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26.7.15

Entrevista: PAULINHO DHI ANDRADE (Literatura) - SP

Paulinho Dhi Andrade (Foto: arquivo pessoal PDA)

Eu Te Amo, Papai: obra de Paulinho Dhi Andrade (foto; arquivo pessoal PDA)
Declamando no Sarau da Maria, SP (foto: arquivo Sarau da Maria)
(Paulinho Dhi Andrade  foi salvo pelas letras, ele mesmo confessa. Passando por crises existenciais profundas, encontrou na expressão literária os motivos para prosseguir na luta. Autor de "A Tragédia dos Mentirosos" (contos) e "Eu Te Amo, Papai" (romance), ele conta aqui, neste depoimento, um pouco de sua trajetória)

1) Quem é Paulinho Dhi Andrade?
PDA: Sou uma cópia de mim mesmo.

2) E quem (ou o quê) é o original?
PDA: Tenho dúvidas, principalmente quando escrevo.  O ato de escrever me parece tão real que para não encarar uma desilusão muitas vezes prefiro fechar os olhos...

3) Nessa sociedade contemporânea, onde o pós-modernismo determina a cultura pelo fragmento, o que pode o artista?
PDA: O artista pode tudo. Ele tem o poder. Mas utilizando do velho entendimento que "nem tudo convém", é preciso tomar cuidado com a própria arte. Por exemplo: um autor escreve sobre política, e crescimento econômico de uma nação, de repente ele resolve por em prática sua arte, ai eu pergunto: Ele conseguiria levar a sério sua ideia exposta de forma artística a ponto de não se corromper? Tenho essa dúvida desde de que li "A Revolução dos Bichos", e também quando tomei conhecimento de muitos que no passado lutaram por uma nação melhor e hoje nos envergonham...

4) Robert Filliou asseverou que "Arte é o que faz a vida ser mais interessante que a arte". Você poderia comentar sobre isso?
PDA: Concordo. A vida já é uma arte em si. No entanto parece que somos todos artistas porque criamos um modo de viver, mesmo sentindo ou sabendo que a vida não existe, o que existe é a morte. Passamos a morrer a partir do momento em que somos gerados, pois passamos a envelhecer, então não vivemos, morremos... Parece-me que a maior arte criada é a vida.
Vou complementar a resposta com um pequeno poema...

"Às vezes parece ser tão difícil ter que ficar aqui.
Talvez o que nos faz suportar o peso que é viver, seja o lado romântico que a vida nos proporciona. 
nós somos incríveis..."
"Jesuis Cristin"
"Quié Pai?"
"Venha cá, seu mininu..."
"Já tô inu, Pai"
"Pronto Pai, qui cê quê?"
"ôi Jesuis, vô botá ocê na iscola. Cê vai lá pra Terra aprendê di tudo que eles insinam lá, inté essi tal de negócio qui é morrê, adispois cê vorta pra dize u qui é."
"Tá bom, Pai."
"Otra coisa, a respeite todos os seus professô, visse? 
Agora vai, mininu, vai cum Deus..."
"Há, há, há... tá bom Pai, fica com Deus tamém."

Nós somos incríveis.
Somos tão incríveis que conseguirmos até... morrer.

5) Como foi a sua infância e juventude?
PDA: Minha infância foi, de uma forma ou de outra, feliz. Lagos, banho de chuva, uma namoradinha amiga, sem noção do que era sofrimento e muio mais...
Minha juventude, a partir dos 12 ou treze ano, já foi diferente. Comecei a me perder na vida. Uso de bebidas alcoólicas, maconha e vários tipos de comprimidos. Enfim, dominado pelo vício. Trafiquei, assaltei, muitas vezes me vi obrigado a atirar contra bandidos e policiais... Quando entrei para a vida do crime, foi com a intenção de levar comida para casa, mas isso acabou ficando em segundo plano, pois meu vício  precisava ser alimentado. Entre os quatorze membros do grupo eu era o único que lia escrevia. Eu estudava muito, mesmo sob os sorrisos irônicos dos demais.

