Pesquisar este blog

29.3.13

Apresentação do livro O Lobisomem da Av. São João (Costa Senna)



“O LOBISOMEM DA AV. SÃO JOÃO”- COSTA SENNA


Apresentação
 O Lobisomem da Avenida São João, do cordelista, ator, cantor e músico Costa Senna, é sua primeira incursão pelo universo da prosa fictícia.
E que estréia! Depois de vários livros dedicados ao cordel, a explicar o raulseixismo e outras viagens poéticas, o Poeta (como também é conhecido), motivado pela sua rica experiência de décadas vivendo em São Paulo, descortinou, através desta nova obra, os vãos da grande metrópole. Para isso, personalizou-se em Jano, um cidadão de vida simples, mas que o acaso fez com que se encontrasse com um tipo muito incomum para uma cidade: um lobisomem. No entanto, contrariando a lógica cartesiana da sociedade, selam amizade. A partir desse ato, desencadeia-se profunda transformação na vida de ambos.
Tramado sabe-se lá por quais forças que regem a vida, um mesmo brinde é erguido à bênção da fraternidade e à maldição dos condenados, dos que vivem à sombra, sem qualquer possibilidade de diálogo com o mundo dito normal.
O Lobisomem da Avenida São João apresenta outros recursos encantatórios, mais sutis e complexos: a Pauliceia fica toda exposta, com seus artelhos e artérias de aço, os nervos de plástico, a pele de granito e vidro, sua alma de fumaça. Tudo fica exposto, pontilhado por uma gradação noir, numa atmosfera de (sur)realismo fantástico tupiniquim. O coloquialismo vibrátil, as variações semânticas e a sensação de thriller cinematográfico do enredo, são alguns dos outros achados que o livro oferece. Recordando o escritor português Fernando Namora1, Costa Senna recrudesce a teia de emaranhados fictícios, “juntando os elementos estruturais típicos à crônica do viver diário, abrindo o campo semântico às experimentações do homem que sonha, ao mesmo tempo em que lê uma realidade”.
Nesse redemoinho, afinal, quem está sonhando? Jano, com o lobisomem? Ou nós, que assistimos às suas histórias? Não sabemos se estamos imersos no pesadelo, ou se é apenas o pesadelo dos outros.
Assim, o Poeta acena com infinitas afinidades para a interpretação o mundo irreal, fantástico. Usa prosa fluente para nos levar numa longa peregrinação em torno da grande metrópole que é Sampa, mas também poderia ser Nova Iorque, Londres, Paris ou Tóquio.
Em complemento, o que diferencia O Lobisomem da Avenida São João em sua essência, dentro do liquidificador literário de Costa Senna é a observação arguta dos diversos ângulos que lêem o social. Pois sabemos que uma mesma realidade se apresenta ora antagônica, ora complementar, dúbia na maioria das vezes, dentro do complexo tecido tramado para aqueles que a vivem. Incrivelmente, é disso que sempre esquecemos.
Distante, “muito distante”, mas próximo, “muito próximo”, da tradição do mundo fantástico de um Cortázar, Rubião, e J. J. Veiga, Costa Senna revela-se herdeiro mas apresenta-se com dotes próprios. Perscruta, apropria-se, mostra conhecimento, desenvoltura e desvelo, urbano e humano.
Circunstâncias naturais de sua vida levaram-no ainda criança para o interior do Ceará. Lá, viveu parte de sua juventude entre cantadores de viola, emboladores, cordelistas, contadores de histórias etc. Toda essa gente embasou o diamante que urdia em ser lapidado. Depois veio a contracultura, a descoberta de infinitas possibilidades estéticas que, aliadas à brasilidade, renderam múltiplos elementos que desde então estão sendo trabalhados arduamente pelo múltiplo artista, que agora engloba também o romancista.
A leitura d´O Lobisomem da Avenida São João é um prazer auspicioso, um cálice de vinho de boa safra que Costa Senna nos oferece. Devemos, então frui-lo com prazer, pois é a isso que se oferece.

Escobar Franelas

(1) Fernando Namora, em Um Sino na Montanha, pag. 83.

25.3.13

Apresentação do livro Meu Milhão de Amigos (Costa Senna)

Faz "apenas" 15 anos que fiz esta apresentação para uma obra sensacional do grande cordelista brasileiro Costa Senna. Aliás, nessa obra fiz de tudo um pouco: além de apresentá-la, como faço agora ao publico internético, também ajudei na revisão e na digitação dos textos. É isso...




