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31.12.15

Resenha - livro "A delicadeza dos hipopótamos" (Daniel Lopes)





Escrever é fazer um pacto. O escritor, o escritor-escritor, deve estar disposto a sacrificar tudo, inclusive a própria alma, em prol da palavra.” 
Na mitologia bíblica, Tamar pode ser considerada como a indesejada, aquela por quem Onã não se sente atraído. Ou talvez o seu contrário: a Onã só interessa desfrutar do corpo da viúva de seu falecido irmão Er (mais velho), mas não quer que ela tenha um filho do qual derivará a memória do morto. A tradição o obriga a entregar-se maritalmente a ela e ele, num gesto de rebeldia a Deus e a ela, prefere masturbar-se (ou gozar fora) do que ter um filho com ela. 
No livro “A Delicadeza dos Hipopótamos”, romance bojudo de Daniel Lopes, temos um protagonista (Léo), que em algum momento de sua vida, volta para sua cidade natal, Tamar. 
Assim como no sofisticado texto bíblico, o retorno de Léo, esse filho pródigo, é um embate frio e nada nostálgico do narrador com a cidade que o recebe. E, tal qual o enredo do Gênesis, Léo não quer Tamar, não ama Tamar, não possui Tamar, não deseja que sua relação com a cidade deixe herdeiros. É apenas uma volta. Por quê? Pra quê? Ele não nos diz. Podemos deduzir mas nunca saberemos de fato.
Se for possível formular um paralelo entre as duas metáforas, Léo perpetua a esterilidade na terra que não ama. A sua aridez se relaciona com a aridez do lugar e isso é tudo. Eles não se completam, não há sedução de nenhuma das partes. Tampouco as amizades que reencontra lhe dizem alguma coisa. Esse desencontro com a nostalgia fica evidente quando ocorre o incêndio na biblioteca da cidade. Biblioteca é o lugar que guarda e perpetua a história; sem livro, o passado passa a ser apenas oral, orientado por outros tipos de saberes e subjetivações. Também a igreja inacabada e o hospital incendiado indicam a indefinida incompletude do herói com seu tempo.
Daniel Lopes, porém, vai mais além nesse emaranhado. Determina que todos os habitantes locais são hipopótamos. E quem são os hipopótamos? A depender do protagonista, hipopótamos são sempre os outros. Tanto que um dos hipopótamos da cidade, Mauro, vive de esculpir... hipopótamos. Não cria outra coisa, a não ser hipopótamos inanimados. Duros. De pedra. 
Mas eis que num dia o narrador-personagem enfim cede: “A largura do meu corpo tomou proporções imensas, enquanto continuava a inchar, partiu as roupas, não deixando mais que fiapos pendurados no meu couro suado, escuro, fétido, untado. Abri a boca e saudei a catástrofe. A Arte, como os deuses, se alimenta da destruição. Eu agora era um hipopótamo, como os outros hipopótamos de Tamar, filha de Davi, minha aldeia”.
Autor fecundo e imagético, Daniel Lopes surge aqui mais incisivo, bruto e delicado que seus próprios hipopótamos. Seu enredo flerta com Kafka, dialoga com o realismo mágico latinoamericano, anda de mãos dadas com J.J. Veiga. Mas beija sem eufemismos Conrad, adentrando selvas labirínticas como se estivesse no Coração das Trevas.
Pois é na densa névoa que recobre os silêncios entremeados de breves palavras do cotidiano de Léo em Tamar, que vemos a selvageria do homem a sós consigo. E com Deus, o seu espelho. Apenas.

Serviço:
Livro: A delicadeza dos hipopótamos
Autor: Daniel Lopes
Editora: Terracota (SP)
Ano: 2014

30.12.15

Resenha - livro "Contos da várzea e outros blues" (Marcelo Mendez)




Caro leitor, vos afirmo: futebol serve pra isso. Para emocionar, para interagir, para se apropriar do meio social.” (“Fellini vai à várzea e o folk do Parque Novo Oratório”). A primeira crônica do livro “Contos da várzea e outros blues”, do jornalista Marcelo Mendez, traz para o universo literário aquilo que o futebol tem de mais bonito: sua poesia. A raiz grega da palavra – poiésis – remete ao lampejo criativo, ao insight, à criação. Traduz assim a beleza fulgurante e imprevista da arte. O futebol de várzea, longe dos simulacros da profissionalização, oferece essa condição em doses muito mais caudalosas que a sua versão mercantil, embarafustada de champions league, copas do mundo, libertadores, fifas e cebefes. Nele, a delirante beleza do instante enche de cor o marrom dos terrões, estabelece a música no encontro das canelas, cria um raio luminoso no encontro da bola com o fundo da rede estufada. A poiésis no futebol estabelece a possibilidade do estado transcendente, a chance da mudança repentina através do feito inédito, a surpresa sempre inusitada do acaso. A poiésis reafirma a beleza natural de uma arte genuína.
MM rima fácil a beleza do futebol praticado nos terrões varzeanos da região do ABC paulistano (onde vive e trabalha). Ele entende do riscado, tanto que define que tão importante quanto o craque é o caneleiro, o fazendeiro: “A vida seria muito mais poética se os homens de bem que habitam o mundo tivessem a dignidade de um perna-de-pau. O canela-dura é um onírico, um lúdico. Há nele uma honradez, uma decência quase comovente” ("A grandiosidade épica de Parrão e o blues do perna-de-pau”). Para o autor, pouco importa o resultado de uma partida. Vale mais a beleza de um gesto, a voz de um torcedor, a comoção de uma torcida, a lembrança de uma chuteira da juventude que ficou imortalizada na memória do homem maduro, a lambança de um beque turrão.
Mas ele manja mais, sabe muito de blues, jazz e rock´n´roll, essa tríade sagrada que os americanos lá do norte deram ao mundo. E tempera esse conhecimento com doses nada modestas da sétima arte. Assim, unindo suas paixões, cinema, música e futebol, tudo isso devidamente acondicionado na confeitaria das palavra que eles usa com muito tempero, sal e açúcar, temos em seu “Contos da várzea e outros blues” dezenas de belos e inspirados textos compilados a partir de sua coluna de toda terça no jornal ABCD Maior. Tirando da cartola sempre uma generosidade poética para ilustrar as suas andanças pelos campos do Grande ABC, MM mostra a beleza que fica de fora dos discursos oficiais. Ou, como ele mesmo define, “A vida na periferia é um livro para Louis Malle filmar” (“De Rimbaud para Wilde, o 10 do Casagrande”).