6) E quando foi que sentiu os primeiros pruridos que o levaram para o mundo da criação artística?
PDA: Eu comecei a escrever pequenos poemas aos doze anos na escola. Comecei a me interessar por livros aos nove, lembro que o primeiro livro que li foi "O menino de asas" da coleção Vaga-Lume. Depois vieram vários, mas o que mais me chamou a atenção foi: "Lúcio Flávio, o passageiro da agonia" e "Papillon". Aos quinze anos ganhei do diretor de uma escola, onde eu fazia um curso de pintor letrista, o livro "Coração de onça" da coleção Vaga-Lume, por ter sido o leitor mais assíduo num período de quatro meses. A partir daí comecei a ler mais ainda e a produzir versos e pequenos contos que hoje já não existem mais, os perdi...

7) Conte agora como foi escrever  e publicar "A Tragédia dos Mentirosos", a pequena coletânea de 4 contos.
PDA: Em 1997 participei pela primeira vez em uma antologia poética pela Editora Phisys, provavelmente já extinta, e no mesmo ano fiz minha primeira exposição de poemas e contos no Parque Chico Mendes, zona leste de São Paulo. A partir daí comecei a cogitar a ideia de escrever um livro de poemas, mas meus poemas eram muito do contra, eu criticava muitos religiosos e políticos, sendo que no tempo de escola meus versos eram de amor. Certa vez cheguei da rua dopado de bebida alcoólica e comprimidos e comecei relembrar minha vida, desde o tempo em que havia entrado para o crime. Perguntei-me:  "O que você quer da vida, Pardal?". Foi ai que peguei um caderno de brochura e comecei a escrever tudo que me vinha na cabeça. Comecei a escreve às 23 horas e terminei às 7 da manhã...
Então lembrei da vontade que tinha de lançar um livro. Entrei em contato com a Phisys Editora e negociamos um valor, não lembro qual era a moeda usada na época, mas sei que custou muito caro.
Eu trabalhava no Hipermercado Carrefour e meus amigos de serviço sempre faziam festas na casa de outros comprando bebidas em lata, e toda vez que acabava a festa eles juntavam tudo, as amassavam e me entregam para que eu as vendesse e conseguisse o dinheiro para pagar a Editora. Minha ex-esposa, Miriane  Carolina, também me ajudou muito, me emprestando dinheiro para completar o que eu já havia conseguido.
Com 300 livros nas mãos, tive que vender de mão em mão, pois a Editora era pequena e não fazia distribuição em livrarias. Vendi 200, dos cem que sobraram eu doei para bibliotecas e também vendi para alguns amigos, e ainda não recebi, já faz mais de quinze anos. rsrsrs
Em 2000, fiquei internado numa clínica do governo para fazer tratamento de minha depressão. A psicóloga da clínica me levou até a faculdade Cruzeiro do Sul para apresentar meu livro aos alunos de psicologia. Eles me fizeram muitas perguntas sobre a obra e outras coisa mais. Acabei vendendo livro para a sala inteira e ainda por cima o professor deles usou um dos contos, "Edna, infeliz para sempre", como tema de aula. Isso me deixou muito contente.

8) E como foi escrever "Papai, eu te amo"?
PDA: Foi-me uma experiência  incrível. Estava muito doente, depressão profunda, e resolvi dar fim a tudo.  Comecei a me despedir de meus amigos na rede social e de repente senti vontade de ouvir música. Como gosto muito de ouvir a Ave Maria, coloquei para tocar. E foi ai que comecei a escrever algumas memórias e sensações que estava sentindo em relação a muitas pessoas, inclusive a minha amiga Thainan que eu, de alguma forma, passei a tê-la como filha em outras vidas, como se eu acreditasse nisso.
Todas as noites eu escrevia várias páginas, cheguei a escrever 450 páginas em 38 dias, sempre ouvindo a Ave Maria. Reduzi o livro a 220 páginas, até agora não sei porque fiz tal coisa, poderia ter deixado, mas...

9) Tem alguma coisa em planejamento para um futuro próximo?
PDA: Sim. Estou escrevendo três livros ao "mesmo tempo", sendo que o terceiro é o que eu mais darei atenção. Nele eu conto a história de um homem que depois de ter, supostamente, se desiludido com algumas religiões, torna-se ateu. Quando morre descobre que foi parar no Inferno. Então, com a alma cheia de conflitos e dúvidas, chega a acreditar que de lá nunca mais sairia, mas... ele descobre uma maneira de escapar...  e saí do Inferno de cabeça erguida.
O livro ainda não tem título.

