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27.6.13

Entrevista: Mano Cákis - "Meu plano é viver"

Cláudio Cákis, o Mano (foto EF)

Lançamento do livro Não Temos Muito Tempo, no Itaim Paulista, 2012 (Foto EF)

          "Descoberto para a militância política de resistência ainda na adolescência, através da música – foi vocalista e guitarrista da banda Habitantes do Valetão, além de tocar no grupo de rap Sobreviventes – Cláudio Cákis (ou Mano Cákis), também editou os zines do “Movimento de Resistência Sobreviventes''. Hoje educador e poeta com um currículo reconhecido, não deixou a arena, ao contrário, luta diariamente na seara libertária da arte, cultura e educação"


1) EF - Quem é Cláudio Cákis?
CC - Sou um sobrevivente mano, um cara que descobriu na escrita uma válvula de escape, uma forma de combater os conflitos e anseios, de se livrar das drogas e do crime. Um cara que hoje vive, sente e acredita.

2) Como as coisas aconteceram em sua vida, para que chegasse até este estágio bonito, o da arte?
Tudo foi natural. Eu tinha sonhos, objetivos, mas a curiosidade fez com que desviasse meu caminho e dessa forma os sonhos ficaram pra trás, os objetivos já não se concluíam e uma caminhada destrutiva comecei, sem perceber a gravidade.
Ainda na infância sempre escrevia pra me libertar, com raiva e ódio das brincadeiras que filhinhos de papai racistas faziam comigo. Eu pedia pra professora fazer eles parar, ela não fazia nada. A reação era chorar no fundo da sala ou brigar com os caras, eu escolhia a segunda opção.
Na adolescência, o que escrevia era minha falta de perspectiva, ao mesmo tempo a fé e esperança de não ser mais uma vitima da droga como muitos que conheci. Descobri depois que sou um adicto, um cara obsessivo e compulsivo, que precisa se tratar. Desde então venho me tratando, sou especial, sou mutante.
Conheci um sarau depois que fui selecionado pra sair na revista Trajetória Literária 3, concurso literário aberto a todo território nacional.

3) Como e quando você descobriu a prática da arte como instrumento para a cidadania?
Eu expressava meus pensamentos, conflitos e sentimentos por necessidade, sem saber da importância que seria pra minha vida futura como é hoje, uma válvula de escape, uma ferramenta de construção de identidade, resistência e consciência que tenho. Portanto, eles não surgiram como hobby ou entretenimento artístico, surgiram como uma necessidade quando li Graduado em Marginalidade do mano Sacolinha. Percebi que meus escritos também são arte, porque falava do povo, da quebrada. Personagens reais, sem massagem, realidade crua e dura e bonita, pela luta e resistência das pessoas por contrariam as estatísticas do sistema, desconstruindo toda a historia.

4) E como as coisas foram acontecendo, a partir de então?
Participei pela primeira vez de um concurso literário e fui selecionado em 7° lugar pra sair na revista Trajetória Literária III. Mais tarde obtive a mesma colocação no 1° Concurso de Literatura Erótica em parceria com a Secretaria da Saúde, passei a frequentar saraus e a produzir meus textos com mais afinco.

5) Em paralelo, o que foi acontecendo em sua vida, você voltou a estudar? Casou? Fez oficinas?
Já cursei Pedagogia na ativa , mas depois de 1 ano abandonei o curso. Hoje faço História, tô terminando. Não casei porque nem penso nisso, tô me estruturando mas me relaciono com as mulheres naturalmente, não preciso casar... não tô afim. Sobre as oficinas, já fiz no Ponto de Cultura Círculo das Letras, em Suzano. Faço na escola onde leciono, passo adiante o que sei pra quem quiser. É tudo um processo. Como já disse, a escrita pra mim vem como uma válvula de escape, uso como ferramenta pra extravasar meus sentimentos e nas oficinas falo dos gêneros, de alguns autores e a produção é um ato individual de cada participante.

6) O que você curte? O que lê, ouve e assiste?
Curto música boa de variados ritmos. Leio documentos e livros dos meus manos, erótico, marginal, periférico, filmes trash de terror.

7) Como você prefere que o chamem, de professor ou educador? Por quê?
De educador, porque contribuo com a transformação das realidades de forma concreta, faço parte dela, de forma ativa não só profissional.

8) Quais são seus planos para o futuro?
Viver.
O poeta em ação, Sarau O Que Dizem os Umbigos?, 2012 (foto EF)

21.6.13

Entrevista: Pedro Pereira Lopes - a globalização saudável

Foto: arquivo pessoal - PPL


Licenciado em Administração Pública e mestre em Políticas Públicas, Pedro Pereira Lopes é um jovem escritor moçambicano perspicaz e lírico, pragmático e cético. Esses atributos, contudo, não tiram a leveza, a poeticidade, a esperança e o gesto pacífico de suas práticas diárias. Morando atualmente em Pequim, na China, onde recentemente defendeu sua dissertação de mestrado, não perde de vista o microcosmo justaposto ao macro, tampouco seus referenciais históricos, sociais, culturais e antropológicos.

