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27.2.13

Resenha - Livro: "Em Águas Profundas" (David Lynch)

Em Águas Profundas é um livro irregular de um cineasta irregular. David Lynch, que também é pintor, tem uma filmografia coerente com seu discurso anárquico e surreal (vide os excelentes Veludo Azul e Eraserhead, os incógnitos Cidade dos Sonhos e Império dos Sonhos; e o fraco Coração Selvagem, entre outros). Ele sempre lembrou em entrevistas e depoimentos que pratica a meditação transcendental. - Ótimo! E resolveu agora escrever um livro que trata do assunto. - Maravilha!

Mas em se tratando dele, David Lynch, o assunto nem sempre é "o assunto", a história pode ser contada por outras vias; para chegar a um fim vale-se de vários meios. E essas interrogações o livro traz sem méritos. Se no cinema a história não se resolve, pelo menos temos uma analogia com a verossimilhança, o efeito narrativo e a lógica da vida, já que a mesma é assim, um tabuleiro de xadrez com infinitas possibilidades de darmos (ou tomarmos) xeque-mate.

Mas para um livro que se propõe a vender um peixe (grande, por sinal), Em Águas Profundas acaba por criar uma expectativa que nunca se completa. Mais grave, não ficamos sabendo o que é meditação transcendental. A obra não explica o que é isso, não conta sua história no Ocidente(deduzindo que práticas de meditação são provenientes sempre do Oriente), não ensina iniciação, não dá endereços, sequer faz "fofoquinha" do tipo "fulano pratica" ou "beltrano já experimentou".

Isso não é de todo um mal em se tratando de David Lynch. De certa forma é até previsível. Quem acompanha sua filmografia sabe que ele tem um estilo único em criar climas e depois deixá-los à revelia. Mas o cinema dele se apóia em ótima arquitetura musical (aliás, nesse Em Águas Profundas, o cineasta fala muito de seu parceiro musical, o maestro Ângelo Badalamenti), excelente fotografia, recursos de luz usados com inteligência perspicaz, tipos humanos e sociedade inteira criados com crivo de verdade absoluta. A sua cultuada série televisiva Twin Peaks, exibida na Rede Globo na década de 1990 e agora disponível em DVD é prova inconteste disso.
A obra incógnita de Lynch
O livro, contudo, não chega a esta forma de resolução. Anêmico, se reduz a clichês como "somos como lâmpadas. Quando o conhecimento começa a crescer dentro de nós, isso é como uma luz; essa luz afeta o meio ambiente"; auto-ajuda - esta sim - transcendental: "adoro esse ditado: ´o mundo é como você é´. Acho que os filmes são como você é"; cinismo galhofeiro em "algumas vezes as pessoas dizem que não conseguiram entender um filme, mas na verdade entendem muito mais do que percebem..."

Ainda assim intuo que este livro foi um projeto ambicioso para angariar fundos para sua causa social, a www.davidlynchfoundation.org. Como militante pacífico que sei que ele é, necessita às vezes vender peixes pequenos como se fossem grandes tubarões, ganhando no blefe um jogo que eu, por exemplo, sistemático e linear, daria por perdido. Mas ele não, ele é artista.

Aliás, o que é mesmo meditação transcendental? O negócio é apelar: "São Google que estás na net..."
Lynch nas alturas (Foto Ricardo Moraes/Associated Press)

* Ed. Gryphus, 2006, 1ª. Ed. Brasil 2008, 194 p., "Catching The Big Fish", Trad. Márcia Frasão, ISBN 978-85-60610-12-9

25.2.13

Um poemeu: "Sob(re) o levante jirradista"


Segundo o jornalista
o Mali não é o novo Afeganistão.
Tampouco um Africanistão.

(penso, "seria um povo acristão?")

o Mali, agora (enquanto
balançamos nossas cabeças
e lemos velhos jornais)
é apenas o Mal, ali.