10) Tem alguma pergunta que não fiz e você gostaria que eu tivesse feito? Se sim, por favor formule-a você mesmo, responda-a e poste aqui. Obrigado, abraços.
PDA: Apesar de se considerar ateu, por que em seu livro "Eu te amo, papai" você chama a atenção para a "Fé" em todos os âmbitos?
PDA: Faço isso porque acredito que a "Fé" me parece ser muito confundida com o "Medo".
Qual seria a resposta de alguém que diz ter muita fé em Deus se eu lhe perguntasse: "Você tem fé em Deus porque Ele merece ou porque você tem medo de ir para o inferno?"
Parece-me que muitos tentariam enganar a onisciência de Deus alegando que o inferno não lhes provocaria medo algum...

11) Dessa pergunta que você formulou e respondeu, surgiu-me outra: por que essa obsessão por Deus? Você, como ateu que afirma ser, não acha que cita demais a personalidade de Deus?
PDA: Nietzsche também foi suspeito quanto a isso, mas na verdade só tento entender aqueles que se dizem cristãos ou de outra religião e no entanto fazem totalmente o contrário à vontade de seu Deus.

12) E o que é "a vontade de Deus"? Aliás, qual Deus? O judaico-cristão? E como ficam as outras religiões monoteístas, que apresentam deuses similares e dogmas parecidos?
PDA: Talvez o que falta em tal conceito seja a compreensão de que se Deus existe, ele é um só. Provavelmente a diferença de culturas fez com que pudéssemos criar os nossos próprios pensamentos relativamente divinos.
Antes dos homens chegarem aqui, os índios já acreditavam em Tupã.
Quem disse a eles sobre tal divindade? Seriamos extra-terrestres vindo para a Terra numa provável poeira cósmica, cada qual de um sistema solar com crenças diferentes? Talvez isso explique as raças e línguas variadas. Parece que criamos um deus a cada necessidade, quem já não teve confiança em amuletos? No pai, na mãe, no irmão mais velho?

Performance poética durante Sarau da Casa Amarela, S. Miguel Pta, SP (foto: Luka Magalhães)
Performance poética durante Sarau da Casa Amarela, S. Miguel Pta, SP (foto: Luka Magalhães)
Performance poética durante Sarau da Casa Amarela, S. Miguel Pta, SP (foto: Luka Magalhães)


25.7.15

Um poemeu: "A metalinguística da metafísica"




súbito 
o céu é sol
o sol é quente
quente é o sal
sal é veneno
veneno é tempero
tempero é sentido
o sentido é a projeção
a projeção é a pose
a pose é posse
posse é pré-domínio
pré-domínio é amor
amor é o inferno
inferno é o céu

21.7.15

Entrevista: JOÃO TIMANE (Artes Visuais) - Moçambique


O criador e sua obra, em exposição em Moçambique (foto: arquivo JT/Facebook)
A enigmática capa da revista Entrementes (Brasil) 
Explosão de cores, efeitos e sensações (foto: arquivo JT/Facebook) 
(Foi na revista Entrementes (São José dos Campos, São Paulo, Brasil), na edição Outono de 2015, que tive o primeiro contato com João Timane. Seu trabalho “Hirondina Joshua”, um acrílico sobre tela, ilustra, com força solar, a capa do periódico. Um rosto de tristeza enigmática sentenciado por um olhar de monalisa desdenhosa, cujos lábios tanto podem estar rindo vingativamente quanto podem estar contraídos numa dor extrema, oferecem um painel pan-étnico, que nos permite pensar inúmeras variações para este concerto de cor e traço. Fui pesquisar e descobri um jovem e árduo trabalhador das artes visuais em Moçambique. Nada mais natural do que querer compartilhá-lo aqui, com todos. Desfrutem-no! Edição de texto e seleção de fotos: Escobar Franelas)


1) Quem é João Timane?
João Timane é artista plástico moçambicano, formado pela escola Nacional de Artes Visuais em Maputo. Actualmente frequenta o curso de Engenharia Geológica e de Minas na Universidade Universidade Wutive. Nasceu, cresceu e vive no bairro do Aeroporto, conhecido internacionalmente como sendo o bairro dos artistas.


