, que se encaixam com seu perfil, que atende suas necessidades. Portanto, posso citar, como definidores da minha formação, Dostoievski, Gorki, Tolstoi, Balzac, Alexandre Dumas, Gabriel Garcia Marquez, Ernesto Sabato, o Machadão e Guimarães Rosa, e também com a mesma intensidade, os best-sellers da época, como Sidney Sheldon, Harold Robbins, Arthur Hailey, Adelaide Carraro, a coleção Vagalume, os gibis da Turma da Mônica e do tio Patinhas. Li o Capital de Marx  e Vidas Secas de Graciliano e adorava romance policial, ou de espionagem, de banca de jornal. Tudo me foi importante. Tudo foi fundamental.
Com o tempo, fui restringindo minha leitura, naturalmente, e muita coisa já não tenho mais paciência de ler. Mas, mesmo assim, essa minha dinâmica (digamos assim) continua a mesma: reli há pouco um livro que amo ‘Absalão, Absalão’ do máximo escritor William Faulkner e sou fanático por Tolkien e Harry Potter.
Tudo é importante. Tudo é fundamental.
Além do que, como disse em outra resposta, sou viciado em ler. Li muito e vorazmente o tempo todo. Portanto, citar os autores e livros que me foram importantes resultaria em uma lista enorme.
...
Poesia é um pouco diferente, pra variar. Li muito menos do que prosa na minha vida e alguns poucos poetas realmente fizeram toda a diferença do mundo para mim: Mário Quintana revirou meu mundo (como já disse) e Carlos Drummond de Andrade é uma obra infindável que nunca canso de revisitar sempre.
Mas o que me instigaram definitivamente a querer ser Poeta e, de alguma forma, alcançar o susto, a surpresa, o pânico da beleza, da força, da imensidão, ao mesmo tempo de uma linguagem simples, direta, com temas diretos, cotidianos e plausíveis ao meu entendimento, foram alguns contemporâneos, principalmente Marcelo Montenegro e Chacal! Estes sim me foram absurdamente importantes para o meu lado de Poesia.
E, mais recentemente, uma poeta mineira extraordinária, Adriane Garcia.

Foto: arquivo Sarau da Galeria (Suzano, SP)


4) O que é arte? Que papel podemos atribui-la no contexto da sociedade atual?
Eu acho que Escobar Franelas está querendo é me derrubar, isso sim...
Bueno, o que é arte? Acho que podemos começar dizendo que é o modo como tentamos confrontar o mundo. Não nos satisfazemos com o mundo direto, reto, plano, grosso. Somos seres de pensamentos e sentimentos que não cabem no mundo como ele se apresenta a nós.
Precisamos humanizá-lo, explicá-lo, entendê-lo, ressignificá-lo.
Precisamos buscar aquela 'coisa' que nunca sabemos o que é até encontrá-lo, pois o mundo não nos traz isso.E como o mundo é infinito e como nunca encontramos essa tal 'coisa', a busca é incessante.
A arte é uma invenção, uma necessidade humana. Uma ânsia humana. Todos possuímos essa ânsia, essa vontade, essa falta. Arrumamos um vaso de flores, ajeitamos a barra da calça, ouvimos música (ou a assobiamos), escrevemos um bilhete (ou e-mail) (ou um WhatsApp) um tanto mais carinhoso. Encontramos uma pedra na rua (ou na praia) (ou no parquinho), e ela pode ser bonita, diferente, pode objeto de estudo científico ou servir como tema para um poema. A pedra continuaria existindo sem o poema, ela não se importaria de ser chamada de bonita ou diferente. A arte faz isso.
Portanto, somos todos, de alguma forma, artistas. Portanto fazemos todos, em algum momento ou vários, arte. Quando não nos satisfazemos com o que nos se apresenta e tentamos ultrapassá-lo, atribuir-lhe condições e belezas que, na prática e ao fundo, provêm de nós mesmos.
Se há alguns de nós que decidem tomar um caminho que lide e foque diretamente nessa questão de sensibilidade e se dedicam a tomar a arte como uma atividade principal (e aí taca a se tornar escritor, músico, pintor ou florista) e por isso são chamados de 'artistas', isso não tira a verdade de que a arte faz parte intrínseca do ser humano.
Assim, seja em nossa realidade atual (seja qual for o contexto) ou desde a pré-história, desde o primeiro segundo em que o ser humano teve o primeiro pensamento ou o primeiro sentimento, a arte é fundamental para nossa própria existência. Mesmo em um mundo onde a população negra é assassinada e dizimada cotidianamente, diariamente. Onde mulheres são abusadas e impelidas a se considerarem pessoas de segunda categoria perante os homens. Onde a infância é roubada e prostituída. Nesse mundo (e de tantas outras mazelas) onde a primeira preocupação é, obviamente, tentar impedir que essas situações continuem, a Arte é o modo de se expressar, de se indignar, de se  revoltar. De revolucionar.
Há vários anos atrás, em um contexto de profunda depressão mundial, logo após um horror que se alastrou pelo planeta inteiro, a Segunda Guerra Mundial, discutiu-se como ou se a Filosofia, ou a Poesia, ainda eram possíveis diante de tantos milhões de mortos e outros tantos, vários e  vários outros milhões de feridos e machucados, física e psicologicamente, pela guerra. Ainda era necessária? Ainda era fundamental?
O fato é que, hoje em dia, passamos por 'segundasguerrasmundiais' a todo momento, todos os dias, quer tenhamos consciência disso ou não. A arte não muda isso. Como nunca mudou. São os seres humanos que mudam. A arte é o instrumento. É o meio. Portanto, seja em qual contexto, ainda é sim fundamental.