Autor do belíssimo diário virtual Cadernos de Haidian (http://cadernosdehaidian.wordpress.com/), onde transforma em monumentos seus apontamentos e questionamentos, e coordenador da revista virtual de literatura moçambicana http://www.lidilisha.com/sobre/, Pedro aqui comparece para falar de si e dos seus. 
Foi difícil, ele sempre tímido, refutando convites meus, até que minha insistência foi premiada com sua anuência. Tive então o privilégio do acesso à memória e à reflexão lapidada com esmero. Pareço me empolgar, e talvez por isso mesmo, acho melhor ceder a vez a ele. Espero que gostem, como eu.
Foto: arquivo pessoal - PPL

EF - Quem é Pedro Pereira Lopes?
PPL - Não sei, lamento, mas é o que me ocorre. Tenho 20 e alguns anos e ainda me desassossego com o que sou ou posso ser. Não padeço de nenhum transtorno de personalidade além-limite, até poderia atribuir-me indecisas pessoalidades, mas não tenho tamanha afoiteza como o Pessoa ou o Lemos. Entretanto não sou capaz de oferecer-lhe uma resposta única… outrossim, o próprio ‘ser’ não me garante tais possibilidades, devido aos seus ‘excessivos’ sentidos. O que lhe posso dizer, que sou uma pessoa silenciosa com muitos barulhos dentro da cabeça, que sou um arquitecto de ilusões, que sou um viajante procurando por um pouco de pureza? Sou como diz o Pessoa, «…um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas»; acredito que isso não lhe apraz e não quero parecer prolixo, mas estaria mais satisfeito se lhe dissesse que não sou eu, somos nós, como o apelidado demónio, o Legião? Existencialmente «sou eu aqui em mim, sou eu». Porém sou mais do que um ser existente, sou um ente com identidade – Pedro Pereira Lopes é isso – nome, identidade, invólucro que se consome como uma utopia canibal, uma simbiose – alegria e orgasmo – ‘alegrasmo’. Acredito no ‘carpe diem’ e acredito que todo o homem nasceu para ser vencedor.
Não acredito muito no ser, chego a ter a sensação de que vivemos todos em uma caverna… ocidentalização, aldeia global, media, entretenimento… as afigurações não me convencem. Ora, tenho nomes de santos da igreja católica, Pedro João; não me regionalizo, mas sou moçambicano e filhinho de uma viúva chamada Ann R. (na verdade tenho duas mães, a senhora E. Paula perfilhou-me mesmo quando já não tinha motivos para tal). Do meu genitor não sei nem herdei interesse, apenas o apelido de um ascendente português… Gostaria de terminar fazendo menção à terceira parte do ser, que envolve a predicação, que se calhar tem mais a ver com o presente (e o futuro).
Escritor? Talvez.

EF – Conte-me a vida na China, quais as diferenças em relação ao seu berço natal, Moçambique?
Parte das minhas aventuras e travessuras vividas em Pequim são publicadas no [meu] blogue «cadernos de haidian». Não sou nenhum diarista, mas esse é o formato do blogue, e nele partilho com o mundo porção da minha privacidade. Tão-pouco é uma ideia inédita, para ser justo, devo ao contacto que tive com os «Cadernos de Lanzarote» de Saramago e, principalmente, com os ‘Diários’ de Miguel Torga (que me foi introduzido pela Fernanda Angius, que muitíssimo estimo), a emergência deste meu caderno cibernético.
Vivo na Cidade Imperial, a terra que Gengis Khan conquistou e Marco Polo deixou relatada em inúmeras folhas de papel. Confesso que nunca considerara em estudar na China e agracio a oportunidade e a ousadia depositada em mim. Dissipo parte do meu tempo no meu quarto, é daqui que lhe replico às perguntas, é daqui que jornadeio e fantasio… Tenho um lago e um lindo jardim no campus [da Universidade de Pequim], e quando me sinto desacompanhado, sento-me próximo de uma estátua de Cervantes, com ele posso conversar e sorrir.
Existe porém um imenso mundo que me circunda, os meus colegas de curso (maioritariamente africanos) e os milhares de estudantes chineses. Tudo é muito corrido, apressado, contra-o-relógio, o tempo gravita em torno das salas de aula e dos diplomas. É muito fácil ser-se um errante nostálgico, sentir a falta de casa é o preço a pagar pela magia que Pequim oferece, os arranha-céus, os centros comerciais, um verde que se mescla com o concreto e o aço, as largas e povoadas avenidas, o néon eletrizante, a opulência do Jardim de Verão e a excentricidade da Grande Muralha, que é literalmente um tira-fôlegos. A China é para mim um mosteiro, onde só a aprendizagem e a busca de equilíbrio interno são o mister. Entretanto sinto, às vezes, um vazio, como se não gozasse da paz, como se não importasse nem tivesse sentido… sem raízes. Não seria capaz de viver fora de Moçambique, longe da minha gente.
Moçambique! Ouvi algures que o patriotismo é uma estupidez, contam-se os patriotas em Moçambique, eu amo aquele mapa lindo, entrecortado e esboçado com arte. Respeito a bandeira e só me insubordino contra a AK-47 que a mancha. Francamente, o que faz um rifle de assalto russo que transformou a guerra e o mundo, numa bandeira nacional? Moçambique é uma soberania, não nos devemos comparar ao Hezbollah.
Dizem que é um ícone do nosso povo e do nosso esforço. Escrevi um texto sobre isso, não teve o ansiado impacto, infelizmente. A minha estadia na China fez-me perceber que Moçambique e o resto do continente negro têm ainda muitos desafios pela frente, e grande parte destes desafios só será solucionada se os problemas – as lideranças políticas, os governos e seus ‘sistemáticos vícios’ – forem solucionados. É assombrosa a falta de comprometimento de alguns governos relativamente ao desenvolvimento e aos temas sociais.