2) Quando foi que você sentiu as primeiras manifestações da arte em sua vida?
JT: Desde infância já fazia arte sem noção. Fazia desenhos infantis de bonecos que via pela televisão. Em 2009 concorri a Escola Nacional de Artes Visuais por conselho do meu primo Timóteo Bila que na altura era o meu encarregado de Educação.
Longe de pensar que fosse ser artista e que existiam escolas que formam técnicos de artes visuais. Quando entrei por acaso com a melhor nota, dediquei-me duma forma extremamente intensiva que cheguei a perder amigos por esta paixão, isto porque não dava mais atenção a eles... Desenhava dia e noite.
Certo dia com alguns colegas de nomes Patrício Simbine (artista) e Santos Pitelek visitamos o Museu Nacional de Arte. Foi ali que a verdadeira paixão fluiu no meu interior, quando logo na entrada deparei-me com as belas e magníficas pinturas do artista moçambicano  radicalizado em Portugal, Roberto Chichorro. A maravilhosa combinação cromática e a alegria deste povo moçambicano ali representado cativou-me profundamente, foi quando depois fui apreciando muitos outros artistas, identifiquei-me também nas pinturas do Naguib, pertencentes à sua primeira exposição intitulada “O grito da paz”. Desde lá até hoje esta paixão não hospedou mas sim encontrou o seu verdadeiro lar no meu interior, um lugar  onde os poetas tem mencionado bastante, esse lugar chama-se coração.


3) Já participou de alguma exposição, individual ou coletiva? Quando? Aonde?
JT: Claro que sim.  Estou nas artes plásticas profissionalmente há 6 anos e desde lá fiz duas exposições individuais na Mediateca do BCI em Maputo, sendo que a primeira intitulada "Cartas dum grau de mostarda" e a segunda "Retratos de mil gotas de sonho" e  sempre participei em inúmeras exposições coletivas dentro e fora do país.


4) Como é o seu processo de produção? Tem um dia ou horário certo para produzir? Divide a tarefa com outros afazeres? Consegue ficar muito tempo sem produzir?
JT: Confesso ser um artista sem processo definitivo de produção, isto porque tudo depende da inspiração do artista que está em mim. Sou um artista movido pelo espírito espontâneo, ou seja, produzo o que vem em mente nesse exato momento.
Para além de artista plástico, sou estudante de engenharia geológica e de minas em Maputo e para além dessas duas áreas, tenho feito exercícios físicos pois sou apaixonado pelo fitness.
Não consigo de jeito nenhum ficar sem produzir mesmo sem material, trabalho com o que existir nesse momento, por exemplo, na falta de tintas, faço desenhos artísticos, na falta da tela, pinto em cartolinas...


5) Por que a falta de tintas e telas?
JT: As tintas no pais em que encontro-me infelizmente existem em pouca quantidade, sendo este rico em diversidade plástica. Neste exato momento estou a pintar quadros e os mesmos não estão à venda, logo, este é um dos motivos pelos quais o artista acaba tendo dificuldade em aquisição do material.


6) Como você entende que este problema pode ser resolvido? Trabalhar na importação? Incentivo à indústria química para que produza os materiais que os artistas necessitam? Criação de cooperativas?
JT: No meu ponto de vista, as instituições comercias deviam importar mais os materiais de pintura, ou seja, das artes plásticas no geral, apesar de que o artista não se limite no que é novo mas sim recicla o que lhe rodeia e para o restante da população não tem beneficio com a finalidade de produzir um utensílio utilitário. Enquanto não serem importadas as tintas pelas instituições comerciais locais, continuaremos saindo do país em busca principalmente  na vizinha África do Sul, sendo assim as telas ficam ainda mais caras e esta acaba sendo uma dificuldade para aquisição das mesmas pelo povo moçambicano.