MEU MILHÃO DE AMIGOS
COSTA SENNA
Apresentação
A primeira vez que “vi” Costa Senna foi consultando ao acaso um pequeno tesouro bibliográfico – O Trem das Sete, vários autores, Col. Vox Populi, Nova Sampa editora, 1994 – publicado em papel-jornal com (anti?)ensaios e depoimentos em memória e a respeito dos cinco anos da morte de Raul Seixas. Lá, Senna dava depoimentos e tecia comentários sobre a catarse que regia o estado mental do criador de Maluco Beleza.
O sortilégio veio em seguida, quando vi Ria Até Cair de Costas, no qual ele dividia o palco com o genial músico Cacá Lopes, oportunidade em que o conheci. Menestrel noir ou entertainer mambembe, Senna corria o mundo fundindo literatura popular com a gestualidade dionisíaca, usando uma técnica inusitada e um carisma vibrante, com uso inovador de toda a universalidade possível ao gesto e à voz, responsáveis pela perfeita simbiose com seu público.
...
O autor-ator interage através da disposição musical de seus versos, estruturando elementos, fazendo uso do próprio corpo e, às vezes, até mesmo de um instrumento físico (quase sempre um violão), para nos fazer chegar à música. Cria, assim, dimensões fonéticas e estéticas que licenciam uma compreensão mais profunda de seu universo de tantas inquietações sociais e a ludicidade que nos obrigamos a buscar a cada momento, usando o sonhar como parâmetro. Todos hão de convir comigo e com o Poeta: sonhar é bom e necessário. Aliás, por que não dizer que, em certos aspectos, deveria ser obrigatório?
Neste Meu Milhão de Amigos, o autor se desprende de toda amarra verbal, renova as possibilidades tonais da métrica cordelista, com rimas ora simples (sem os pedantismos de uma falsa erudição), ora complexas, provocando uma fissura no legado da tradição, mas sempre indicando caminhos. Tudo dentro de uma musicalidade repleta de variações harmônicas e dissonâncias rítmicas:
Poeta Celso de Alencar
Não torne a vida vazia
Esqueça o futebol
Continue na poesia
Faça feijão com arroz
Isto é, trabalhe os dois
Numa só harmonia.
Mas não pensem os incautos de plantão que seus versos são compostos in albis. O autor de encontros como
(...) O mundo é do c( C )riador
A mente
que não criou
Viveu e
Morreu vazia. (...)
não poderia jamais estar amiúde no meio do caminho. E o estudo (canto) do p(P)oeta vai mais longe. Em
 (...) Toco, grito, canto, corro
Não morro mesmo
morrendo
Não fujo do
compromisso
E creio que vai ser isso:
Eu morro e sigo
vivendo. (...)
há uma decodificação mais vasta e abrangente, em que o diamante em estado bruto não chega a ser lapidado; antes abandona-se à dura realidade cotidiana, oferecendo-se como cadáver para ser dissecado em incursões metalingüísticas. O poema não é decupado até o extremo de si, para que dele, nós – receptadores em imanência parabólica de seu mundo – extraiamos toda a essência. A partir de então o devaneio permite manifestações tanto mais caudalosas quanto mais sutis, todas inerentes ao humano ser.
Costa Senna nasceu sob o sol tropical do Ceará. Foi soprado em diferentes direções, navegando por água, terra e ar. Conheceu pessoas, as mesmas que hoje ele exalta nesse nosso Meu Milhão de Amigos. Seu destino era alvo de Sagitário e foi assim que chegou às praias de cimento e vidro de São Paulo em 1990. Conheceu os tipos mais distintos, vislumbrou o mundo das chamadas minorias, desvendou os vãos da grande metrópole. Dessa miscigenação atenta ao humano nasceu este livro, uma celebração atenta àqueles que habitam seu mundo.
No ápice de seu processo criativo, Senna não para. Neste momento já está preparando O Lobisomem da Avenida São João, sua primeira investida no universo ficcional.
Seu olhar, cantar, dedilhar, seu sonhar; tudo novo. De novo!