Serviço: 
 Livro: Contos da várzea e outros blues
Autor: Marcelo Mendez
Editora: Córrego
Ano: 2014 (1ª edição)



29.12.15

Entrevista: DANIEL CARVALHO (Literatura, educação e música) - São Paulo

Ganhador do Prêmio Paulo Freire 2015 (foto Marco Tito - arquivo Facebook)

Depoimento para o Portal R7  (foto - arquivo Facebook)

O volume II do Entre Versos Controversos (foto Lucas Barbosa)


Daniel Carvalho, que declara ter mais que as sete faces drummondianas, é poeta, músico e educador na zona leste paulistana. Mas só o entendemos mais integralmente quando nos damos conta que cada uma das expressões pelas quais se desnuda na verdade é sempre uma continuidade da outra. E que esse pleno exercício da cidadania (pois o múltiplo artista coexiste somente nessa condição, a de ser essencialmente um cidadão!) diversifica-se em vetores que refletem e indicam caminhos para a arte (e humanidade) possíveis, apesar dos percalços, reacionarismo e arbitrariedades.
Este depoimento, colhido numa conversa de quase um mês via inbox do Facebook, revela um ser integrado ao seu tempo e à vida, exalando o bálsamo da Arte.


1) Quem é Daniel Carvalho?
Daniel Carvalho... boa questão, estou há 26 anos tentando descobrir quem ele é... Responderia talvez com um trechinho de um poema que escrevi ano passado: "não sou o homem de apenas sete faces,/ pois, possuo uma face/ a cada amor,/ a cada dor, /a cada experiência." Talvez seja um sonhador que vive cada uma das faces e fases da existência.

2) Você é um músico que "encontrou" a poesia, ou um poeta que também pratica a música? Explique-nos como a arte substancia sua vida:
Comecei a estudar flauta doce aos 7 ou 8. Depois fui para o violão, guitarra e assim por diante. O contato com a poesia foi nas primeiras tentativas de compor música. Acredito que encontrei (ou fui encontrado?) a música primeiro. A poesia mesmo, o desejo de ser poeta, não sei bem onde começou. Lembro que meu primeiro poema foi, sem ser música, na faculdade. Depois dei um grande tempo em composições, fazia apenas música instrumental. Com um projeto de literatura que desenvolvi com alunos e alunas do Ensino Fundamental II, essa chama poética reacendeu e voltei a escrever poemas.

3) E a carreira no magistério, como surgiu?
Comecei a ensinar violão/guitarra aos 14. No final do Ensino Médio, tive professores que mudaram minha vida. Esses dois fatos me motivaram a entrar pra Educação.

4) O que você chama de "tive professores que mudaram minha vida"?
Professores cujas aulas lembro até hoje, aulas que me fazem refletir até hoje.

5) O que você gosta de ouvir? De ler? De assistir?
Difícil resposta (risos). Isso daria um bom papo que duraria horas. Acho melhor falar do que mais gosto, delimitar os principais (risos). De ouvir, gosto muito de uma banda chamada Symphony X, é de metal progressivo. Muito bem trabalhados os álbuns, músicos muito bons mesmo. Mas, gosto desde baião, jazz, rap, até o metal do tipo System Of A Down, então é complicado resumir.
De ler, caímos noutro dilema pra resumir a resposta (risos). Meu escritor favorito é Dostoiévski. Tenho todos os livros traduzidos para o português e acho fantástica a poética dele.
Sobre assistir... amo séries. E nem imagino como será o fim do The Walking Dead (risos). As que mais gostei até hoje foram Prison Break, Lost (sim, eu sei que era a maior viagem e é por isso que gostei) e Flashforward (certamente, a que mais mexeu comigo).

6) Você tem vivido intensamente o ambiente dos saraus e dos slams que acontecem na periferia. Conta pra gente esses fenômenos e as peculiaridades de cada um:
Ainda é difícil eu falar algo sobre essa nova experiência, pois é tudo muito recente. Eu fui levado a vida toda a negar minhas origens, negar a periferia, a acreditar que os "rolês" de verdade eram os que fazia na Vila Madalena, Paulista, ou em ruas do tipo "Aspicuelta". Os saraus de periferia e a literatura marginal me ajudaram a enxergar quanto é triste não nos reconhecermos em nosso território, em nossa casa, não nos reconhecermos em nossa própria história, discursos e cultura. Cada sarau, slam, etc., têm sua peculiaridade, mas o fio condutor de ambos é a voz periférica e de empoderamento de uma cultura, voz que todos parecem possuir em comum.