3) Você está aí, nessa semana, para defender uma tese de doutorado? Explique-nos, por favor, sobre isso:
Resposta: Não se trata de uma tese de doutorado, é antes uma dissertação de mestrado. É um ‘research paper’ corrido, vertiginoso, não tive muito tempo de investigação nem de reflexão, tinha um prazo curto para criar outras abordagens sobre o assunto. O título original da pesquisa é «O Dragão Vermelho: Um bom parceiro ou um novo colonizador? Uma análise do papel da China sobre a agenda de redução da pobreza de Moçambique». O trabalho evidencia o engajamento e a influência chinesa em África e analisa a inferência da China simultaneamente em quatro vectores da ‘vida’ moçambicana: comércio, Investimento Directo Estrangeiro (IDE), fluxos de ajuda e relações políticas [‘policies’ e não ‘politics’].
Foi um estudo fundamentalmente qualitativo-exploratório e a análise dos resultados confirmam a ideia de que o envolvimento da China com os países africanos e, Moçambique em particular, tem importantes implicações nas políticas públicas, desenvolvimento e distribuição. O governo de Moçambique deve saber manejar, canalizar, controlar e regular os interesses chineses, deve vê-los como uma oportunidade para acelerar e atingir os objetivos de sua política de redução da pobreza. Gostaria de mais tempo para trabalhar na pesquisa, acredito que dela poderá nascer o meu primeiro livro de carácter científico.
Dois pontos são cruciais na minha dissertação: primeiro, não tento responder se a China é um “bom parceiro” pró-desenvolvimento ou se é um “novo colonizador”, acredito ser esta questão muito emocional e ingénua do ponto de vista académico, e os pesquisadores têm perdido tempo com a tese, por mais que seja atraente tentar respondê-la, mas aí entram outros indicadores, porém acredito sim que a China possa (esteja) a beneficiar mas o continente negro do que o ocidente, mas está longe de ser uma “bênção dos céus”, um “messias”, por outro lado, parte das características do comércio e investimento chinês em África muito se assemelha às atitudes colonialistas, mas ainda assim, um comportamento totalmente “imperialista” teria de envolver a resistência, a força e o uso de armas, e não me parece que isso esteja a acontecer, pois a China é aclamada em todos os cantos do continente; segundo, lanço uma nova perspectiva de entender as relações sino-africanas, explico-me, uma porção notável de autores tem criticado o comportamento de Pequim e sua política de “não-intervenção”, sustentando que, se não promove a corrupção, ajuda a mantê-la, que carcome o estágio de desenvolvimento da democracia africana alcançada nos últimos anos e encoraja os estados marginalizados como Angola, Zimbabwe e o Sudão, e eu seria imprudente se não considerasse estes aspectos, contudo, para mim, como já dissera antes, o problema de África não se concentra no exterior, é basicamente um problema endógeno, considerando que parte dos países não tem mais de 50 anos de independência e enfrenta sérios problemas governativos.
Em suma, a África precisa de mudar a sua história, sair da armadilha da ajuda, como ataca a afamada economista Dambisa Moyo, é necessário quebrar os chavões de que constituímos países selváticos, que guerreiam pelo poder, sem capacidades de desenvolver, de sair da pobreza, de terra onde milhões de pessoas morrem diariamente devido aos desastres naturais, fome e HIV e SIDA. Já disse a escritora nigeriana Chimamanda Adichie, a África deve criar uma versão diferente de si, e isso, meu amigo, só será possível se os países africanos mudarem a sua forma de relacionarem-se e negociarem com a China, com o ocidente, só acontecerá se a África souber o que é melhor para si e os seus governos olharem para os pobres, desenvolverem políticas coerentes e sustentáveis – nada será alcançado sem o comprometimento dos líderes, os países africanos são pobremente liderados/governados.

4) E quais os caminhos que você indicaria, para superação desses problemas já tão arraigados na vida pública e no cotidiano de toda a África e, no caso específico de Moçambique?
Acredito ter deixado a minha opinião sobre este assunto na questão anterior, não me quero repetir... Sem problemas... Na verdade aquela é uma questão crítica, e não me quero alongar bastante (out of record, claro)...
Foto: arquivo pessoal - PPL

Ops, como queira, meu amigo. Queria avançar um pouco mais este caminho já que vejo como muito importante refletirmos sobre essa "dominação sino".
Vou refazer a questão, então:
4-A) Como os governos africanos (e mais especificamente, o moçambicano), poderá enfrentar essas contradições, sem perder as parcerias estabelecidas mas também sem perder os referenciais históricos africanos?
Não existe um catálogo singular para a êxito, porém políticas coesas, gradualmente implementadas, evolucionistas e interdependentes fariam uma grande diferença. Gosto de acreditar que agora é a vez dos pequenos e, sobretudo, que é a vez de África. Observa-se uma exaltada corrida ao continente negro que fico até apavorado. Não gosto de encarar isso como um neo-expansionismo, mas a África deve ser capaz de tomar uma posição e não deixar que as amargas experiências da exploração se repitam. A África ocupa agora, como sempre desempenhou, um lugar de relevo, devido a sua monstruosa força em recursos naturais, minerais e energéticos. O continente não deverá evitar os dentes vorazes do centro, como periferia, deve antes tomar isso como uma oportunidade para sair do buraco negro que é a pobreza perseverante. Sejam elas quais forem, as decisões tomadas pelos governos africanos, duvido que as parcerias estabelecidas simplesmente desertem, não aconteceu isso no Botswana nem no Zimbabwe, não enquanto precisarem dos recursos que dos países africanos obtêm.
É uma questão de acordo, de saber negociar, o ideal para a África seria uma situação de ganha-ganha. Vejamos, Moçambique é um país rico em recursos naturais, possui extensas terras férteis, uma costa norte-sul riquíssima, gás, pedras preciosas, petróleo e a maior reserva de carvão mineral do mundo, isso só para citar alguns. De que modo a população poderá usufrutuar destas riquezas se o Estado concede absurdos benefícios fiscais e cerca de 90 por cento dos direitos de exploração e lucro às corporações? Ouvi falar de um país que se vê numa condição comparável a moçambicana, numa fase de explosão de recursos energéticos e extractivos.
Disse o governo: «Descobriram petróleo, hein!, pois é, isso é mesmo animador. Assim será, 70 por cento para nós e 30 por cento para vocês (às multinacionais), é pegar ou largar!» Moçambique e os países africanos devem empreender esforços para que a sua inserção na cadeia de produção-consumo/economia global os beneficie em algo, não apenas em jogos de vídeo, etiquetas e refrigerantes, é impreterível não adicionar a “maldição da globalização” à lista das já arreigadas.
Não se trata de perder os referenciais históricos, mas sim de construir uma nova visão, uma visão de nacionalismo e de motor único, o sonho moçambicano-africano, se preferir, África nasceu para ser campeã, é preciso acreditar que é possível mudar o presente-futuro do berço da humanidade, esse é, se calhar, o único referencial histórico que temos de mudar, de deliberadamente perder. E como faremos isso? A educação é substancial, mais escolas, mas bibliotecas, mais livros e acessíveis. Revolução? Receio este curso, mas há necessidade, de certo modo, de acordo com as palavras de Erick Charas, “de nos libertarmos dos nossos libertadores”.