22.3.13

Resenha - Livro: Território e Sociedade-Entrevista com Milton Santos



Um livro saboroso “Território e Sociedade – Entrevista com Milton Santos”, fruto de um diálogo de 10 horas com a professora e geógrafa Odette Seabra, a professora e socióloga Mônica de Carvalho e o historiador José Corrêa Leite; sintetiza o pensamento múltiplo do professor e geógrafo Milton Santos, ícone intelectual e ético que o Brasil legou ao mundo na segunda metade do século 20.
A longa interlocução, que ocupa as mais de 120 páginas do livro, abrange muitas (senão todas) áreas em que a fecunda curiosidade e pesquisa arguta de Milton Santos trouxeram para a luz. Antes, porém, recupera a biografia do entrevistado, onde ele refaz todo o percurso que traçou desde a infância, passando pela sua formação intelectual, aulas, estudos, viagens, exercício político, até o reconhecimento público por sua rica contribuição ao desenvolvimento dos estudos da Geografia, no Brasil e no mundo.
A primeira parte, “Território da Geografia”, é uma viagem crítica de questionamentos e respostas à geografia contemporânea, sua caminhada histórico-política e o legado dela para as outras áreas naturais. Nessa dialética, profeticamente ele preconizava no ano 2000 que “há uma crise interna nos Estados Unidos, porque houve o empobrecimento da sociedade” (p. 15). Nove anos depois, sabemos que essa desordem econômica sistêmica evoluiu para uma esquizofrenia frenética que resultou no violento desconcerto monetário de 2008. Sábia previsão.
Durante a conversa, Milton se detém durante muito tempo discorrendo sobre o tema “globalização”, um tema relevante mas mal apresentado pelas elites pensantes para ser mal interpretado por toda a sociedade. Assim, ele explica que “a retirada do Estado do processo de regulação da economia, dada como um benefício para a sociedade, está de fato, relacionada com a possibilidade de a empresa comandar a sociedade(...) como no Brasil, também com o apoio do Estado. Enquanto este faz o discurso geral audível por todos, o mercado é que regula e faz política, por meio de terceiros setores, ONGs subordinadas, empresas pseudo-sociais (sic) curiosamente elogiadas pelo Estado e até por certas igrejas”. (p.31)
No bojo de todo o reconhecimento geográfico que esboça, traz consigo os temas pertinentes à complementaridade do campo que explora. Assim, a natureza da ecologia, os fundamentos técnicos, a (dua)(riva)lidade campo vs. cidade, e o embate do trabalho do geógrafo contra a desfaçatez da sociedade contra o seu campo de pesquisa, tudo é motivo para sua análise perspicaz.
No segundo tópico da obra, “Território de Vida”, o geógrafo avança historicamente em sua formação e percurso, confrontando esse “seu caminho” com a história de sua atuação jornalística, acadêmica e pública, tanto no Brasil quanto no exterior, em um voo panorâmico sobre a capilaridade intelectual de seu tempo. Traz então um de vários pensamentos que testemunham uma síntese da produção (sua e de outros) quando diz “(...) Enquanto o governo dava sinais de apreciar a colaboração estrangeira na universidade, a própria universidade tinha dificuldades em aceitar essas novas decisões. Só recentemente a França se abriu à colaboração de permanente de professores estrangeiros. Eu fiquei sete anos(...)” (p. 106)
Diante de perguntas e questões formuladas pelos seus interlocutores com pertinência e capacidade, vemos então um Milton Santos em pleno vigor de sua capacidade criativa e dialógica, que nos assalta com um pensamento rico, amplo e debatedor; formador e informador, que, longe de celebrar-se apologicamente, antes, se questiona sempre, tergiversa, duvida de si e dos outros, mas, acima de tudo, permanece fiel a seus princípios questionadores que nortearam desde sempre sua visão local e universal.


TERRITÓRIO E SOCIEDADE – ENTREVISTA COM MILTON SANTOS – Odette Seabra, Mônica de Carvalho, José Corrêa Leite – SP: Ed. Fund. Perseu Abramo, 2000 (2ª ed. 2001), 128 p.

17.3.13

1ª Festa Literária do CCJ - Último dia (Diário de bordo)

A partir do momento em que me despedi do poeta Mano Cákis, na estação Guaianases, um filme longo e bem caracterizado passou pela minha memória. Finalizávamos ali, naquele momento, um tributo à vida, à arte do bem ser. A 1ª Feira Literária do Centro Cultural da Juventude (CCJ) Ruth Cardoso, tinha acabado. Mas os três eventos que protagonizamos desde sexta até hoje foi (é), antes de tudo, um start, uma mola de propulsão violenta, que nos alçou ao encontro de muita gente que desconhecíamos mas que, a partir de agora, tornam-se novos parceiros na produção e militância artística e cultural. Muitos ali eu já ouvira falar, e outros (inclusive o sempre bem humorado Cákis), eu já encontrara em algum sarau da vida. Agora somos todos manos, parceiros e, principalmente, amigos.
A festa, neste domingo, foi um evento atípico. Ao contrário dos outros dias, dessa vez nem a chuva tirou o brilho do encontro. E sequer afastou o público, que poderia ser maior - claro! - mas mesmo assim compareceu em bom número. O início, logo no início da tarde, foi um microfone aberto com declamação de poemas diversos, seguido da apresentação musical do grupo Odisseia das Flores (Letícia, Jô e Chai), que estava lançando o livro Perifeminas, uma coletânea de poemas com  a participação de 63 mulheres. O grupo fez um belo show, prendendo a atenção de todos.
Após isso, foi a vez da simpática Vanessa Soares fazer uma bela performance corporal, intercalando leitura de poemas com uma dança leve, sensual e expressiva. ela voltaria a atuar mais tarde, durante o coquetel do fim, em um carismático flerte com o público presente.
Ainda dentro da proposta da Feira, o 1º Seminário de Literatura da  Periferia trouxe como tema do dia "Estética - entre as Frestas da Forma: Rachaduras e Horizontes", com Cidinha da Silva (MG) e Érica Peçanha (SP), mediadas por Michel Yakini (Sarau Elo da Corrente, SP). Foi mais um acerto providencial na construção de soluções que buscam fomentar a produção literária em todos os rincões periféricos.
E já que estamos falando de acertos, fecho com mais três informes que foram a cereja do bolo dessa festa encerrada neste domingo. 1) A ideia da Fernanda de Aragão (que trouxe para o evento seu livro Língua Crônica, e a inspirada instalação Diz-Quetes, com micropoemas fixados nas faces dos antiquados disquetes de antigamente), de lançar um zine com o pessoal que estava expondo seus trabalhos na Feira, e que contou com o auxílio primoroso da eterna zineira Thina Curtis, chegou ao seu momento de glória quando o trabalho foi entregue, hoje, nas mãos dos participantes. Ficou muito bem feito, com aquela cara típica dos áureos anos 80.
2) A Amanda e sua equipe são o desprendimento e a simpatia em pessoa. Vivemos nestes três dias um oásis de companheirismo e proatividade, quase uma fantasia, se pensarmos que estávamos usando um espaço público. 3) O coquetel de saidêra, nossa!, que maravilha. As iguarias, bebidas, tudo estava nos trinques, outro detalhe do paraíso presente nesse domingão. Este elogio, na verdade meio que complementa o elogio do item anterior.
E se alguém perguntar "não tem nenhuma crítica?", vou logo afirmando: "tenho, de monte". Uma delas, por exemplo, é sobre a falta de público. Sabemos que não podemos culpabilizar apenas a chuva, que foi nossa companheira mais assídua. Nós (ainda) não "arrastamos" público, mas quem veio, como veio e quando veio, com as propostas que todos trouxeram, com certeza não se arrependeu, antes, teve acesso ao biscoito fino de uma produção que a "mídia oficial" não consegue mais esconder. Os embates de ideias e os debates no infinitivo das proposições, foram muito ricos, intensos e extensos. Com certeza, ainda vamos colher muitos louros dessa vivência de 72 horas. 
E agora, mais não critico. Caso ache pertinente, comento alguma coisa ao pé do ouvido com quem se propôs a essa entourage contra o óbvio, a ziquizêra,  a reclamação e a anemia cultural. A todos esses guerreiros rendo loas, esperando que o próximo evento esteja bem próximo, já!