7) Agora conte um pouco da história do projeto Entre Versos Controversos:
O Entre Versos Controversos surgiu na EMEF Profº Aurélio Arrobas Martins. Uns alunos e alunas e eu nos reuníamos após o horário de aula pra cantar umas músicas, escrever uns poemas e, de repente, publicamos as duas coletâneas de poemas, começamos a participar de saraus, enfim... a história do EVC é longa e tão forte que nunca consigo escrever sobre ela direito (risos).

8) Como foi o lançamento do Vol. II do Entre Versos Controversos? E por que o subtítulo "O canto de Itaquera"?
Foi uma festa bem bacana. Fiquei surpreso com os alunos e alunas mandando os poemas de cabeça, sem precisar ler e interagindo com o público. "O canto de Itaquera" foi escolhido para mostrar o encanto que há no canto da nossa quebrada. O canto pode ter dois significados: 1) espaço físico, canto no sentido de uma região que fica à margem, e 2) canto no sentido de voz, de empoderamento.

9) E o que você está planejando para 2016?
Na verdade, não tenho nada muito certo. Não sei se o que tenho são planos, desejos, sonhos, etc. Preciso antes sentar, refletir e pensar. Acho que ainda não organizei meu tempo pra conversar comigo sobre o que pretendo fazer em 2016 (risos).

10) Tem alguma questão que gostaria que eu tivesse perguntando e não o fiz? Se tiver, faça-a você mesmo e a seguir responda. Grato!
Puxa! Já é difícil responder. Imagina perguntar (isso)
Talvez, uma boa pergunta seria "que é a poesia?". Eu responderia que poesia significa muitas coisas, mas a parte que me chama mais atenção é que ela pode ser um instrumento potencialmente humanizador. Ela pode nos ajudar a entender o mundo, a nós mesmos e o outro - que é e não é diferente de nós.

20.12.15

Um poemeu: "Agonia, infração, êxtase"


súbito no meio da radial
o verso explode dentro da cabeça
e mil estrelas bailam em mim
procuro caneta encontro a nota do combustível
mas por desaforo o semáforo não fecha
penso em gravar no celular
mas esqueci a porra do celular
fico cantarolando o verso
fecho o vidro pra ninguém notar o estado teso
e na falta de lugar melhor
estaciono na vaga do ônibus pra rascunhar

30.11.15

Depoimento para Fernando Rocha (Revista literária Letras et cetera)

 

