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26.2.14

3 haiquase (poemínimos)



sereia
o canto da sereia olvida em mim
timpaneia um acordo
fazer uma canção sem fim.



pomba gira
helicóptero no céu
pomba atropelada
imitação de libélula


a obra
 embora
você já seja um poema em Pessoa,
reescrevo, recrio todo dia
 

25.2.14

3 haicaos



poema quadrado
dói aquela aquarela
onde paira um adeus.
flor à janela



prece de sol e chuva
 regai-nos
um e outro
amém


haicaetano
  um gil pouca coisa mais nervoso
baiano veloz
mano zeloso
 

18.2.14

Resenha: Língua Crônica (Fernanda de Aragão)




Ferina. Fernanda de Aragão, que tem sobrenome que remete a certa tradição lusa, lançou um livro ferino e lírico, feroz e livre, fumegante e líquido: “Língua Crônica”.
O título não mente. Ms. Aragão sabe o que fala, é vivaz e inspirada enquanto artista (no caso, aqui, das letras), e sabe burilar com coerência e coesão os signos da língua de Camões e Pessoa. Com maestria.
A obra, que recebeu o prêmio Mulheres Cronistas, em 2009, pela UBE-Rio, é a estréia da escritora. E ela, nunca comedida, entra em campo fazendo um gol de letra (não pretendi nenhum trocadilho, que fique claro!).
E se antes determinei que Aragão é ferina e outros adjetivos, agora encontro um termo mais condizente: voraz. Pois se entendemos por voracidade a vontade de permanecer na rinha quando assim for preciso, as crônicas (crônicas-quase-contos) da autora sugerem essa gana pela vida e pela permanência da arte. No belo Ninhos Virtuais, por exemplo, ela responde a algum entrevero surgido no território internet: “Por isso, mocinho, caso não queira mais ser confundido com a massa, tome este conselho de se identificar com nome e sobrenome, ou com o apelido de sempre, para as coisas ficarem mais fáceis” (p. 33,34). Primeiro prepara a artilharia, depois fuzila: “Daí sim, depois de ter dado nome aos bois, você terá toda a liberdade de juntar a sabedoria dos mais velhos com a cultura internetês dos mais jovens e colocar a sua frase do momento” (p. 34). Sua flecha é certeira, inflexível, retilínea, não titubeia. Ri ferindo. Quiçá matando.
Disposta a usar o signo linguístico como gládio, ela cerra os punhos: “É como se pudesse fazer mais, e ignorasse, e pertencesse ao conjunto de toda uma gente que empunha armas contra sua própria imagem”, sentencia ela no crônico “Todo Instante” (p. 71).
Contudo, também reconhecemos nela a fina marcenaria, o entalhe perfeito da arte trabalhada com esmero, da palavra colocada com exatidão no díptico forma e conteúdo. Assim, ela acentua a sanha guerreira ao mesmo tempo em que reforça o lirismo. “Promessas Vãs” traz esse encontro entre a asseveração filosófica e o adorno artístico: “eu queria ter outras mil razões para te fazer um hiato e colocar-te à beira da beira da loucura do que dizes e fazes, contrapostos” (p. 102).
Mas outros traços ajudam a revelar a personalização cristalina de “Língua Crônica”. Um dos mais marcantes, seguramente é a comicidade, que em “Meu Querido Caipirês”, adquire estatuto de definitivo: “Que me desculpe o bom literato, mas eu vou pinchar fora o português culto, meu inglês curto e ficar mesmo com o bom e velho caipirês” (p. 93). A aliteração aqui, avança pelo belo caminho da sutileza, em que o desdém esparrama e assevera linhas depois, “que me desculpe a certeza das palavras, mas eu só quero é prosear” (p. 94).
Fazendo e desfazendo roteiros de artifícios/exercícios que resumem as várias potências semânticas, sintáticas e morfológicas por onde ela transita, Fernanda de Aragão fascina e seduz. Mais que isso, revela, nesta “Língua Crônica”, que a prosa brasileira atual renova-se. E vai muito bem, obrigado! Mais que menina prodígio (que de fato é), Fernanda indica caminhos. Quem segui-la, com certeza há de venturar-se.