16.3.13

1ª Feira Literária no CCJ - Noite 2 (Diário de bordo)

Segundo dia, já sei o local, chego no horário. Reencontro os novos (já velhos) amigos e começo a arrumação da mesa. Mal coloco os livros e rola a primeira venda. Oba! Mais que comemorar a comercialização antes mesmo do horário previsto, é perceber que a rapaziada que está chegando é inteirada, informada, interessada. Conversam, confessam, discutem, inquirem, falam de Borges e Sérgio Vaz, de Sacolinha e Cortázar, de Clarice e Rodrigo Ciríaco, sempre com a mesma desenvoltura e o mesmo conhecimento. A tarde e noite prometem! 
Continuo minha arrumação e avanço mais algumas casas no tabuleiro. Autores estão discutindo obras, pessoas interessadas não param de circular, mó climão na área.
A única coisa que chama a atenção é um cinza azulado que se desenha no horizonte, e vem se aproximando, aproximando, aproximando... até que tudo vira água, ou seus sinônimos: chuva, torrente, cascata, dilúvio etecétera. E tal.

Pra variar (ou compensar), no mesmo momento é iniciada uma rodada do 1º Seminário de Literatura na Periferia, cujo tema hoje é Educação - Barreiras  Visíveis e Invisíveis: Teorias e Práticas que Entrelaçam Educação e Literautra na Periferia. Os convidados à mesa são Allan da Rosa e Celinha Reis, ambos de Sampaulo, devidamente apresentados e provocados por Chellmi, do Sarau da Brasa. Se neste momento ainda tínhamos uma platéia, pequena que fosse, ela agora vai para a tenda e sua rica discussão.
Como expositor, estou preso, não posso acompanhar o debate. Quer dizer, poder eu até posso, mas aí fica sendo uma certa falta de respeito com o público. Público? Que público? As águas de Sampedro afugentaram a todos, e ficamos ali, no maravilhoso espaço cedido pela organização, sem a nossa principal razão de existir: o leitor. Tudo bem, o papo entre autores, as afinidades, a complexidade das questões que nos aproximam (exposição na mídia, condições de produção e distribuição, escolas e gêneros), tudo vira motivo para uma conversa rica e pertinente. 
Mas que dói a ausência do leitor, ah, isso dói!
Agora, esperar por amanhã. E com sol, se não for pedir demais!
(Textos e fotos: EF)

1ª Feira Literária no CCJ - Noite 1 (Diário de bordo)