5) Como a compreensão do mundo ou da vida pelo viés da poesia pode sintetizar (ou atenuar. Ou qualquer outro verbo) as dores que vivemos aqui, agora; já que temos as 'segundasguerrasmundiais' a todo momento" ?
As sinfonias religiosas de Bach, os grafites em favelas do Rio, em viadutos de São Paulo, em muros ingleses; romances policiais que retratam o cotidiano de violência em cidades e países fora das grandes rotas mais badaladas ou conhecidas, como Marselha ou Zimbabwe na
África ou Lima no Chile, ou Rio de Janeiro; os textos eróticos de Anais Nin, Guernica de Picasso, hip-hop nas periferias das grandes cidades industrializadas ou o punk ou o rock, a poesia revolucionária de Maiakovski, as baladas country de Jonhy Cash, o teatro revolucionário de Brecht, as rodadas de samba de raiz ou choro em bares de São Paulo, os poemas de amor (ou seu sofrimento) de Florbela Espanca, saraus literários...
As formas como a arte pode reagir (ou intervir) na realidade são infinitas, tanto quanto o  próprio ser humano. Uma série de protestos artísticos contra o horror da quebra da barragem de Mariana constituiu envolveu um grupo de atores e atrizes que performaram sua indignação todos cobertos de lama. Eu recém participei de um livro digital chamado Golpe - Antologia Manifesto junto com cerca de 120 autores e artistas variados, entre poetas, prosadores, ilustradores, artistas gráficos sob o tema do golpe do impeachment. Arrumar uma banca de livros e colocar cadeiras para receber o público para um sarau que vai acontecer logo depois é um ato poético tanto quanto cantar ou recitar ou declamar.
A Poesia (tomo a palavra como sinônimo de todas as artes) provém do ser humano e é delimitada (ou limitada) pelo ser humano. No auge da repressão militar no Brasil, o controle e a censura eram sufocantes, pois sabia-se do potencial explosivo de qualquer manifestação
artística, mesmo que não diretamente política (assim como na União Soviética onde a repressão era cientificamente dirigida e chegou a níveis inimagináveis) (ou nos 'democráticos' Estados Unidos, onde a propaganda e o marketing, a indústria cinematográfica e a fonográfica, montam ilusões e quase chegam a prescindir da repressão direta).
A Poesia, portanto, é infindável, torrente imparável, e toma todas as feições e capacidades.