Aragão, Fernanda de. Língua Crônica. SP: Letra Corrida, 2010


Fernanda na 1ª Feira Literária do Centro Cultural da Juventude, SP, 2013. Abraçada pelo poeta Mano Cákis (foto EF)
Diz-quetes, projeto de Fernanda que transforma os antigos discos de computador em expositor de sintéticas poesias (foto EF)

 

10.2.14

Entrevista: Adriane Garcia (Poesia) - MG

Adriane Garcia retratado por Jade, artista plástica de 13 anos (arquivo pessoal Facebook)

"Adriane Garcia, poeta com a marca da investigação, diz “sou aquilo de que não abro mão e mais aquilo que vou modificando em mim”. Inquieta, profunda, lírica e filosófica, a menina que virou moça que virou mulher nunca perdeu sua essência: a poesia. Que sempre foi o seu norte. Mesmo quando esteve longe das letras.
Foi no Facebook que a achei e passei a admira-la. Mais: passei a segui-la. E como todo fã intransigente, fui me aproximando devagar devagarinho, até que consegui ganhar um olá. Depois disso, cerquei-a até ganhar as respostas para as novas questões que trago aqui.
Com vocês, uma poeta com a distinção de mestra: Adriane Garcia!"


1) Quem é Adriane Garcia?
Resposta: Uau! Que pergunta! Adoro! A gente não é. Tanto que agora eu falo quem sou (na verdade,  estou) e Lá na frente, se vou ler as entrevistas penso:  "devia ter respondido outra coisa" (risos). É que aí já sou outra, que responderia de outra forma. Claro que há valores, coisas que não estamos dispostos ou não podemos rever, por vários motivos, e isso nos forma e dá uma noção de alguma permanência. Então eu diria que eu sou aquilo de que não abro mão e mais aquilo que vou modificando em mim. Sou o rio e os meus peixes.

2) "Ser o rio e os próprios peixes" remete à ideia do criador que sabe que suas criações são os filhos cedidos ao mundo. Desde quando você gera a arte poética?
Aprendi a ler e escrever muito cedo. Fui uma criança leitora e sempre gostei muito de ouvir música, principalmente MPB. Na pré-adolescência comecei a compor letra de música, que cantava para mim mesma ou para minha única plateia, minha mãe, ocupadíssima (hoje vejo o quanto lhe enchi a paciência). Depois comecei a compor aqueles cadernos de versos, misturava coisas minhas com poemas que copiava, dos autores que eu ia conhecendo da biblioteca da escola. Mas não mostrava, nunca. Exceto para minha mãe.
Os primeiros trabalhos meus de escrita que levei a público, na verdade, foram de dramaturgia. Tinha um grupo de teatro que encenava as peças que eu escrevia. Íamos para festivais estudantis. Mas isso eu já estava com 30 anos. A poesia eu continuava escrevendo. Era coisa muito minha. Em 2010, quis investir nela, investigá-la e, por isso, comecei uma oficina literária com o escritor gaúcho Paulo Bentancur.
Lá fiz essa investigação, com a ajuda dele, e comecei a ver onde ela cantava, onde afinava, onde desafinava. A poesia foi um processo de autoconhecimento; a oficina foi um processo de investigação sobre a própria poesia. E aí resolvi organizar os livros, mostrar os poemas, enviar para editoras a fim de publicar os livros. E Líria Porto me trouxe para o Facebook.
Sim, os poemas, meus peixes.

3) Quem foram os "mestres" nessa caminhada?
Os mestres foram minha mãe, a própria vida com tudo que a vida traz de dor e alegria, os livros todos que li, os amigos com quem me encontrei, as pessoas que foram o modelo daquilo que não quero ser/estar.

4) O que é arte? O que é poesia?
Bom, vou responder o que é para mim, pois não sou uma intelectual, sou uma poeta. Arte é uma transcendência criativa de transformação da realidade, a realidade sentida como tal, uma reinvenção para dar novo sentido e, nesse sentido, uma rebeldia, uma não aceitação da realidade vivida. 
Poesia é o poder de traduzir em palavras um olhar transcendente e iluminador sobre a vida, utilizando para isso recursos próprios dessa linguagem, que são aqueles que vão diferenciá-la dos outros gêneros da literatura. Mas se ela não tiver nada de transcendente, nem de iluminador, então não adianta utilizar a técnica. Para mim ela é uma poesia morta, abortada, não chegou a ser.