Cheguei agora do primeiro dia da 1ª Feira Literária do CCJ (Centro Cultural da Juventude), na Vila Nova Cachoeirinha, zona norte da Sampalândia.
De cara vou avisando que chegar lá exige uma certa paciência budista, com o trânsito infernal de Sampa numa tarde de sexta, aliado ao fato de que as placas indicativas, pra variar, não indicam porra nenhuma! Conversando com um e outro, errando mais que acertando, cheguo ao local e enfim encontro o povo, "meu povo". Não conhecia ninguém mas isso não foi problema. Todos, desde o segurança que primeiro me atendeu logo à entrada, pasando pelos funcionários do CCJ e cehgando aos outros autores, o mundo todo foi simpático, atencioso e dedicado.Os escritores inscritos formam um timaço que dá o maior orgulho estar lá, com eles, compartilhando o aprendizado, a informação e a troca de experiências.
Provavelmente cometendo injustiças que pretendo reparar nos próximos diários de bordo, destaco hoje a presença luminosa da Fernanda de Aragão, que além de divulgar seu livro Língua Crônica, também apresentava a já conhecida instalação Diz-Quetes, com poemas colados na face dos antigos precursores dos pen-drives. Outra que compareceu iluminada com sua artesania fanzineira foi Thina Curtis, com viço raro e frescor nato das ideias que não envelhecem, desde os anos 80. 
Mano Cákis, Michel Yakini, Cidinha da Silva, Akins Kintê, Paulo do Perifatividade, o Binho do sarau, Hugo Paz e tantos outros foram os que já firmei contato, conheci, troquei ideia, li seus escritos, aprendi. Eles marcam presença, enriquecem qualquer conversa, alimentam as discussões com bastante substância, dilatando as proposições iniciais da Feira. Tem outros, que vou descobrir depois.
 Paralelamente à Feira, ocorre o 1º Seminário de de Literatura da Periferia, uma mesa de discussões cujo cerne, no primeiro dia, foi a imbricação entre literatura periférica e a transversalidade política, assunto que foi mediado por Diego Arias (Sarau da Brasa), e que tinha como convidados Nelson Maca (Bahia) e Ruivo Lopes (São Paulo). No sábado, Michell da Silva - Chellmi (Sarau da Brasa), interfere na discussão entre Allan da Rosa e Celinha Reis, ambos de Sampa, com o tema "Educação - Barreiras Visíveis e Invisíveis: Teorias e Práticas que Entrelaçam Educação e Literatura da Periferia". No domingo, o mote será "Estética - entre as Frestas da Forma: Rachaduras e Horizontes", com Cidinha da Silva (MG) e Érica Peçanha (SP) com direção de Michel Yakini (Sarau Elo da Corrente, SP).
 No meio da festa, o Rodrigo chega e nos rouba a atenção. Creio que ainda o desconheço  mas, maleporcamente, acho que posso apresentá-lo. Artista de criações rigorosas, postura imprevisível e de ricas texturas e costuras sígnicas, espero revê-lo, para ousar tentar desvendar mais de seu mundo, particular e eclético. E de profundos mergulhos.

(Texto e fotos: EF)

13.3.13

9.3.13

Projeto Ronaldo Ferro - Ato 3

Akira abrindo a terceira noite do Projeto Ronaldo Ferro, na Casa de Farinha
Dando prosseguimento ao fomento de público, ideias e dinheiro para a confecção do álbum com músicas de Ronaldo Ferro, dentro do projeto Memória Musical, a Casa de Farinha recebeu ontem, Dia Internacional da Mulher, a terceira edição dos convidados.
O projeto Ronaldo Ferro dessa vez foi dedicado à memória da pequena Tainá, filha de Walter Passarinho e Leda Câmera, e recentemente partida para outra constelação. O evento foi aberto por Akira  Yamasaki com um minuto de silêncio sugerido pelo mestre de cerimônia. Sábio, não ousou tocar no nome da pequena estrela, sequer lembrou oralmente do que se tratava aquele minuto de reflexão, mas todos entenderam o recado, e as preces, rezas, vibrações e outros endereçamentos ajudaram, com o silêncio de todos, a iluminar a direção de nossos pensamentos. Em seguida, Akira chamou ao palco Luiz Casé, cantor, compositor e amigo antigo de Passarinho. Casé discorreu sobre como andam as mobilizações dos amigos para atenuar a dor e o desconforto vivido pelo casal nessas últimas semanas.
Depois, foi a vez de Sacha Arcanjo subir, acompanhado de Rodrigo Marrom. A poesia do mestre vindo de São Gabriel, nos rincões da Bahia, continua contagiando a todos com a singeleza de seus versos. A noite mal começava e tornava-se astral pelo poder mágico que emana de sua voz, cada vez mais contida, mas sempre inspirada e envolvente. A dupla sobre o palco desfilou alguns sucessos bastante conhecidos.
A seguir, Sacha convidou ao palco a poeta Rosana Crispim,  antiga militante do Movimento Popular de Arte, de São Miguel. Também atriz e produtora cultural, Rosana vive há 20 anos na Itália. No momento, ela está no Brasil visitando familiares e, convidada por Akira para fazer parte no projeto, ela tomou conta do espaço, com sua poesia feminina, forte e vibrante. Convidou-me para, junto com Akira, recitar suas poesias que ela lia em italiano, nós em português. Momento de sublimação. Depois de Rosana, Sacha e Marrom retomaram o palco para uma plateia  animada.Vivemos mais alguns momentos de devoção a uma música sacralizada e elaborada.
E então Gilberto Braz, com sua poesia às vezes ardida, e todas as vezes pura dádiva, veio e nos delegou a incumbência de ouvi-lo, como a nos relembrar que o culto poético exigia a meditação que suas palavras, em sortilégio, eram lançadas a nós. A poesia de Gilberto tem a cara de nosso século, ritmada, rica em imagens e em temas, trovejante. A empostação de sua voz também ajuda, equilibrando a plenitude poética com rompantes de locutor de rádio. Fomos abduzidos também por isso.
E então fomos brindados pela música, pela ginga poética e célere de Romildo de Souza, mais um que chega pra somar, que chega para dar seu recado, sabendo o que canta; como canta... enquanto encanta. Romildo é talento e simpatia elevado ao cubo. Com ele, o Projeto Ronaldo Ferro ganha mais um presente.
Ficamos sem a apresentação do líder do projeto, que distribuía sorrisos e abraços em todos os convivas. Uma pena! Se tivesse subido ao palco, talvez eu nem estivesse rabiscando essas linhas, teria sido transportado para outros planos.
- Ronaldo Ferro, aguardo ansioso o lançamento de seu disco que, sei, está sendo confeitado para nascer antológico.