5) O que você lê, assiste, ouve?
Leio um pouco de tudo, leio continuamente e disso depende a minha vida. Tenho uma paixão pelos livros, pela encadernação, deve ser por isso que não gosto de e-books, entretanto tenho uma “soft-teca” de mais de 3 mil livros. Quando tinha 9 anos ganhei de presente dois livros, da Rua Sésamo, para ser mais preciso, a verdade é que aqueles livrinhos foram o berço do meu vício. Gosto da literatura moçambicana, a poesia de J. Craveirinha, Eduardo White, Virgílio de Lemos e Sebastião Alba. De Lemos adquiri a paixão pela ilha… E a narrativa de Ungulani Ba Ka Khosa, Orlando Mendes e Suleimane Cassamo, mas são autores que de certeza desconheces. Bem, a lista não está completa… Pepetela, Luandino Vieira, Eça de Queiroz e Saramago, Drummond, li “Procura da poesia” vezes sem conta, Cecília Meireles – “Ou isto ou aquilo” é um dos livros mais maravilhosos que já li – mérito que divido com “O pequeno príncipe” de Saint-Exupéry.
É com prazer que folheio Milan Kundera e Garcia Márquez, Luis Sepulveda e Italo Calvino. Gosto de fantasia e de suspense, do terror fantástico, tenho uma colecção de Clive Barker e aprecio Stephen King e Conan Doyle! A filosofia teve sempre uma forte influência em mim, Schopenhauer e a sua filosofia da vontade fazem-me mesmo acreditar que a arte atinge primeiro o objectivo.
Não tenho um género preferido de filmes, gosto de libertar-me em risadas às duas da manhã, por isso perco-me nas comédias. Tenho um particular interesse pelos filmes de terror, fantasia e ficção científica, obviamente. Gosto do cinema e propus-me a explorar a arte, seguindo-se um roteiro e o respectivo episódio piloto para uma sitcom, que escrevi por encomenda em 2012, uma bela experiência…
Para completar a tríade, tive uma passagem pela música, pelo rap, pela cultura hip-hop, e parte dessa cultura estará sempre incrustada em mim. Mas não só de rap é composta a minha banda sonora diária, outros sons, outras misturas compõem o meu doido repertório: os Djakas e os Timbila Muzimba, dois grupos de Moçambique que fazem uma notável combinação de sons tradicionais e contemporâneos; Sara Tavares é tão doce e suave como a brisa do meu Índico; João Pedro Pais e Rui Veloso, a poesia neles, assim como Adriana Calcanhoto e Elis Regina. Na verdade essa é outra lista muitíssimo grande e dela fazem parte Tracy Chapman, Ray Charles, The Platters, ABBA e os Queen.

6) O que está objetivando para o futuro?
Futuro… Espero que esteja a falar do meu futuro…! Não direi que não me interesso pelo futuro, mas não sou um ‘futurador’, não gosto de adivinhação ou predicção. Lembro-me agora de uma expressão atribuída a Einstein que se encaixa em mim pois também “ […] não fico preocupado com o futuro pois ele não tarda a chegar”. Penso assim, entretanto de algum modo esse meu “dadaísmo” influi ou intromete-se na minha opinião social e política. Não quero parecer antinómico mas assimilei, como estudante de administração e políticas públicas, o valor dos planos e da planificação, porém uma parte expressiva dos eventos da minha vida não foram intentados, simplesmente ocorreram como efeito de outros eventos inexpressivos também não planeados.
Tenho uma paixão pelo passado e pelo futuro, e assumo que é por isso que sempre tive a necessidade de escrever um diário, mormente devido ao passado, não habito nele… mas a linha entre o passado-presente-futuro é tão ténue que não existe um fim determinado, é quase invisível a distância entre eles. Perfeccionista que sou, tenho o hábito de exigir mais de mim, e isso faz de mim um indivíduo não muito sorridente. Já me chamaram de irresponsável por não ver o futuro de uma forma… comum, não objectiva. Evito certos conteúdos, não falo de matrimónios ou filhos, enfim, gostaria de ter o doutoramento aos 30 anos e fazer uma interrupção na escrita assim que conseguisse a marca de 10 livros publicados, um retiro.