5) Quem você mais gosta de ler, assistir, ouvir, apreciar?
O que eu mais gosto de ler é filosofia: Bertrand Russell, Spinoza, Nitzsche, Hannah Arendt. De ficção, Katherine Mansfield (Contos) é o livro que mais releio, atualmente. Gostaria de alcançar nos contos uma voz que nunca grita, mas que sempre é expressiva. Acho lindo isso em Katherine. Poesia, ando relendo o Drummond todo e procurando ler os contemporâneos meus, mas é pouco tempo. Leio os poetas que publicam no Facebook e em blogs. Tem muito poeta espetacular na rede. De ouvir, continuo fã de MPB, jazz, blues, tenho ouvido bons rappers brasileiros, uma experiência nova pra mim, uma meninada poeta. Na verdade, sou muito eclética. Assistir tenho assistido pouco. Já fui mais cinéfila do que agora. Quando fico em frente ao vídeo é para ver palestras do filósofo Clóvis de Barros. Aprecio teatro e dança, muito. Sempre que posso vejo algo muito bom.

6) Do que você tem visto em blogues, redes sociais e outros sítios virtuais,  tem alguém que você considera relevante citar, ajudar a proclamar?
É sempre complicado fazer isso, não é? Tem gente talentosa que a gente acaba esquecendo de citar. Outro dia dei uma entrevista para o Cândido e citei uns ótimos poetas que publicam na web. Passado um dia me lembrei de outros e de minha omissão. E mais, passados alguns dias você descobre outros que não poderia ter citado por desconhecimento.
Então não vou falar os muito bons porque são muitos, vou falar os que me impressionam: Líria Porto (pela versatilidade com os temas, grande produção de qualidade e irreverência); Alberto Lins Caldas (pelo vigor, pela forma, pela originalidade); Alberto Bresciani (pela sofisticação de sua póetica, a maneira como lida com as sombras); Wander Porto (originalidade de forma, musicalidade); Nanda Prietto (força e temática original); Pat Lau (há um silêncio na poesia dela, nada de desperdício, impressiona); Concha Rousia (estou conhecendo agora e já encantada); Akira Yamasaki (Tem poemas humaníssimos); Seh M Pereira (inova na forma, tem conteúdo)... Ah, é terrível citar assim, são muitos, já me lembrei que poderia citar muitos mais,o Seh M. Pereira e o Domingos Barroso, por exemplo.
Vocês entrevistadores não deveriam fazer essa pergunta.

7) Ferreira Gullar fala sempre que sua poesia nasce do espanto. Como nasce o que você escreve, Adriane?
Da falta.

8) Você tem obras impressas publicadas. E no ambiente internet, onde seus trabalhos podem ser encontrados?
Tenho o “Fábulas para adulto perder o sono”, publicado pela Biblioteca Pública do Paraná, mas é uma edição não comercial, então não há como
as pessoas adquirirem livremente. Foram mil exemplares para
distribuição em escolas públicas do país.
Tenho um blog onde resenhava os livros que lia, mas com a falta de tempo acabei deixando sem atualizar: adrianegarcialiteratura.blogspot.com.br e um site em que nem mexi ainda: adrianegarcia.com.br. Há trabalhos meus no www.escritorassuicidas.com.br e no blocosonline.com.br da Leila Míccolis. Onde mais posto é no meu mural do Facebook. Tenho mais cinco livros, três de poemas, dois de contos, mas são todos inéditos.

9) Tem alguma pergunta que você gostaria que eu tivesse formulado? Se sim, por favor, faça-a e depois a responda. Obrigado.
Oh, querido. Não. Suas perguntas foram ótimas. Até a que eu disse que entrevistadores não deveriam fazer. Claro que era retórica, brincadeira. Aliás, hoje me lembrei de mais um que publica na internet e que é incrível (não disse que sempre deixamos alguém para trás?): Carlos Moreira. A coisa não tem fim. Gostei demais de responder às perguntas. Esse exercício acaba fazendo a gente se conhecer mais um tanto. Não fossem as perguntas, nós mesmos não saberíamos as respostas que damos, não é?  Agradeço demais o carinho, a atenção, a disponibilidade de me entrevistar. Um grande abraço e minha gratidão.


Poemas de Adriane Garcia
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"O pranto em que comeram"
Tantos já se alimentaram
De mim
Que eu já não poderia separar
O que é sêmen de saliva

"O urso"
Entro na caverna
Acordo meu poema
Que hiberna.

"Pietás"
Dos olhos dos poetas
Lágrimas regam o mundo.

"Adão e Eva"
Quando, assexuado
Deus criou
A volúpia
Sentiu um
Estremecimento
E em torno de um sol
Nasceram os gametas.

As letras e o sorriso: duas formas de contágio de A. Garcia (foto de Carlos Magno - arquivo Facebook)