Romildo de Souza dando mais brilho ao Projeto Ronaldo Ferro
Gilberto Braz, Poeta

Sacha e Rosana no palco da Casa de Farinha


8.3.13

Entrevista: Francisco Xavier (poesia e fotografia)



Há casos em que a modéstia atrapalha. O médico, fotógrafo e poeta Francisco Xavier é um desses. Inspirado e tímido, o nordestino de comportamento zen, sorriso fácil e gestos comedidos, talvez não tenha ainda se dado conta de que o minimalismo com que compõe sua arte é elaboração extática e de profundo “atingimento”. Passei meses colhendo seu depoimento, via e-mail, no conta-gotas. Nessa empreitada de "desbravá-lo", descobri um pouco da essência que o move. O resultado desse diálogo está aqui. Convido-os a conhecê-lo.
Xavier: braço tenso, olhar atento
 1) Quem é Francisco Xavier? 

Em 1966 nasci no município de São Raimundo Nonato. Na Fazenda Duas Barras, coração árido do Piauí, chorei pela primeira vez.
Retirante, cheguei em São Paulo aos 10 anos.
Ingressei na Faculdade de Medicina de Taubaté no ano de 1987. A realização deste sonho trouxe-me uma alegria que me acompanha e me cura até os dias atuais. Abracei minha profissão com tanta força que a ela me fundi.
Sou o cirurgião que exibe no consultório, em São Miguel Paulista, um chapéu de couro sobre a mesa há 18 anos.
Casei-me após 20 anos de namoro e tenho 3 filhos, sendo que o mais velho, está seguindo os passos do pai.
Sou silvestre. Apesar da saudade do sertão ser permanente, sinto-me feliz na cidade que me acolheu.

2) Sabendo que suas mãos destilam arte na prática da medicina, sabemos que esse seu pendor artístico se estende por outras praias (poesia, fotografia etc). Como se deu esse "chamamento"?

Sou muito tímido e, minha timidez levava-me ao isolamento.
Na adolescência percebi que a música, o desenho, a fotografia e a poesia eram os meus remédios. Apeguei-me a eles, sem nenhuma pretensão, até os meus 22 anos.
Durante o curso universitário, inscrevi alguns trabalhos em concursos e, para minha surpresa, fui premiado algumas vezes.
Envolvido com o meu trabalho, fiquei cerca de 25 anos sem escrever.
Neste ano (2012) tive o prazer de conhecer vários artistas, muitos deles, participantes do histórico Movimento Popular de Arte (MPA). Entre tantos artistas maravilhosos tive o prazer de conhecer Escobar Franelas. Este poeta, generoso, teve a paciência de ler e comentar alguns escritos que eu escondia. Deu-me segurança e ânimo para um novo começo. Como agradecer?
Hoje, posso dizer que estes amigos e minha arte, mesmo amadora, foi o que trouxe de volta este meu riso, que tinha se tornado arredio.

3) De onde (e como) vem a inspiração para as artes que você pratica?

Tudo que eu faço tem como base a minha infância e as lembranças que trago da Fazenda Ciências, onde fui criado.
Acho muito difícil e arriscado o ato de escrever. Não consegui perder o medo. Escrever é como pular de um trampolim, fazer manobras no ar e confiar que o leitor, inclusive o próprio escritor, devolva o trapézio, evitando a queda.
Acredito que escrevo como quem toma um medicamento essencial para manter a vida, a saúde.
A fotografia, eu pratico de forma recreativa, com equipamento amador. Desejo estudar e adquirir alguma técnica futuramente.

4) Percebo que você tem um método, curiosidade e paixão pela pesquisa. Acredita que a prática da medicina ajuda na metodologia artística?

Sim. Devido ao treinamento que recebi, escrevo como um cirurgião. Quando faço a primeira incisão, digo, rascunho as primeiras palavras, começa uma corrida contra o tempo. Quanto mais rápido e direto, melhor. Nada de firulas, nada de nós inovadores. Só o essencial. Os enfeites aumentam o tempo cirúrgico, infectam a inspiração e, complicado, o poema pode ir para o necrotério.