6) Quem você tem lido ultimamente tem um trabalho significativo?
Essa também daria uma lista absurda de grande. O fato é que, na verdade, tem muita gente muito boa escrevendo muito bem. A Poesia pulsa, ferve, nas periferias quanto nos grandes centros. Basta ter boa vontade, curiosidade, se despir de preconceitos. Eu possuo essas qualidades. Gosto de descobrir coisas novas (tanto de autores novos quanto trabalhos novos de autores consagrados). Consideremos também que a internet é um painel infindável de Poesia, onde podemos encontrar de absolutamente tudo. Tanto de um lado formal mais 'tradicional', digamos assim, quanto de experimentalismos formais e linguísticos sofisticados e arrojados.
Sendo assim, eu vou me limitar a citar somente três nomes cujo trabalho considero particularmente empolgante e no qual acredito que a literatura brasileira (em relação à Poesia, bem entendido) vai se alicerçar (está se alicerçando) em qualidade e importância. Adriane Garcia (seu 'Só, Com Peixes', da Confraria do Vento, é um primor absurdo). Ricardo Aleixo já é um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos e seu trabalho não só como escritor mas como performer é inigualável ('Impossível como nunca ter tido um rosto', obra seminal). Marcelo Montenegro é alguém que deve ser lido sempre, sempre e acompanhado igualmente. Com dois livros, 'Orfanato Portátil' e 'Garagem Lírica' e um show-performance-recitação-músico-literária chamado 'Tranqueiras Líricas', se constitui um dos trabalhos mais densos e mais bem acabados e lindos da nossa literatura.
Vou citar também dois poetas de gerações diferentes, Ademir Assunção já com extenso (e intenso) trabalho experimental, crítico e formal, e Ellen Maria Vasconcelos que lançou há pouco seu primeiro livro, Chacharitas & gambuzinos (editora Patuá) com muita força e, acredito, com enorme futuro.

7) O que você ouve, assiste, faz?
O que ouço? Blues, Jazz e MPB, basicamente. Ouço samba e sertanejo, um pouco (por favor, não o atual...). Já ouvi muito heavy metal. Já ouvi muita ópera e música clássica (em alguns momentos, ainda ouço). Já ouvi muita música pop (principalmente na adolescência).
O que assisto? Cinema, todo cinema, é fundamental, embora ultimamente a possibilidade de sair de casa para ver filme em cinema esteja cada vez pior e cara. Assisto e sou viciado em séries de televisão, principalmente policiais e ficção científica , e considero que a qualidade dos seriados norte-americanos está batendo a dos filmes norte-americanos. Só acho.
E sou viciado em leitura (como acho que já dei a entender nas respostas anteriores).
O que faço? Ultimamente escrever poesia está sendo uma das atividades mais prazerosas que encontrei na vida. Me sinto vivo ao escrever, ao poetar, ao me expressar por meio dos versos. Sou um autêntico viciado, não me vejo sem que eu possa escrever.
...
Como pode ver, sou um cara repleto de vícios!
Uma coisa que estava quase esquecendo de citar é sobre Saraus. Sempre presente em minhas atividades e sempre espantado e deliciado com a quantidade e qualidade dos artistas e poetas que se apresentam. 
Mas minha participação em saraus aumentou depois que lancei o meu próprio livro de poesia e comecei a divulgá-lo.  Percebi então que a minha percepção sobre o que acontece em São Paulo até fosse correta em um certo sentido, mas estava longe de compreender toda a magnitude e a beleza de toda a explosão poética músico / cultural, a riqueza e a emoção. 
Agora descobrir Saraus, encontros literários, esta sendo mais emocionante e gratificante do que ir ao cinema. Eu recomendo.