7) Você considera que os artistas estejam procurando caminhos para uma produção menos individual e voltada mais para o coletivo? Ou há uma exacerbação do individualismo tipicamente ocidental?
Há uma década atrás era abusivamente notável a presença do individualismo nas artes plásticas africanas, especificamente nesta região que pertenço mas, nestes últimos tempos graças a alguns artistas estudados além continente africano,  as coisas mudaram devido a essas influências que visavam a unir os artistas em movimentos fortes para a elevação das artes plásticas moçambicanas em particular.
Contando também que perdemos grandes fazedores das artes plásticas moçambicanas, estes que elevaram o nome de Moçambique além fronteiras.  Daí que surge um grupo extremamente forte designado Muvart (Movimento de Arte Contemporânea de Moçambique ) liderado pelos artistas e professores de arte Jorge Dias e Pumpílio Hilário, artisticamente conhecido como Gemuce, grupo este que trouxe um questionamento na arte actual devido a forma de expressão diferente do habitual e principalmente por trabalharem com a reciclagem num país com muita diversidade de objectos recicláveis.
Desde já parabenizo a este grupo constituídos pelos artistas Gemuce, Jorge Dias, Mudaulane, Carmen Muiengua, Titos Mabota...


8) Como você vê a produção visual na arte que se pratica no momento?
Baseando-me no princípio de que no mundo quase tudo já se fez, actualmente a nossa geração vive refazendo, ou seja, reconstruindo o que já se fez pelos grandes artistas da antiguidade, modernizando e contextualizando com o momento contemporâneo.
Penso que é um momento em que as coisas tornaram-se fáceis principalmente com a implementação da tecnologia nas artes plásticas.


9) Tem predileção por algum artista, ou grupo, ou coletivo, na arte moçambicana e/ou brasileira e/ou mundial atual?
Desde o princípio da carreira artística sempre inspirei-me pelos artistas moçambicanos: Chichorro (actualmente radicalizado em Portugal), Naguib, João Paulo Quehá, Gemuce e Silvério Sitoe. Estas grandes referências das artes plásticas moçambicanas tem influenciado grande número de jovens aqui.
 Além fronteiras tenho visto e acompanhado o que se está a fazer mas não tanto para que não haja muita influência extra europeia nos meus trabalhos artísticos, porque isso dificulta a identidade do artista, embora alguns conseguem estar no seu devido lugar. Mas a maioría está fazer arte extra europeia, ou seja, já não tem raízes.


10) Por último, tem alguma pergunta que gostaria que eu tivesse feito e não fiz? Caso haja, por favor formule-a e responda em seguida. Obrigado.
Bem, quanto às perguntas, eu penso que foram as essenciais e através de algumas foi possível falar de outros assuntos, ou seja, responder a algumas perguntas não feitas. Desculpe a demora para responder. Nestes últimos tempos andei muito atarefado,  na maioria das vezes mostra que estou online, mas se calhar, distante hehehehehhe...

Obra de JT também na capa da revista literária Omnira (Moçambique)
Um artista escultor de sinuosidades (foto: arquivo JT/Facebook)
Capa do catálogo de exposição individual de JT (Moçambique)


9.7.15

Resenha - livro "Os laços da fita" (Fernando Rocha)



Fernando Rocha na Casa Amarela (S. Miguel Pta.), clicado por Xavier

Os Laços da Fita (Fernando Rocha)

Uma mãe que perde um filho e o marido logo a seguir, que cuida do neto órfão, já que a mãe deste está internada pelo excesso de consumo de drogas diversas. Que vê o outro filho, mais velho, abandonar a promissora carreira de jogador e entregar-se passivamente à bebida.
Escrito assim, pode-se pressupor que “Os Laços da Fita”, segundo livro do escritor paulistano Fernando Rocha, é uma ode niilista, deprê, ao contrário, uma “desode”, uma entrega passiva da vida às circunstâncias impostas. É!
É isso mesmo. “Os Laços da Fita” é uma linha contínua de ruptura, que estabelece uma antiordem nas convenções medianamente aceitas.