  ENTREVISTA COM ESCOBAR FRANELAS




foto: Luka Magalhães


Escobar Franelas é uma das figuras mais presentes e importantes dentro da produção cultural realizada na zona leste de São Paulo, ele faz parte da coordenação da Casa Amarela - Espaço Cultural, membro do coletivo de audiovisual Lentes Periféricas, fotógrafo amador e escritor. Publicou o livro de poemas hardrockenroll (Scortecci, 1998), o romance Antes de Evanescer (Scortecci, 2011) e o livro de história Itaquera - Uma breve introdução (Kazuá, 2014).
Escobar, de certa maneira você personifica a afirmação de que o homem é um ser coletivo participando de diversos projetos. Quando você se defronta com a solidão artisticamente e como lida com ela?
EF: Eu diria que naturalmente sou solitário. E foi essa solidão que me levou à procura de canais para a expressão. Parodiando Sartre, diria que o homem é um ser condenado a se expressar. E a arte - pensada como interferência do ser no meio social - pode ser entendida como meio e fim para que essa expressão aconteça.
Se os nativos não eram escravizados pelos padres, e se estes mesmos padres os protegiam na luta contra os colonos que pretendiam escravizá-los a todo custo, tampouco havia liberdades de escolha (Itaquera - Uma breve introdução, pg. 19). Se acrescentarmos os pastores protestantes dentro deste imbróglio e a expansão evangélica dentro da zona leste do final do século XX pra cá, podemos dizer que nos genes indígenas que todos carregamos, a população da zona leste herdou esta sinuca de bico?
EF: Putz, você tem razão, total razão! Isso tudo parece até um encadeamento macabro e confesso que vou mais além: esse problema não é só da zona leste, nem só das periferias, tampouco apenas do Brasil. Veja as questões recentes das agressões ao Suplicy na Livraria Cultura; a tragédia em Marina, MG; este ato tosco contra as vida humans em Paris. E as exclusões xenofóbicas que estão batendo transformando o sul da Europa num cemitério de crescimento exponencial!
Tudo isso é retrocesso, volta à animalidade que supúnhamos ter sido resolvida, todavia, a evolução humana não acompanha o avanço tecnológico, e volta e meia, tudo recrudesce e volta duzentos anos para trás.
Antes de ter contato com o seu livro de história, uma senhora havia me dito que a Avenida Marechal Tito se chamava Rodovia Rio-São Paulo, demonstrando a força da cultura oral. No lançamento do livro você disse que aquela era a primeira parte de um projeto que tinha como intuito construir uma trilogia, a qual seria concluída com a coleta de depoimentos dos moradores mais antigos da região de Itaquera. Como anda este projeto?
EF: A citação da Estrada Velha São Paulo-Rio é um excelente exemplo de como a história oral também é um documento sério para elucidarmos o passado, trazendo os saberes não oficiais para a troca e a citação. Quanto à trilogia, diria que está a contento, talvez um pouco atrasada, mas dentro de uma certa previsibilidade. O projeto que tenho em mente prevê uma nova obra mais ou menos em 2017, abarcando as mudanças radicais observadas em Itaquera entre os anos 2007 a 2016, e outro, de memória oral, que virá depois, talvez daqui uns cinco, seis anos.
Em algumas das crônicas (Como escrever poesia e Escrever, verbo intransitivo) que recortam Itaquera - Uma breve introdução, você menciona o problema do escritor diante do seu processo criativo. Tal reflexão sinaliza um não para a zona de conforto dentro do movimento criativo do pensar?
EF: Tenho um prazer enorme em escrever. Escrever qualquer coisa, seja um texto jornalístico, poema, crônica, conto, ensaio etc, me leva a esse êxtase. A “artesania”, o escalavrar a palavra, o ritual da escritura, a ordenação do sentido no texto, tudo isso me dá uma sensação de pânico e inquietude que só se resolve quando o texto fica pronto. E a completude, nessas condições, passa a ser um oásis, talvez o que para mim represente a ideia do paraíso edênico.
Antes De Evanescer é uma narrativa ficcional que se desdobra partindo de um fato real: Os ataques do PCC em 2006. Como o historiador colabora com o ficcionista e vice-versa?
EF: Quando escrevi o Antes de Evanescer, no auge dos problemas em 2006, na verdade nem sonhava em cursar História, o que vim fazer só três anos depois. Mas se pensarmos as coisas em termos lógicos, me parece óbvio que a observação aguda do tempo, matéria essencial para quem se propõe a historicizar as coisas, já estavam lá, comigo.
Seja como for, o enredo, apesar da tragicidade real, foi um desvario meu, e que algumas conjunções de situações e vivências me levaram a um cruzamento de improbabilidades. E aí, não digam aos que poetas que uma coisa não é possível! Pois o desafio amplifica as possibilidades a serem exploradas. Foi o que fiz: naqueles dias conturbados, me peguei pensando nos acasos que podem mudar consideravelmente o curso de uma história que parecia bem previsível. E escrevi sobre isso.
No fundo no fundo, confesso que tudo o que quis foi contar uma história de maneira o mais crível possível. Será que consegui?
Conseguiu, Escobar!
Com o coletivo Lentes Periféricas, você lançou o documentário Doc.Cine Campinho, o qual tem sido exibido em alguns eventos. O próximo projeto é produzir um documentário sobre o M.P.A. (Movimento popular de arte). A quantas anda a produção deste trabalho?
EF: Estamos finalizando a captação de entrevistas, agora vamos para a pesquisa dos acervos e pós-produção (edição de vídeo, de áudio, finalização, lançamento e distribuição). Para retomar este filme - que iniciei por volta de 2009, 2010 e depois parei, por falta de dinheiro e parceiros - a presença do Lentes foi fundamental. Mas para esta etapa final, a pesquisa iconográfica vai ser um tanto demorada e meticulosa. Para isso criamos uma campanha no Catarse (https://www.catarse.me/mpa) para podermos arrecadar uma verba e viabilizarmos o projeto do jeito que almejamos e que acreditamos que ele mereça ser finalizado.
Você escreveu o prefácio do livro de poemas Amador, do Rafael Carnevalli, lançado neste ano. Qual a importância de movimentos como o M.A.P na ocupação e ressignificação dos lugares públicos para a divulgação da poesia?
EF: O Movimento Aliança da Praça é um combustível que mantém vivo a utopia de nossos mentores/genitores/educadores. O MAP (do qual o “Amador” Rafael Carnevalli é um líder inconteste, emblemático e carismático), apropriou-se da chama intensa da cultura local, já vivido em outros tempos, e a manteve acesa, acrescentando novos elementos, oxigenando as relações coletivas e individuais na significativa Praça do Forró e seus entornos.
Os saraus que ocupam a cidade de certa maneira reaproximam a poesia da cultura oral? Funcionam eles como uma oposição a interpretações estreitas dos conceitos do concretismo?
EF: Os saraus são significativos pois: a) recuperam o protagonismo do ser enquanto artista, em seu meio e no seu tempo; b) retiram o fundamento financista que tem sido o mote-mór da expressão dita como artística na contemporaneidade ocidental; c) mantém viva a chama do encontro, do abraço e do aplauso; d) estabelecem um novo paradigma ao colocar no mesmo palco e diante da mesma plateia o “profissional” e o “amador”, o ser-artista e o estar-artista.
Como se deu o seu contato inicial com o poeta e parceiro na Casa Amarela Akira Yamasaki?
EF: Desde as minhas primeiras andanças em São Miguel, a figura mitológica do Akira já pairava sob o céu acinzentado pela Nitroquímica. Logo a seguir, tive a oportunidade de conhecer sua esposa, a Sueli Kimura, que dava oficinas de dança. Ela, Sacha Arcanjo e Raberuan foram as pontes que me ligaram umbilicalmente a Akira.
Hoje temos essa parceria, na cogestão da Casa Amarela. Conviver com ele é ter aulas diárias de explosões poéticas sem rebuscamentos desnecessários, é poder apreender frações da beleza da catarse e beber em haustos aulas de práticas cidadãs.
É comum ouvir dos frequentadores da Casa Amarela, que lá há uma aura mágica que se instala quando os eventos são iniciados, você também sente isso? Como explicá-la?
EF: Creio que tudo isso é mais sensorial, intuitivo. Não dá, portanto, para explicar ou justificar em palavras. O “ficar nu” diante das possibilidades propiciadas pelo êxtase artístico talvez seja uma resposta viável. Mas desconfio que isso tem a ver também com outras situações, esse lance de basear-se naturalmetne nos princípios da cultura da paz, do sorriso extravagante, da não politização e não capitalização do ambiente, que faz com o espaço fique mais arejado, sei lá! Talvez seja tudo isso. Ou simplesmente porque a Poesia pra mim (pra nós) é também um ímpeto sagrado, na qual comungamos com o mesmo prazer. Ou, mais modestametne falando, talvez seja porque simplesmente o lugar que, por diversos caminhos e circusntâncias, junta as pessoas certas no momento certo. Ou talvez nem seja isso e a resposta seja um mistério. E os mistérios ajudam a alimentar o mito, o suspense, o exercício da futurologia.
Quem é Escobar Franelas?
EF: Um personagem em busca de um autor.