7) Já tem livros escritos? Quantos? Quais?
Não gosto muito de “livro” em literatura, mas chamá-lo de “obra” também não muda muita coisa. Livros escritos…, devo ter por aí uma dúzia. Não fui um escritor precoce, o meu primeiro livro foi uma banda-desenhada, aos 11, mas este não conta. Considero uma contagem fiel as obras publicadas ou em editora. Apenas ‘O Homem dos 7 Cabelos’ está nas prateleiras moçambicanas, ‘O Ressurgir Sombrio’ está disponível em e-book para download livre, ‘Kanova e o segredo da Caveira’ e “Viagem pelo mundo num grão de pólen’ sairão em Setembro, ‘Setenta vezes sete e outros contos’ e ‘Jasiri e o pacto ambiental’ aguardam a aprovação da editora. Colectâneas de poemas e contos dispersos jazem empoeirados nos arquivos do computador…, já me esquecia, estou a fazer uma triagem especial aos poemas que andam por aí, para um editor brasileiro, pensei em intitulá-lo ‘Coisas da Terra e Coisas da Vida’, ainda mudo de ideias…

8) Tem planos de voltar para a terra natal? Quando?
(Risos) … Claro que sim… Já escrevi sobre isso no meu web-diário, não acredito numa vida fora de Moçambique, é uma estúpida crença, diria até nacionalista, mas amo Moçambique acima dos seus problemas arraigados, vivos desde a instituição da república. Não sou nada longe da minha família, da minha gente, não sou muito útil cá… Quando? Muito em breve, em Julho!

9) E quais os planos, para quando voltar?
Essa é a pergunta que vale cem milhões mas uma vez que não gosto de planear a minha vida, não me preocupo muito! Acredito que farei o melhor, deixar ficar uma agenda não me ajudaria em nada!
Foto: arquivo pessoal - PPL

19.6.13

Terça-feira, 18 de junho de 2013 - Liderança constrangida

Foto do arquivo de Paola Penna - Facebook
Tento entender o que deu certo na segunda e o que pode ter acontecido ontem, com a disseminação da violência protagonizada supostamente pelos mesmos militantes do dia anterior.

Somos um todo feito de partes díspares. O corpo que trabalha pode estar ressentido com uma unha encravada que dói. É isso, os gladiadores que apostaram na violência de ontem, são os cânceres que vivem a solapar boas propostas, intransigir no avanço das ideias, atrapalhar o avanço da turma do bem, botar areia no meio da graxa de uma máquina que lentamente tenta se mover para sair do marasmo em que esteve metida por tanto tempo! É o ´corpo social´, no exercício pleno daquilo que foi advogado desde os tempos da Grécia antiga, e que sempre é retomado quando a sociedade repentinamente acorda e dá um "chega, não aguentamos mais!".

Mas eles - os doentes - não! Eles são profissionais a serviço de um mal maior, porque sequer os divisamos na neblina dos acontecimentos. No calor da hora, quando percebemos, eles já estão cometendo seus sacrilégios contra o próprio corpo que habitam. Quando damos conta, eles já estão lá, aproveitando suas libertinagens provisórias para fazer bobagens, triunfando pontualmente diante das câmeras que vibram com o sangue, a baderna e a zorra geral. Eles - essas pústulas do corpo - não querem a revisão do preço das passagens, eles querem atrapalhar a passagem. Eles - feridas abertas na pele da cidade - não querem a melhoria da saúde, eles são a própria doença social. Essa corja de pilantras e pilintras (escondidos atrás de bandanas, de fardas, de ternos lustrosos, de discursos simplistas, das frases gritadas e de demagogias sofríveis), eles não querem avanços na educação, preferem sempre o contrário, a confusão, a glossolalia, a desinformação.

Eles - micróbios que sugam toda a energia da massa protestante - não querem segurança, aliás, crescem - e aparecem - justamente na insegurança e no improviso de momentos que poderiam ser de grandes conquistas. Mas não, esses bichos à solta no meio da turba querem mesmo é a zona, não a prática proativa da autogestão para o bem coletivo. Ao contrário, o que a selvageria dos seus atos traduzem com muita eloquência é que aproveitam-se, isso sim, das sombras da multidão para macular mais ainda um corpo que já está cansado de sofrer com os desmandos ditos ´oficiais´. E os ´oficiais´ do poder (político, financeiro, religioso, midiático etc) têm comichões de prazer quando percebem que a bandalheira tomou a frente da civilidade.

A doença que nos habita - a sociedade, a nação, a coletividade - deve ser severamente vigiada, combatida, atenuada. Já não bastassem tantos outros inimigos com os quais devemos lutar, diariamente...
O idiota: ´micróbio´ social (Fotos do arquivo de Black Bloc - RJ)

18.6.13

Segunda-feira, 17 de junho de 2013 - Tempo bom na Sampalândia

      Sei, já é terça. Não consigo dormir, a noite foi muito boa. Está sendo muito boa.
    Saí de casa já no princípio da noite, mas encontrei uma multidão junto à Ponte Estaiada, região do Brooklyn. Iam pacificamente para os lados da Globo. Não sei quais eram as intenções, tampouco me preocupo. O que não faltam ali são símbolos/ícones/istátus que sirvam para expiar a insatisfação da plebe: o Palácio do Governo, o megalomaníaco Shopping JK Iguatemi, o World Trade Center e outros edifícios faustosos da Marginal Pinheiros, a própria Rede Globo e outros etecéteras.
      Sei que na volta, lá pelas 10 e meia, ainda com muita gente nas ruas, o trânsito já liberado nas principais avenidas, um pequeno tumulto na estação Berrini, logo amainado e a juventude toda entoando um "oooô, o povo acordou!”, um refrão de fazer arrepiar os pelos do braço. E mais, quando ouvi “que coincidência! Não tem polícia, não tem violência!”, compreendi então, esta nós ganhamos!
      Mas... até quando? Como?
      O porquê já sabemos, mas ainda não tenho certeza se as coisas correrão como previsto. Logo logo vão cercear a internet (sim, os caras sabem que muito, mas muito mesmo, dessa mobilização foi feita via redes sociais, então, logo darão um jeitinho de cortar as asinhas que ganhamos nessas últimas semanas). Logo logo vão nos empanturrar com uns escandalozinhos básicos para nos fazer esquecer das questões primordiais, logo logo receberemos nosso quinhão de ´outros problemas´ e aí as raposas de novo revelarão seus viços e vícios, renovados, com a arcada dentária por mais sangue inocente.
     A imagem abaixo, emblemática, recolhi da internet. Diz tudo, em meu modesto entendimento.
O aumento do preço da passagem é válvula de escape para outras insatisfações (foto José Patrício/Estadão)