5) Putz, você escreve poesia até quando dá respostas para um perguntador chato! rs Então, ampliando o assunto,onde mais você vê poesia nesse "mundão de meu-deus"?

Em tudo há poesia. Quando não a vejo foi porque não observei o suficiente. A poesia que mais admiro encontro na labuta diária, nas lembranças da minha infância e na natureza. Agora, o que mais me encanta é o trabalho do poeta, este que passa a vida procurando uma nova interpretação, o embelezamento do corriqueiro e o inesperado. Este trabalho é poesia da boa.

6) O que você lê, ouve e assiste?

Atualmente estou lendo Ensaio Sobre a Cegueira, do Saramago e a obra do José Inácio Vieira de Mello. Gosto muito da poesia do Mario Quintana, Drummond e João Cabral.
Com relação à música sou eclético. Gosto muito dos clássicos, principalmente Bach. Música popular eu ouço no dia-a-dia e, entre os artistas que mais admiro estão: Chico Buarque, Djavan, Cartola, Zé Ramalho, Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Sivuca, Toninho Ferragucci e Arnaldo Antunes.
Assisto poucos filmes, mas os que mais me marcaram foram: Baile Perfumado, O Palhaço e Abril Despedaçado entre os nacionais. Entre os internacionais os que mais gostei foram Sonhos e Rapsódia em agosto, do Akira Kurosawa, O perfume, A Origem e Imensidão Azul.

7) Recentemente você publicou no Facebook o poema Conjugação Carnal e depois comentou o medo de não ser compreendido. A incompreensão na arte o incomoda?

O meu objetivo, ao escrever, é ser o mais simples e direto possível. Nos casos em que arrisco um pouco, sempre sinto um frio na barriga que, normalmente, é estimulante. Em mim, o frio na barriga é glacial. Mesmo assim, acho que sem o risco não dá para fazer arte. Só o insosso é possível.

8) O que é a Casa de Farinha?

A casa de farinha é o local de trabalho das famílias do sertão nordestino. É onde se produz a base da nossa alimentação: a farinha de mandioca. Sendo símbolo de alegria e de fartura, deu nome a um espaço dedicado aos costumes do povo do semi-árido aqui em São Miguel Paulista. Aos poucos estamos trazendo nossa culinária, música, literatura, objetos e, futuramente os sons da caatinga. É um local ainda em formação, mas muito querido.

9) E o que é poesia?

Para mim é poesia o ponto de vista, incomum, que causa admiração e espanto em quem lê, vê, degusta, ouve e/ou toca.
A inspiração é o que desencadeia tudo. Esta, porém, tem origem desconhecida, parece que nasce com o indivíduo e independe do nível cultural e social.
A poesia, como todas as artes, é necessária para diminuir a angustia, e manter a vida.

Poesia no olhar

Os vira-latas

Forró, latinha e fuá

Nas noites uivam tristes.

Insone, contenho meu uivar.


CHEIODEMIM

OVAZIO

DETI


Seqüestro relâmpago

Sem crédito

O débito

É obito


AMOR

ACUA

ADOR

 
* Nota 1: Restaurante Casa de Farinha: rua Santa Rosa de Lima, 1341, São Miguel Paulista, SP

* Nota 2: um pouco da arte fotográfica de Xavier poderá ser vista a partir de 06 de abril próximo, quando será aberta no espaço A Casa Amarela a exposição “Sujeito São Miguel – Diálogos Intermitentes”. A mostra trará ainda fotos de Alexandre D´Lou e Vanderson Atalaia. A Casa Amarela – Espaço Cultural (R. Julião Pereira Machado, 7, São Miguel Paulista, SP)



5.3.13

Encontro com subprefeito de Itaquera

Guilherme Henrique de Paula e Silva, atual subprefeito de Itaquera, recebeu-nos hoje, uma enorme comitiva formada por membros da CACI (Comissão de Articulação Cultural de Itaquera) e outros interessados.

Cordato e articulado, surpreendeu-nos pela atenção e disposição em construir novos paradigmas culturais para o bairro e região. "Itaquera não está mais numa condição marginal, pelo menos no âmbito urbano", enfatizou, ao mesmo tempo que concluía, "mas, em se tratando de cultura, talvez ainda sim". 