(postagem original em http://nanquin.blogspot.com.br/2015/11/entrevista-com-escobar-franelas.html)
 

24.10.15

Entrevista: MAHIRIRI OSSUKA (Literatura) - Moçambique

Mahiriri Ossuka, em foto do arquivo do Bar do Escritor (http://bardoescritor.blogspot.com.br/) 

Diferentes igualmente (Mahiriri Ossuka)

Pintarei um quadro do tempo
cujos segundos piscam ao século, 
assim serão criadas as oportunidades
de mudança e continuidade,
aprendizagem e correctividade.

Pintarei um quadro do tempo
cuja orientação é para esquerda,
o sol levantará e deitará contrário
quem sabe se busque na história 
o princípio da origem das coisas,
como se define “correcto” e “errado”.

Pintarei um quadro do tempo,
cujas partidas indeterminantes
rompem com patri e matri-ismos,
desconstroem práticas tradicionais,
que alimentam deturpadas culturas
de saber-se o que se sabe e não se aprende,
e de ser-se como se é, mas não se explica.

Quem primeiro me falou do escritor moçambicano Mahiriri Ossuka foi o paulistaníssimo Paulinho Dhi Andrade. Curioso que sou, fui atrás de informações sobre ele. Em tempos de globalização via redes sociais, achei-o até com certa facilidade. Após uma apresentação e um convite iniciais, iniciamos um bate-papo mais formal (que reproduzo aqui). 
Mahiriri Ossuka conhece o Brasil por meio da literatura e também por que já esteve aqui em 2014 (quando o Paulinho o conheceu). Aqui ele se mostra lúcido, objetivo e cristalino, como o Índico que banha as costas de sua Moz natal. 
Descubra-o também:

1) Quem é Mahiriri Ossuka?
Um caçador de factos que vive pelas matas do amanhecer e anoitecer intrínseco. Caminhante de pés descalços em causas de combate único de busca de histórias e verdades nuas. Por vezes me perco nas matas e demoro de voltar a civilização humana.
Até encontrar outros caçadores que buscam o sangue dos caçadores de liberdade. Com eles e elas sim, volto a civilização de poucos humanos.

2) Quanto anos têm, qual sua formação, o que faz, o que sonha fazer?
Normalmente não me identifico com alguma formação.

3) Quanto anos têm, o que faz, o que sonha fazer? (Por favor leve em conta que seu depoimento será lido por brasileiros que ainda não o conhecem...).
Tenho 31 anos. Trabalho como ativista para o fortalecimento da sociedade civil de causas moçambicanas e de temas de interesse global com impactos locais. Um dia sonho especializar-me várias áreas. Uma delas é a Antropologia Visual.

4) Já esteve no Brasil? Onde esteve? Quais os estados que visitou? Que impressões guardou da viagem?
Visitei o Brasil infelizmente por muito curto tempo. Belo Horizonte, Pirenópolis, Brasilia e São Paulo.
A particularidade primária que notei é o aconchego entre amigos e familiares. Toda gente é da mesma família. Senti um respeito de opiniões nos debates e uma vontade de apoio mútuo. Oxalá que não tenha sido uma impressão só daquele momento, porque quero ainda voltar.

5) E São Paulo? Que memórias guarda da estadia em S. Paulo?
Um bom momento de interagir com outros poetas e poetisas. Também fui acolhido muito bem por lá. Conheci um coração que secretamente contemplo a lembrança de um dia voltar a cruzar o olhar.
Boa gente.

6) Como foi estar com o escritor Paulinho Dhi Andrade?
Foi bom ter encontrado com o poeta Paulinho Dhi Andrade e também tive a honra da visita do Poeta Athadar (Odair) que chegou da Andrelândia.
Junto com o Poeta Cel Bentin fomos ao Sarau organizado pela Mariana Portela. Um momento para uma boa poesia e música acústica.
A visita à familiar Dauria, a convite da poetisa Valéria Brasil foi uma marca que nos acompanhou.
A família Ligia e Ismael Goes nos convidaram para muitas sessões de conversa onde interagimos com a grande poetisa Maria Claudina com a qual até agora interajo os nossos traços históricos.
Bons momentos.