16.6.13

Resenha de João Caetano do Nascimento para "Antes de Evanescer"

Foto: Divulgação


Sobre Escobar Franelas e o livro Antes de Evanescer

Acabei de ler o livro de meu recente amigo Escobar Franelas, cujo título é Antes de Evanescer. Logo na abertura do romance, ele faz a advertência de que os fatos narrados aconteceram na época em que a organização criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) fazia diversos ataques contra instituições militares e civis. Quem estava na cidade de São Paulo, naquele período, lembra-se certamente das ruas desertas, do silêncio medroso na noite, das casas fechadas, da Polícia Militar acuada, a mostrar sua limitação e despreparo enquanto organização policial.
Essa ligeira advertência inicial permeia toda a nossa leitura do livro, paira como uma nuvem de chumbo a envolver a narração. A trama, a princípio, é aparentemente ingênua, transcorre num mundo de adolescentes e suas descobertas da vida, do amor e do direito a sonhar. Mas sabemos que esses sonhos estão condenados a se espatifarem no duro rochedo da realidade.
Escobar Franelas, no entanto, leve a narrativa com uma sutileza poética. O choque dos sonhos juvenis com a realidade é tecido lentamente, esses sonhos vão evaporando, evanescendo, o que torna talvez nossa certeza do trágico que poderá sobrevir ainda mais angustiante.
Como pano de fundo da narrativa está um Brasil injusto, desigual, a separar amigos, a acentuar discriminações, a gerar revoltas incontroláveis e desorganizadas, na forma da violência urbana como crimes, sequestros e mortes. Ações irracionais que não apontam para os caminhos da transformação social. Escobar lança também seu olhar crítico à classe média em ascensão, aos novos ricos, desesperados em cortar laços com o passado de pobreza e assumir valores de uma elite podre, preconceituosa e sem valores humanos.

O inimigo errado

Um aparente equívoco leva a personagem principal, o jovem e pobre Léo, a ser confundido com o amigo rico, também apelidado de Léo. Então, a fúria dos pobres volta-se contra os pobres, pela incapacidade de entender a verdadeira raiz do problema parece nos apontar Escobar Franelas.
Antes de Evanescer é um mergulho nas águas turvas da realidade brasileira, com sua violência social, mas há também presente na narrativa, não de forma explícita, uma esperança de que as coisas poderiam e podem ser diferentes. Os jovens vislumbravam essa saída na arte, com seu mágico poder de criar, unir, encantar. Mas há ainda a questão política, da qual a arte, se quer ser verdadeira, não pode fugir: qual é o Brasil que queremos?
Escobar Franelas, felizmente, não foge dessas questões, embora, com sua aguda lucidez, não nos imponha respostas prontas. Num tempo onde tudo é rápido, superficial, é alentador descobrir que há gente que pensa, reflete, busca entender a vida em toda a sua complexidade existencial. E o romance é, em minha opinião, um dos melhores instrumentos de mergulho nessas realidades que nos cercam.
Recomendo a todos e todas a leitura de Antes de Evanescer. É o primeiro romance do autor, o que nos alenta saber que outros virão por aí. 

João Caetano do Nascimento - jornalista
https://www.facebook.com/joaocaetano.donascimento.1/posts/152031451650556


Serviço
Antes de EvanescerEscobar Franelas
119 páginas - Capa Patrícia Guerreiro
Scortecci editora
Preço R$ 15,00
Contato com o autor: efranelas@yahoo.com.br