8) Seu livro de poemas, Yurei, Caberê (Patuá, 2015), organiza um caos interior, líquido e disforme, volumoso e caudaloso. Como se dá o seu processo interior que resulta na escrita?
Opa, que beleza de comentário. Agradeço muito.
Aproveito a imagem e digo que , de uma forma muito geral, é como o movimento de marés. Pode-se falar, a grosso modo, de movimentos amplos os quais chamamos de momentos de maré baixa e outros de maré alta, dias (ou horários) de fluxos e refluxos violentos e abruptos, e outros de calmaria e maresia. E, no entanto, cada onda dentro desse movimento geral possui sua identidade, seu próprio movimento, sua história.
Da mesma forma, cada poema tem sua própria história, seu próprio feitio, sua construção particular. O que posso dizer, talvez, é que escrever poesia é um trabalho prazeroso que (quase sempre) me vem de uma vez quase pronto. Ou sua construção é tão rápida e intensa, entre os dois pontos (da origem à palavra final, da concepção à conclusão) que é quase como se tivesse vindo já preparado. Muito diferente de escrever prosa, muito mais trabalhada, trabalhosa, custosa, emperrada. A satisfação de escrever prosa é proporcional ao trabalho que dá.
A poesia é mais imediata, mais melodiosa. A  música é fundamental nesse sentido, isto é, não de estar ouvindo música enquanto escrevo, o que às vezes faço, mas é o próprio poema que possui seu ritmo, sua cadência, suas 'rimas'. E, portanto, também malemolente, insinuante. Assim como as ondas. Assim como a música. 
Sem dúvida, às vezes empaco em poemas. Não encontro a palavra, o sentido. Ou, terminado o texto, releio e vejo que está fraco, sem tutano, sem vigor. Posso tentar mudar uma frase ou outra, um verso ou algumas palavras. Mas se vejo que preciso mudar muito é porque o poema não está dando certo, ou não está dando certo para aquele momento. Deixo-o de lado, na minha biblioteca particular de textos reservados, para quem sabe mais tarde retomá-lo, reavaliá-lo.
De novo, é como música, como som. De repente, no meio de uma nota, um desafinamento abrupto que não condiz com o andamento anterior. Ou, às vezes, você até gosta, procura, um certo desafinamento, mas não é 'aquele' desejado. Há de polir, re-concertar, até que se encontre a cadência perfeita (ou o desafinamento 'certo').
Por conta disso, uma parte fundamental desse processo de escrita é o ler em voz alta o que está escrito. Para mim, não para exibição. Para sentir como o poema soa, como ele caminha, se há desafinamento e, quando há, se é como deveria ser.  No livro, há um poema feito de desafinamentos, ‘leite quente’, que gostei quando escrevi e, como texto, considero bacana. Mas há um som que se repete que não me agradou quando era lido e quase me fez jogá-lo fora. O que percebi é que esse contraste entre o poema no papel e o poema na voz criava um atrito que, no final das contas, achei interessante.  
...
No caso de ‘Yurei, Caberê’ transponha, por favor, todas essas alusões líquidas, marítimas, em termos urbanos. Meus rios são de asfalto. As marés, as voltas e os desencantos dos prédios. Os sentimentos são de extremos, de intenso amor e paixão, à solidão e vazio. E mesmo quando o amor é concretizado (olha o concreto presente) ele continua estranho. É importante destacar isso porque influi diretamente na forma como escrevo, no modo como procuro as palavras, como as sinto. De vez em quando, me vejo como um pedreiro a escolher e separar os tijolos-palavras mais adequados, que encaixam melhor com a argamassa e o cimento. Nunca farei um poema lírico entre pássaros e árvores (a não ser que as árvores estejam prestes a serem cortadas…).  Por isso, a música que me acompanha na escrita tem mais a ver com buzinas e barulhos de carros, com vozes humanas tentando se soltar no meio de avenidas fechadas, com janelas quebradas e / ou pedestres esperando semáforos se abrirem. Esse é o ritmo que busco.
...
Uma palavra que você usou e gosto bastante também: Caos.
Pois vivemos no caos, não é? Não há um recanto no planeta que não seja tocado por ele, mesmo que indiretamente. Talvez seja parte da própria condição do ser humano. A Poesia (assim como todas as artes) é um recorte, é um instante, é um quadro, separado, delimitado. Não há como ser de outra forma. Vivemos no caos e quase pode-se dizer que nos acostumamos a ele. Mas ansiamos pela ordem. Não necessariamente a ordem quadrada, fechada, idiota e imbecilizante das mentes reacionárias covardes e acomodadas. Mas precisamos saber que existe um certo sentido. Mesmo que isso se revele falso, como sempre se revelará, pois é o caos quem, por último e de fato, comanda (ou não) o universo.
Penso no ‘Guernica’ de Picasso, por exemplo, como já citei anteriormente. Para o horror e o descalabro da guerra, Picasso poderia contrapor um quadro melancólico, melodramático, e de certa forma comum. A mensagem seria captada facilmente (até mesmo comodamente). Ele preferiu retratar o próprio caos em vez de somente falar sobre ele. Suas imagens disformes e desesperadas projetam o horror como não seria possível de outra forma. Ultrapassam um certo limite e criam um mundo paralelo, portanto. E, assim, mesmo que pareça contraditório, estabelecem um novo critério de ordem, uma nova barreira a ser ela mesma ultrapassada.
James Joyce quebrou barreiras de linguagem e propôs novos limites, assim como Virgínia Woolf, Sylvia Plath, Walth Whitman, Hilda Hilst. Criando e contrapondo novos universos, novas formas de retratar, de enfrentar ou, ao menos, tentar entender o caos (não só o extenso, explosivo, e acachapante caos exterior, mas do igualmente aterrador caos interior, por todas as medidas o que mais tem a ver com o ser humano. )
‘No dia em que todas as crianças palestinas estiverem mortas’, no meu  Yurei, Caberê,  onde misturo a ironia e o pleno terror, o desconforto e o humor sádico, foi uma das minhas tentativas de tentar me conformar com o próprio caos. ‘dois milésimos’ é outro tanto, de outro ponto de vista. Assim como outros. Assim como a maioria dos poemas desse livro, eu acredito.