7) Tem trabalhos publicados?
Já publiquei em 2 antologias e em blog e Facebook. 1 antologia foi em 2012, em Moçambique, Dançando Últimas Luas. A 2ª foi do Bar de Escritor em 2014 no Brasil, a Quinta Barnasiana.
No blog foi em ossuka.blogspot.com e no facebook.com/mahiriri.ossuka

8) Como considera a arte moçambicana feita nos dias de hoje?
É diversificada em geral. Mas infelizmente já sofreu bastante fusão com outras artes oriundas de outros países Africanos como a Kenia, Tanzânia, Mali e Nigéria. Porém, há outras expressões artísticas que procuram a seu grito manter-se como são o caso de algumas danças tradicionais. Mas mesmo assim, quem já conhece o conceito original destas expressões artísticas já sabe que há adaptações sofridas com a modernização. Isso me entristece porque o sentido de proteção ao que é original e indígena já ficou para traz e tendem os citadinos e citadinas a pejorar o que é nosso.
Outra das razões dessa pejoração do que é nosso, tradicional e artístico é a potente globalização e forte inclinação para agradar o ocidente. É uma questão de classe e estatuto social partilhará entre acadêmicos, ricos e corruptos culturais. Uma putaquiparisse total!

9) Mas essa fusão com outras linguagens, expressões e culturas não seria o normal, já que toda arte acaba representando o dinamismo da sociedade no seu tempo e espaço?
Uma coisa é interação ou intercâmbios culturais. Outra é mesmo alteração de praticais tradicionais para acomodar novos padrões tidos como melhores apenas para agradar ou para fazer parte do ocidente. É isso é considerado como ascensão. Eu felizmente acredito nos ventos, nos embondeiros (baobab), nas danças que curam, e nas tatuagens que purificam. Aqui a expressão artística é uma impressão de recados dos nossos antepassados que comunicam-se connosco nos sonhos e nos batuques ou simplesmente nos cânticos dos pássaros raros. Por vezes em chuvas ou secas. Os outros procuram apagar o lado dos sanificados das nossas práticas para uma mera decoração.

10) Quais seus autores preferidos?
Meus autores preferidos são o povo das aldeias onde com eles aprendo as suas escritas em vidas reais. Publicações involuntárias de uma alegria em cima de problemas acusados pelo sistema é ciclicamente lançadas as culpas a este mesmo povo vítima de uma putaquiparisse do sistema.
Quis dizer: Meus autores preferidos são o povo das aldeias onde com eles aprendo as suas escritas em vidas reais. Publicações involuntárias de uma alegria em cima de problemas causados pelo sistema e ainda assim ciclicamente lançadas as culpas a este mesmo povo vítima de uma putaquiparisse de interesses econômico-políticos.

11) E o que falta para que pessoas como eu possam acessar as suas obras?
Um processo lento está em curso para edição da próxima obra. Pretendo que seja uma colectânea de contos e um romance. 
Por enquanto de vez em quando público no blog ossuka.blogspot.com e no facebook/Mahiriri.ossuka para atualizar os amigos e as amigas que me acompanham.
Penso que em um ano já podemos falar daquelas duas obras.

12) Tem alguma pergunta que não fiz mas você gostaria que tivesse feito? Se tiver, por favor, formule-a e depois a responda, ok? Obrigado.
Não necessariamente irmão. Obrigado.



Amantemente Distante (Mahiriri Ossuka)

Refuto receber esse teu amor,
marcado por perseguições,
com máscaras lindas de flor,
inalando fingidas apreciações,
do meu ser,
do meu carácter,
do meu intelecto.

Refuto aceitar essa tua ira escondida,
nas entrelinhas do teu remorso,
oculto por via sombria e destemida,
e de amor se vê este percurso,
de teu prazer,
de teu entreter,
em sentir o tacto.

Recuso, desdenho toda ela,
a tua glória de memórias,
fundadas numa apenas tela,
encurtadas tantas histórias,
de um viver,
de um conhecer,
amor de facto.

Estrangulo o que sinto,
ainda que me tenhas prometido,
o que quer que ostento,
ter falta ou tenha antes perdido,
um amanhecer,
de bem querer,
sentir o olfato.


Coletânea brasileira do qual o escritor moçambicano participou em 2014
mais informações sobre Mahiriri Ossuka:
http://ossuka.blogspot.com.br/
http://bardoescritor.blogspot.com.br/2014/02/entrevista-com-mahiriri-ossuka-primeiro.html






5.10.15

Um textículo: "The End"





THE END

Estava tão absorto em entender o filme que só depois dos créditos é que se deu conta de que não tinha visto o final.

3.10.15

Um poemeu: "Se(n)da"




É fina textura 
tessitura plástica
lagarta antes da borboleta


prática irresoluta

de natural desenvoltura.



É fenda e é abismo
do consórcio das sensações
borboleta depois da lagarta
que traga o ar que se farta
de entreter os corações.

É esse sentimento
que invade o interior
do cérebro e da pele
e tece a tênue teia
da beleza do amor.