13.6.13

Eu e Thina Curtis na Jornada Cultural - Sto. André

     Chego meio afobado na Biblioteca Nair Lacerda, ali na Pça. 4º Centenário, bem no centro de Santo André. Mas, aparentemente, tá tudo bem. ´Combinei´ com o Marcatti que enquanto eu não chegasse ele ficaria ali, segurando a onda, parolando, trocando ideias com o público, entretendo as pessoas. A Thina parece um pouco mais avexada comigo, chega, "oi, estava preocupada com você!" Eu, com cara de nuvem: "desculpa, me perdi mas tá tudo bem, só vou ali tomar uma água. Já volto!"
     Vou, bebo, volto. E o Marcatti ali, segurando a onda pra mim, pra nós. As horas avançando devagar, o papo do cara pra lá de legal, muitas histórias, memórias, coisas que fez e faz pelo quadrinho nacional. E a independência? Ele fala dela com uma naturalidade e maturidade. Conta como se livrou do fardo das editoras e hoje trafega livre produzindo seus trabalhos. Me remexo todo, afinal, estou ali justamente para falar disso - independência, mídias livres, essas coisas - com a Thina, logo depois. Caramba, o cara tem muito mais estrada que eu e está falando do meu assunto! Pronto, esgotou! Não tenho mais o que falar. Sofro calado com a ideia de sucedê-lo e manter acesa a mesma chama na plateia. O cara tem história, eu, apenas "tenho umas histórias pra contar".
     Marcatti é sábio, dominador, tem repertório curtido na prática. Caminha pro fim com sobriedade, dá um trato nos assuntos gerais e eu fico com a árdua tarefa de prender a atenção de um público que naturalmente vai debandar, tenho certeza. Acaba sua palestra, começa o obaoba dos autógrafos, aquela coisa gostosa que todos nós gostamos, essa afagada no ego. E, adivinhem!, o público vai saindo, a maioria não sabe que existo. Ficam os gatos pingados.
Marcatti: "eu não sou livre, sou independente. Livre é o artista, e eu não sou artista" (foto Gilberto Xis)
     Coço o rosto, olho pra cada um dos convivas, sobreviventes que ficaram pra meu bate papo, a conversa informal e... ah, deixa de onda, vamos lá! Thina começa tudo: precisa, me apresenta. Nascida no mesmo movimento que eu, o agito punk que sacudiu a Pauliceia na década de 1980, fanzineira devota e praticante, ms Curtis começa o debate. Por conta desses tropeços da vida que não se explicam, sequer se justificam, nunca nos esbarramos, até que em março desse ano nos encontramos na 1ª Feria Literária do Centro Cultural da Juventude (CCJ), e nos tornamos os amigos que sempre fomos. A partir daí, naturalmente, começamos a trocar palavras até o convite dela para participar desta Fanzinada, dentro da Jornada Cultural de Santo André 2013. O evento é bem parecido com a Virada Cultural de São Paulo, mas com uma programação voltada para contemplar as demandas específicas da cidade do Grande ABC.
Thina Curtis e eu (foto Celso Machini)
     Sem delongas, vamos aos fatos: Curtis se apresenta e me apresenta para o ´resistente´ público presente. Tento ser simpático, nunca tenho certeza se consigo. Alguns sorriem de minhas colocações mal elaboradas, toscas, às vezes. Sigo em frente, falo de minha formação, da importância do movimento punk em minha adolescência, do encontro com o hip-hop, do diálogo com as várias possibilidades estéticas que foram surgindo, dos poucos acertos e dos muitos erros em minhas decisões. 
     Paro, respiro, peço pra minha parceira tomar minha palavra, se necessário. Tenho a mania de querer explicar demais, relatar tintim por tintim e, como cantava Renato Russo, quem "fala demais é porque não tem nada a dizer". Ela educadamente, faz uns remendos nos meus desacertos verbais e eu retomo ao assunto. Comento da minha iniciação no mundo da literatura, os primeiros poemas, os primeiros concursos, os primeiros artigos. Entrego de bandeja o Jornal do MAL, zine porcalhão que fiz com amigos lá por volta de 1988, até chegar ao momento mais próximo, de intensa atividade internética. 
     Aos poucos, as pessoas começam a interagir, tirar dúvidas, questionar, duvidar e então o papo fica do jeito que gosto, com muita troca de ideias, informações e histórias, as inteligências em combate. Pode parecer meio demodé mas é aí, na arena da troca de experiências, que me sinto mais em casa. Sou provocado, provocam a Thina também (mas ela não vale, é ´café com leite´, tem muitos fãs e amigos na plateia), e vou costurando os assuntos que domino. Quando alguém traz à tona a necessidade  de se discutir a questão do copyright, da autoria no mundo virtual, declino, passo a bola. Não manjo do assunto. Curiosamente, a conversa flui melhor aí, esquenta, convida muito à participação. Mas então já está perto das 8 da noite, hora de fechar a biblioteca, ir embora. 
     Sou convidado a retornar outra vez, para um novo debate, talvez uma oficina, mas acho que é mais um afago cidadão que o pessoal de lá - gentilíssimo, por sinal - quis passar em meu rosto. Sei que falei, falei pra caramba. Mas tenho dúvidas sinceras sobre a importância do que digo.
     Seja como for, ganhei vários novos amigos que já estão na rede feicibuquiana e, na moral?, esse é o melhor presente que ganho nessas andanças por aí. Essa a independência que quis falar, que era o tema central da conversa.
Público presente: ´resistente´ (foto Celso Machini)

2.6.13

3º Blablablá na Casa Amarela - Como foi?