9) Tem algum projeto que esteja desengavetando nesse momento?
Meu amigo, meu amigo... Olha, a princípio eu ia responder o seguinte:
Tenho material acumulado para alguns livros. Tenho prontos e montados, um livro de contos e três de poesia, sendo que este de contos e dois de poesia estão sendo avaliados para uma possível publicação. Nada de concreto, só estão sendo lidos no momento. Eu organizo um evento de poesia (um misto de sarau e homenagem a poetas novos e consagrados) chamado DESCONCERTOS DE POESIA que já dura alguns anos (com uma parada de um tempo, no meio do caminho) que já passou por vários pontos da cidade de São Paulo e agora está atualmente sendo realizado no bar, café, livraria Patuscada, em Vila Madalena, SP. E estou participando de um novo projeto de sarau que está em seu início na Avenida Paulista, a aproveitar a ferveção cultural que acontece aos domingos na avenida livre.
Bueno, era o que teria escrito caso tivesse te respondido ontem à noite. Agora, há uma 'pequena' diferença. Fechei a publicação para o meu segundo livro de poesia, a ser lançado ainda este ano! Acabei de receber o positivo do editor. Ainda vou discutir direitinho os detalhes, por isso não vou adiantá-los aqui, mas o mais importante está garantido. Portanto, desde já, você é meu convidado, o primeiro convidado, para celebrar comigo essa nova jornada, do meu novo livro. Viva!

10) Alguma pergunta que não fiz mas gostaria de responder?
Sem mais. Agradeço a oportunidade, querido Escobar, de falar sobre poesia e literatura e um tanto do meu livro. E, se me estendi em algumas respostas, lembre-se que a culpa é sua, pois me deixou livre :) 
Talvez, somente alguns lembretes, alguns riscos de pensamento para terminar:
Poesia, Sempre.
Fora, Temer! (ainda mais agora, ainda mais urgente).

Foto: Fernando Garcez

Foto: arquivo Facebook CV