Nesse vasto labirinto
da lagarta em formação
vai-se do claustro limbo
para a borboleta em ação
(a beleza do paraíso)

19.9.15

7ª Semana Literária da EMEF Pres. Epitácio Pessoa




Atendendo a um convite da profª Maria Albina Magera, com a intermediação sempre positiva de Sacha Arcanjo, eu e o poeta Akira Yamasaki participamos nesta terça, dia 15 de setembro, da segunda noite da 7ª Semana Literária da EMEF Pres. Epitácio Pessoa. Foi um evento muito bacana.
Alunos do EJA (Educação de Jovens e Adultos) ouviram atentos e interagiram com a gente. Destaque-se a participação de Emanoel, Erivan, Taiane e Fabiana, que trouxeram questões interessantes para o debate, tiraram dúvidas, leram poemas em nossa companhia, proporcionando uma agradabilíssima noite de celebração da arte e da cultura.
A Semana Literária teve outros convidados, como José Roberto Torero, Moreira de Acopiara, Carlos Davissara e Pedro Monteiro, além de um elenco de atividades interativas com os alunos, como declamações, dramatizações, leituras coletivas, conferências virtuais, apresentações musicais, coral em libras, exposições e uma persuasiva "leitura ao pé da árvore".







fotos: Akira Yamasaki e Maria Albina Magera
texto: Escobar Franelas

14.9.15

XXV Cantoria de São Gabriel - Pequeno diário do tributo a Sacha Arcanjo







Sexta-feira, 4 de setembro. Às 6 e pouco da manhã levanto voo em Guarulhos, SP. Destino: Salvador, BA. Chego cedo, perambulo pela velha São Salvador e às 13:05 pego ônibus para Irecê, onde chego às 21:15. André Marques, Célia Cabelo e Sacha Arcanjo me recepcionam. Embarcamos no carro de André e menos de 20 minutos depois chegamos em São Gabriel. Estou exausto, com sono, mesmo assim interajo, tomo banho, respondo perguntas, como, me farto, troco ideias e impressões. Da casa de Maria (prima de Sacha que nos acolhe - junto com sua linda família - num carinho difícil de descrever aqui), ouço a música da XXV Cantoria de São Gabriel, invadindo meus pensamentos, minhas intenções, minhas sensações. Bom demais estar aqui... saio com o povo, chego a tempo de ver&ouvir as três músicas finais de Welton Gabriel, todo o show de Adão Negro, daí perco forças, não consigo esperar para ver no palco Gerri Cunha, desisto, vou dormir
Sábado pela manhã: horas de internet lenta e no celular do Sacha (meu TIM não serve pra nada nesses rincões de céu azul puro), tudo porque preciso mudar a data do meu voo de volta para São Paulo. Depois de longa espera, paciência zen-nordestina sendo elevada à enésima potência, enfim fecho essas pendengas, tudo resolvido: resta a tarde para iniciar o périplo, afinal, estou ávido para conhecer à luz do sol o chão mítico que viu e sentiu os passos de Sacha em sua infância e juventude. Sonhava conhecer São Gabriel desde que conheci o seu filho mais famoso, em 1998. Por isso a minha cara assombrada e curiosa quando saímos por volta do meio-dia para o ensaio já programado. Antes, porém, uma parada providencial para um almoço meio costelada/meio feijoada. A culinária, definitivamente, é uma excelente porta de entrada quando se quer receber bem alguém em algum lugar. Pelo cheiro e pelo sabor, ambos diplomáticos com esse e outros forasteiros à mesa, tenho certeza de que estou (estamos) sendo bem acolhidos. Depois, sol, muito sol!... e música pelo restante da tarde, entrando pela noite. Volto pra casa de Maria, com toda a família dando uma atenção que até me constrange. Banho tomado, estômago forrado, André vai vem nos buscar: eu, Sacha e Célia. A Cantoria já está em seus primeiros acordes quando chegamos, já noitinha na cidade que respira poesia e música neste fim de semana. Fico apreciando Danielle Bonfim, que mistura talento, carisma e beleza com a mesma proporção.  Depois vem o filho da terra. Sacha Arcanjo, justamente homenageado nestas bodas de prata da festa, entra no palco por volta da meia-noite. É ovacionado. O show vai até as tantas, com uma fugaz participação minha, a presença sempre marcante de André Marques e a participação especialíssima de sua sobrinha, Gabriela Gomes. Depois vem Raimundo Sodré (um showman que merece uma resenha exclusiva) e a Banda Flor de Barriguda faz as honras finais. Lá pelas tantas, creio que 4 e meia ou 5 da matina, a festa acaba mas não acaba. Todos os que resistem vão para a praça aguardar o início da  feira para comer pastel.  O povo, principalmente a molecada, estão todos dispostos. Então... tome-lhe cantoria! O violão, a percussão, as palmas, nada para, numa rodinha cantam, noutra puxam poemas, e em outras, conta-se piadas, faz-se fofocas, o flerte corre à solta. O Woodstock da Chapada é um tributo à vida. Volto para casa por volta das 7 e meia da manhã. Em estado de sublimação.
Domingo pela manhã: cama. Tarde: o pós-almoço é um circuladô pela cidade, conhecer gente conterrânea, apertar mãos e abraçar no atacado. Sacha me apresenta pessoas e lugares, passamos por ruelas, praças, vielas. Encontramos em todo lugar gente estrangeira, ancorada em São Gabriel, na fervilhança da cantoria. Cantoria, aliás, que promove encontros, oficinas e outros quetais enquanto não rolam os shows à noite. Paramos na praça em frente à Prefeitura, onde fanfarras juvenis se apresentam. Calor infernal de tão quente no inverno. Mesmo assim as ruas estão cheias. Saímos a passear, vamos ver a área rural, plantas, pequenos animais, céu aberto. Me deleito com a paisagem que é reta na linha do horizonte. Ainda bem que levei a filmadora comigo, faço imagens, eternizo tudo com paixão adolescente. Voltamos. Praças cheias, muita gente nas ruas, hora de tomar banho e voltar para a última noite da Cantoria: Francisco Gui, Cátia de França, Genésio Tocantins e Chico Lobo, só feras: me enlevo, embebedo, tomo banhos dionisíacos, homéricos, embasbacantes da fartura e música e violão inconfundíveis. 
Não fosse a necessidade de voltar à realidade, nunca mais sairia dali, daquele lugar, daquele momento.
A XXV Cantoria de São Gabriel homenageava Sacha Arcanjo. quando ele me convidou para estar com ele nesse momento delirante da vida dele, talvez não soubesse, mas foi este reles escrevinhador que foi levado ao delírio.
Segunda cedinho, 6 da manhã: o celular desperta na casa de André Marques, em Irecê. Acordo, me arrumo, ele me chama, tira o carro da garagem, rumamos para a rodoviária, compro minha passagem, tomamos um café basicão, o ônibus chega, abraço meu mais novo irmão, nos despedimos. Zarpo daquele lugar trazendo uma saudade gorda. E a certeza de que vou voltar.