Mesmo no meio de um feriado prolongado, mais de 20 pessoas acorreram à Casa Amarela para o Blablablá (foto Akira Yamasaki)
     Bate quatro da tarde, a hora de iniciar e sequer os convidados tinham chegado. Não confesso a ninguém, mas estou gelado. Será? Fim se semana prolongado, acho que o bicho vai pegar! Ontem já tive uma prévia disso, quando fui ao ECLA prestigiar os icônicos Gildo Passos, Sílvio de Araújo e Akira Yamasaki, e tomei um susto. Se nem eles conseguiram arrastar a multidão que os acompanha, fudeu; que direi eu? Mas no meio do meu desassossego, a Rosani chega, justo ela que, dos quatro convidados, é a que mora mais longe! Sem mais sofrimentos, junto com ela, aflora em questão um público legal que vai cehgando e, de repente, a Casa Amarela já está "gorda". Chega o Daniel "sorriso", o Batalhafam e, por fim, baianamente, o Sacha, sempre cumpridor de seu próprio horário.
     Senhoras e senhores, está aberto o 3º Blablablá, uma investigação mensal sobre produção cultural independente no universo periférico que a Casa Amarela está fazendo.
Sacha Arcanjo, liderança pública inquestionável e artista inspirado (foto Luka Magalhães)
     Convido a mesa para uma breve apresentação e exposição de seus trabalhos. Então Daniel Marques (ator, dançarino, educador e um dos mentores do sarau O Que Dizem os Umbigos? - Itaim Paulista), Rosani Abou Adal (poeta e jornalista, editora do jornal Linguagem Viva), Zé Carlos Batalhafam (poeta, prosador e historiador, criador do Sarau do Nhocuné) e Sacha Arcanjo (cantor e compositor, coordenador da Oficina Cultural Luiz Gonzaga), começam compartilhando com o público um pouco de suas historias e suas artes. João Jr., exímio percussionista que está presente para ouvir o debate, dá uma canja durante os dois números introdutórios de Sacha.
     Após esse aperitivo inicial, principio a conversa inquirindo Batalhafam sobre questões éticas que permeiam a sua produção cultural, um dos vetores de suas motivações. Ele responde, de pronto que foi inspirado, entre outras coisas, pelas ações do Movimento Popular de Arte (MPA), e que sempre toma suas decisões pautadas por posturas que não derivem exclusivamente da questão financeira, e esta condição é uma facilitadora das proposições que consegue levar adiante. Bingo!
    Daniel, a quem lanço a mesma provocação, enumera um balaio de situações vividas e que exemplificam o desamparo vivido quando o sarau que dirige acontecia na Casa de Cultural do Itaim Paulista. Lá, segundo ele, havia muita dificuldade para resolver qualquer questão que exigisse algum trabalho que implicasse alguma modificação na infraestrutura dos eventos. Se tivesse que pedir um microfone a mais, vaticinou, era um problemão. Daniel credita a isso o fato os funcionários do espaço serem funcionários públicos alocados sem critério, em funções para as quais não estavam designados quando de seus concursos. Por isso a sua dificuldade em trabalhar nestes equipamentos e o porquê o "Sarau dos Umbigos" ter sido levado para a quadra da Escola de Samba Unidos de Sta. Bárbara, onde, confessa está "muito mais feliz".
Daniel e Batalhafam, "o sorriso também é uma ideia" (foto Luka Magalhães)
     Convocada a somar com suas ideias singulares e fazendo uma radiografia detalhada de sua vida art´sitica e jornalística, Rosani evoca sua experiência como editora de um jornal, o Linguagem Viva, que ela fundou em 1989 e dirige desde então. Consciente de seu papel articulador, aproveita a oportunidade para especificar fatores que permitem dar vida tão longa a um jornal independente. Cita, entre vários exemplos, a importância das parcerias, pauta-se na coerência editorial e ideológica, no apuro jornalístico no trato das matérias e a articulação política na defesa da classe.
     Sacha é o próximo a ser chamado a falar. E não economiza nas palavras. Faz uma digressão cronológica atenta, com a autoridade de "representante" há mais de quinze anos de uma classe fadada à crítica via senso comum - funcionário público nomeado. Faz uma assertiva e coesa explanação de como funcionam as articulações burocráticas, permitindo a muitos que entendam melhor como funciona "a máquina" estatal. A partir daí, também ajuda a elucidar tramitações que passam ao largo da compreensão da maioria, e ajuda assim a tirar um pouco da fumaça que impede uma relação mais equilibrada entre poder público e atores sociais.
Rosani, Daniel, Batalhafam e Sacha: inteligências múltiplas (foto Akira Yamasaki)
     O público não foge à discussão. Beto Rio, Luka Magalhães, Sueli Kimura e Ulisses Oil, ajudam a sucitar dúvidas e proposições, trazendo à luz várias questões que vão sendo elucidadas ou ao menos discutidas. Arnaldo Bispo, poeta e advogado, pergunta sobre a guerra de vaidades no qual o artista atua, e sobre como isso pode ser trabalhado a favor da arte do coletivo. Akira Yamasaki, poeta, ativista cultural e um dos gestores da Casa Amarela, questiona se os que criticam têm projetos de fato ou estão apenas reproduzindo uma reclamação feicibuquiana. "Eu não tenho grana pública ou privada pra tocar meus projetos, mas se tivesse essa grana eu pegava, numa boa, porque eu tenho projeto, eu tenho projeto, cara!", assevera.
     As contradições são colocadas na mesa, colocações dispersas ficam sob a prova-dos-nove, predicações são sujeitadas aos fatos, predileções são duvidadas. Severino do Ramo e sua poesia visceral são relembrados. Ferreira Gullar, idem. Daniel, aproveitando uma dada oportunidade, elogia o nome do projeto, pois como ele mesmo preconiza "O nome Blablablá é genial, pois a gente precisa disso, conversar, né?". Ao que Sacha complementa, "aqui (A Casa Amarela) é uma casa de cultura". Rosani vai mais longe, "é genial o que vocês estão fazendo aqui!". Mas se começaram a afagar o ego do espaço, é melhor parar por aí. Olho pro relógio e vejo a hora ultrapassada. A conversa caminha para o fim, tenho que encerrar.
     Convido os quatro para um brinde final: com os recursos enriquecedores de seus corpos, Rosani e Daniel trazem mais poesias lúcidas (e lúdicas) para a plateia. Batalhafam traz sua poesia sempre refinada, cozinhada em fogo brando ou laborada como vinho elaborado pelo mestre artesão em conluio com o mestre tempo. Sacha, por fim, canta e encanta. Atendendo o público pidão, ele bisa e trisa seu número. E eu, advogado do diabo, sou obrigado a mandar todos de volta pra casa. Mas como dói ser um bicho assim, metido a cumpridor de horários! Que venha o próximo então! Em 06 de julho vamos blablablar de novo!
Público que antecede o Blablablá de junho (foto arquivo Akira Yamasaki/Sueli Kimura)
Fim do papo no Blablablá. "Fim do papo?" (foto arquivo Sueli Kimura/Akira Yamasaki)
Célia Yamasaki e Sueli Kimura: estafe luxuoso da Casa Amarela (foto Akira Yamasaki)


Poema de Akira Yamasaki publicado no Facebook hoje, doze horas depois do fim do Blablablá:


o blábláblá de ontem


blábláblá é papo furado
é lero-lero é lenga-lenga
não leva a lugar nenhum
é conversa fiada, arenga
e por ser prosa de boteco
nunca soma um mais um
ladainha oca sem sentido
tititi, peroquessi, blábláblá
discurso em plenário vazio
o patacolá é patati patatá
porém lá na casa amarela
há um concorrido blábláblá
mediado pelo vate escobar
machado drumond franelas
onde enganação e bravata
não tem guarida nem lugar
um tal de daniel marques
grande poetator e agitador
ontem mesmo baixou por lá
com sacha arcanjo, o poeta
de são miguel, compositor
com eles vieram a tiracolo
a poeta rosani abou nadal
e o poeta maior batalhafan
que converteram o blábláblá
em raro e inesperado sarau

akira – 02/06/2013.