A vida é muito longa quando se está sozinho sim, e não há companhia que resista ao fantasma da solidão, ele afugenta como cão bravo, ninguém tem coragem de encarar, muito menos de ouvir o rosnado feroz do silêncio.” (p. 74)

E mais, muito mais: Fernando Rocha é um autor que sabe como poucos burilar o interior nada homogêneo dos seres em processo que somos. Se as câmeras insistem em ter um plano composto, distante, frio e imparcial, o autor recorre ao close-up, à profundidade da digressão, dialoga com os demoninhos que habitam os pensamentos. Por exemplo, neste hiato poético de um dos personagens, dentro do enredo contundente da prosa:

Ora, Horas!
Este eterno cortejo fúnebre.” (p. 75)

Já em seu livro anterior, “Sujeito Sem Verbo”, Rocha nos indicava o caminho por onde trilha, entre as sombras, próximo das margens mais pantanosas, onde percebe melhor a massa do que somos feitos. Marceneiro que sabe como desbastar, lixar e limar a madeira com que irá esculpir um mundo muito particularizado, o autor instaura em sua obra uma construção in progress do humano, em que aos poucos vamos percebendo e reconhecendo cada nó da madeira, cada fio mantido visível, cada lâmpada mantida acesa ou apagada, cada fímbria por onde passam os pós que irão nos sujar, no sufocar, aderir em nossas peles e contaminar nossos olhos.

Em alguns momentos tropeçamos e entre o chão e o levantar parece estar a eternidade. Quando estamos eretos, não percebemos o tempo, mas com o rosto rente ao chão é possível ver as pegadas do fracasso, do nada, do vazio.” (p. 7)

Insisto neste preâmbulo noturno, pois é necessário não enganar o leitor: Fernando Rocha não oferece perfume; antes, mostra os espinhos. Propõe que enxergue a flor como ela é, em sua totalidade.
Em “Os Laços da Fita”, os fios se tornaram um único laço que por sua vez, virou nó, difícil de desatar. Arrisco dizer que este nó só se desfará se for em outro sentido, em outra forma, apertando, apartando, comprimindo e matando, homicida ou suicidamente; eufemística ou realisticamente. Faço, aliás, um recorte aqui: a capa é bem emblemática em oferecer subsídios para essa interpretação. Sua ilustração é uma forca. O nó dessa forca, contudo, é feito com uma sequência de diversos tipos e tamanhos da palavra “viver”. A gradação das quatro letras (o “v” é repetido), faz com que pareça uma corda industrializada, onde as linhas estão banalizadas, cumprem apenas a sua função primária. Viver então seria prender, amarrar, sufocar. Paradoxalmente, o fim utilitário dos vários “viver” encadeados, seria a morte. Na trama, porém, depois de percorrermos os subterrâneos sombrios, uma luz se insinua no fim dos túneis e corredores por onde trafegam a mãe que também é avó, o filho que também é tio, o neto que também é sobrinho.
Estar lançado no mar revolto dessas sensações que, de tão bem descritas, marcam nossas peles, envolve o leitor de “Os Laços da Fita” num enredo profundo, numa névoa que exigirá muito cuidado até chegar à ilha da redenção. Quem suportar esse mergulho profundo, não sairá o mesmo quando quando chegar ao porto seguro do último ponto, o final. Sairá dessas águas em estado de purificação, batizado, transformado e levitado. Nada de mitologias cristãs, por favor. Estou falando de outras inteligências: subjetivas, introspectivas e intuitivas.
Relendo essa resenha, tomo um susto, quase me sai outra coisa, um ensaio fugidio talvez. Quis elogiar, considerar, persuadir, mas só soube viajar nos labirintos de uma trama feita com os melhores cipós da floresta existencial. Perdoe, Fernando, mas não soube escrever de outra forma. Sei que seu livro merece considerações mais objetivas de gente mais competente mas minha tagarelice só me levou para esses mangues e pântanos. Mas a culpa é sua, quem manda escrever tão bem? Tão bem que confunde...

Onde foi parar o menino que chorava sentido? Agora ele escreve e acha que é mais bonito do que chorar, chega de estilística, meus olhos embaçados quiseram eternizar a beleza do comum, mas falharam.” (p. 29)

Escobar Franelas

x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.

“Os Laços da Fita”
(Fernando Rocha)
88 pág.
Editora Penalux, SP, 2014 (www.editorapenalux.com.br)