22.8.15

Cine-debate no CCA Paschoal Bianco: filme "Linha de Passe"

Assista o filme 


Assista o trailer

Convidado pelo meu bróder Roberto Maty, ontem à noite pude discorrer sobre o filme Linha de Passe com pais de crianças e adolescentes atendidos no CCA (Centro de Criança e Adolescente) Padre Paschoal Bianco, na Vila Califórnia, no vértice entre São Paulo, São Caetano e Santo André. O público - majoritariamente de mães - assistiu atento ao filme e depois pudemos trocar impressões e tirar algumas sugestões sobre questões que permeiam nosso tempo, nossa cidade e nossa condição social.
"Linha de Passe" é um filme de 2008, dirigido por Walter Salles e Daniela Thomas, com roteiro dos mesmos e mais Bráulio Mantovani. O resumo da ópera é sobre uma mãe que luta para criar sozinha quatro filhos meninos, com idades e pais variados. Um quer ser jogador de futebol, outro é motoboy e outro é evangélico fervoroso. O caçula é criança ainda, e quem oferece alguns poucos momentos cômicos do filme. Não bastasse as complexidades do cotidiano, a mulher está grávida novamente, acentuando ainda mais as contradições da vida de todos.
Sandra Corveloni ganhou o prêmio de melhor atriz do Festival de Cannes pela interpretação de Cleuza, a mãe.
Com Vinícius de Oliveira, João Baldasserini, José Geraldo Rodrigues, Kaíque Jesus Santos e Sandra Corveloni.
Brasil, 2008, 98´

14.8.15

Pequenos processos, grandes progressos (ou, aprendendo jornalismo na prática)

Noite de festa eclética na Augusta

cobertura por Coletivo Ounão: texto por Escobar Franelas | Fotos por Fernando Antunes

22:45h de uma noite tranquila e amena. Terça-feira, 22 de março, rua Augusta, Studio SP, centrão de Sampalândia. A banda Do Amor, do Rio de Janeiro, sobe ao palco, abrindo mais uma noite do Cedo e Sentado Fora do Eixo, projeto mantido em parceria com a casa.
Após a canja inicial do dj Barata, que uniu em seu set-list vários elementos musicais, a Do Amor (Gabriel Bubu (guita/voz), Gustavo Benjão (guita/voz), Marcello Calado (batera/voz) e Ricardo Dias Gomes (baixo/voz), atacou com Babydoll de Nylon, música irreverente e que deixa bem clara a proposta musical do quarteto, que é fazer um rock´n´roll brazuca despretensioso, unindo as várias possibilidades e texturas no terreno das músicas populares praticadas nesses Brasis. Egressos de grupos distintos como o Cê (que acompanha Caetano Veloso), Los Hermanos e também Lucas Santana, os músicos se dividem ao microfone, sem perder a consistência e coesão que norteiam suas apresentações.
Pausa para novas intervenções do dj da casa, e aí entrou o power trio Nevilton, do Paraná, com o próprio na guitarra e voz, Lobão no baixo, e Chapolla na bateria, exatamente no primeiro minuto da madrugada. Banda catártica que em alguns momentos lembrou-me os gaúchos Replicantes (anos 80), dominou o palco com seu rock sincero, curto, certeiro e grosso. Com uma presença de palco marcante e visceral, os músicos mantiveram o público em inquietude natural durante sua hora de show.
Nova pausa, idas ao banheiro, bar e xavecos à solta, e então, faltando quinze pras duas, com a quase bem mais lotada, a rapper Flora Matos, de Brasília, tomou o palco para si, acompanhada de das vozes maviosas de Karol Koncá e Karol de Souza e do dj LX.
Sexy e insinuante, moderna e antenada, a menina-moça-mulher, flor em seus 22 anos, com domínio sossegado de sua platéia, com a qual divide suas letras cheias de sutilezas que adoçam seus raps pop-românticos. No fim, ela lançou oficialmente o clipe de “Pretin”, ótima música de sucesso garantido.