O jornalista e multiartista Antônio Primus, e principal articulador deste encontro, queixou-se, entre outras coisas, da mudança da Casa de Cultura Raul Seixas do parque homônimo, localizado na Cohab II, para o centro do bairro. O subprefeito rebateu afirmando que havia uma intenção do coordenador da Casa nesse sentido, mas que, por ora, os processos estão em fase de discussão e encaminhamentos. Fernando Simas, arquiteto e urbanista, membro do Fórum de Desenvolvimento da Zona Leste e do Movimento Nossa Itaquera, problematizou diversas questões urbanísticas, uma vez que o bairro está recebendo um grande aporte de infraestrutura (Fatec, Etec, UNIFESP, soluções viárias), junto com a construção do estádio do Corinthians. Baseado na mesma temática, Francisco Carlos questionou as contrapartidas sociais prometidas publicamente desde as primeiras negociações sobre o Itaquerão.
Assediado por diversas ideias que estavam sendo semeadas pelo convidados, inquiriu individualmente algumas questões que julgou relevantes, apresentou um cardápio de conquistas recentes, como o Polo Tecnológico e a chegada da Universidade Federal. "Itaquera está num momento histórico", lembrou.
Diante da heterodoxa composição dos que estavam à mesa (artistas, arquiteto, produtor esportivo e gestor de políticas públicas), Guilherme, contudo, não se opôs a nenhuma das sugestões. Com argúcia, cobrou enfaticamente de todos para que fosse elaborado um calendário comum com argumentos sólidos para defesa das sugestões mais espinhosas e que o debate seja ampliado para toda a comunidade, com a participação dos diversos grupos que compõem o tecido cultural do bairro. Para tanto, sugeriu que entre abril e maio, os movimentos interessados se reúnam novamente com ele e sesu assessores (que ainda aguardam assentamento), para encaminhamento das principais proposições.

Finalizando a reunião, Primus entregou a Guilherme um documento com 19 pautas reinvidicatórias, além da um abaixo assinado e uma carta solicitando que a Casa de Cultura Raul Seixas não seja mudada.

4.3.13

Resenha: Nunca Fui Santo – O Livro Oficial do Marcos



Nunca Fui Santo – O Livro Oficial do Marcos (Depoimento a Mauro Beting)
    
   Foi assim: meu amigo Del, corintiano, passou uma msg acho que via Facebook, “Escobar, vc já leu o livro do Marcos, o Nunca Fui Santo?”. Demorei um pouco para entender sobre o que ele estava falando. Respondi que não. Na semana seguinte, numa manhã em que iríamos levar nossos alunos para um dia de recreação em Salesópolis, SP, ele tirou o livro de sua bolsa e foi falando, “cara, você precisa ler isso, meu. Eu já era fã do Marcos, e depois de ler esse livro, fiquei mais ainda”.

Capa do  livro sobre São Marcos
   Levei o livro comigo e já na pousada li a Apresentação feita pelo Mauro Beting, que também é coautor, incumbido de transformar em literatura o depoimento do arqueiro. Naquela mesma noite, enveredei pelo texto fluido e contagiante. Dois dias depois já tinha terminado a leitura. Pelo celular, avisei o Del que iria lhe devolver o livro. Mas eis que a musa, flamenguista, tomou-me das mãos, “também quero ler, você sabe que gosto do Marcos!” Depois foi meu filho, santista, que enveredou pelas histórias do Santo e, agora, por último, o caçula também se dispôs a saber um pouco mais do goleiro titular da seleção campeã do mundo em 2002. Até agora não consegui devolver livro para o dono.

   Todos sabem que sou palestrino, uma ilha no meio de tantos distintivos. Mas o Marcos é uma das unanimidades entre o meu pessoal. E, nesse caso, contrario Nelson Rodrigues, nem toda unanimidade é burra.

   Agora, deixando de lado todo esse confessionário, vamos à obra. Narrado em 1ª pessoa, o texto é despretensioso, cronológico e carregado nos fatos pitorescos, o que facilita a leitura, principalmente aqueles que não estão acostumados. O bom humor impera e contagia, somos levados pelas palavras do ídolo palmeirense à infância, às primeiras experiências futebolísticas, ao mundo particular e rico, porém modesto e humilde, por onde transita o eterno dono da camisa 12 alviverde. Como é comum em depoimentos que buscam a atingir a camada mediana do público e carregado no verniz subjetivo, Marcos se contradiz. Mas essas antíteses são típicas de quem tem respostas (quase sempre) definitivas – e que é incessantemente cobrado por elas. Ao mesmo tempo, isso o humaniza ainda mais, colocando-o à vontade com sua memória e suas interpretações. Paradoxalmente, sendo humanizado – justificado por sua memória – Marcos sacraliza ainda mais suas palavras. 

   O depoimento, colhido e revisado, nunca perde o viço, uma aura mítica que circunda seus gestos e palavras, potencializando o bom moço, bom filho, bom pai e bom marido. Marcos já cometeu gafes grosseiras (apoiar Maluf nas eleições de 2002 talvez tenha sido seu maior “frango”), mas - eis aí outro paradoxo - isso mais o aproxima de nós, mortais, com direito a erros de orientação e percurso. Erros, aliás, sacralizados também com sábias palavras, quando questionou a infalibilidade de todo protetor de metas, asseverando há não muito tempo atrás, "todo goleiro tem direito a tomar gol de pênalti". Ora ora ora, justo você São Marcos, que ganhou esses contornos áureos justamente pela precisão com que salvou o arco do Palmeiras em não poucas ocasiões. Professoral ou filosófico, esse tom de dignidade com que defende seus amigos de profissão, somado ao restante de suas ações, mais Santo o torna. Amém!


Nunca Fui Santo – O Livro Oficial do Marcos (Depoimento a Mauro Beting)

SP: Universo dos Livros, 2012, 1ª edição.