Ilustração: foto de arquivo

19.2.13

Universo, universo, Poesia, poesia




Folheio a Folha do último sábado, dia 16. Dou de cara com a coluna do Marcelo Gleiser, físico que admiro muito, não sei se por escrever bem, traduzindo para uma linguagem "mais humana" e menos pedante temerosas questões fadadas ao tecnicismo científico, ou talvez porque o cara pareça bom mesmo naquilo que faz.
O texto, "Universo ou universo?", de sua autoria, traz uma discussão um tanto sem sabor, pra falar a verdade. Questiona, por que determinadas pessoas (jornalistas, por exemplo), às vezes escrevem "universo" com "U" maiúsculo e, em outras tantas, em minúsculo? A explicação do Gleiser é pertinente e interessante (ainda que eu pense - um pouco - "ao contrário"), mas, mesmo assim chamou-me a atenção a ideia de universos (mais de um, muitos, infinitos e dispersos, só pra forçar uma rima básica aqui, e porque a minha ideia de universo aqui se compactua com a dele, a de que há vários), e que ele, poeticamente, chama de multiversos.
Justamente aí o texto me ganhou. Adoro descobrir versos em hora prosaica. Uma simples palavra - poesia - delineou um campo imagético para o qual dou suspiros a torto e a direito: Poesia.  Ah, Poesia! Ave, Poesia!
Penso aliás, que não entendemos, muitas das vezes, poesia em si. Calma, calma, calma, que explico melhor: poesia, em meu rude entendimento, às vezes pode estar numa única palavra, um flagrante exclusivo, um mergulho inédito. Acho que esse talvez seja o grande débito dos "versejadores" do mundo contemporâneo com a fatura que um poema requer: a sublimação não contida, fruição que não se interrompe, uma efêmera visão do Paraíso, a gota da mais inebriante das bebidas jamais desgutadas em qualquer tempo e sob qualquer circunstância.
Legislo: a Poesia já está contida, de cara, na própria palavra "poesia": sonora, incontinenti, rítimica, vivaz...
A palavra Poesia é, sozinha, pura poesia.


Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcelogleiser/1231779-universo-ou-universo.shtml

17.2.13

Livro - Resenha: O Silêncio do Delator (José Nêumanne)



Em "O Silêncio do Delator", o escritor e jornalista José Nêumanne utiliza como fio-condutor da história as músicas "Sergeant Pepper´s Lonely Hearts Club Band", dos Beatles, e "Bringing It All Back Home", de Bob Dylan. Como epígrafe de cada capítulo, o poema "Inventário" de Pedro Paulo de Sena Madureira.

O enredo nos diz o seguinte: a partir de amigos e familiares que estão no velório de João Miguel, professor morto em decorrência de um câncer, o autor propõe um jogo sutil para testamentar as perdas e ganhos da geração da década de 1960. Para tanto, usa um emaranhado de tempos diferentes para situar o florescimento e crescimento da turma de amigos do morto, a Patota dos Sovacões Solidários do Recruta Pepé - como eles autodenominavam na adolescência, e, óbvio, uma paródica decupagem à brasileira do título do disco dos Beatles - e o que essa época legou para o próprio grupo e às gerações futuras.

Essa "confusão" temporal estabelece num átimo um conflito quanto àquilo que estava sendo discutido e/ou vivido no período da pré-juventude da turma, com  o tempo presente dos mesmos personagens, numa análise aguda e fria, mas não isenta de paixões e interpretações controversas.

O defunto apresenta uma das versões da história, em 1ª. pessoa, dialogando com outros narradores em 3ª., num recurso intertextual quase anedótico. O texto constrói-se em camadas diferentes e até divergentes num vai-e-vem que não cansa, mas cria uma tensão metaestilística. Neste repuxo entre fluxo e contrafluxo, acompanhamos fatos que se sucedem no momento do velório, com seus arrazoados críticos; interseccionados com histórias das experiências da turma no final da adolescência, e sua iniciação musical e filosófica, os primeiros contatos com diversas drogas, a descoberta do sexo e o absurdo à Camus, descortinado a partir das opções feitas no calor de momentos únicos da vida de cada um.

José Nêumanne recupera na sua prosa, toda uma gama de tipos prosaicos frutos de uma época que abalou todo um sistema social mofado em cinismo e hipocrisia. Depois de acompanharmos as aventuras, desventuras, jogos amorosos e caminhos trilhados pelo publicitário afamado e rico que quer se tornar escritor reconhecido, a historiadora culta e mal amada, o roqueiro gay famoso, o socialista que virou um burocrata a serviço da democracia capitalista, do guerrilheiro que virou trapo humano bem sucedido em suas especulações na bolsa de valores, e tantos outros tipos cotidianos; constatamos que a tal hipocrisia e o cinismo continuam muito bem casados, apenas mudaram de roupa, discurso e época. Verdade soberana, irrefutável e irreversível: renascem como erva daninha, sempre em outro lugar, com um novo modus operandi, sempre que os imaginamos sepultados.

"O Silêncio do Delator", porém, está longe de ser down, niilista ou piegas. Vencedor do Prêmio José Ermírio de Moraes, da Academia Brasileira de Letras, como melhor livro do ano de 2004, é todo permeado de humor noir, principalmente nas "tiradinhas" fabulosas do morto. Dono de um rico detalhamento do pensamento universal deixado por aqueles que construíram esses últimos 50 anos, o livro trata(e fala) com desenvolvura de Bergman, Elis, Chaplin; passa por Fellini, Elvis, Buñuel e - claro! - Beatles e Bob Dylan, e muitos, muitos outros. A vida de nossos pais se recupera em nós(como foi brilhantemente versificado por Belchior), e as velhas(e as novas) drogas, o déjà vu existencial, a incógnita de onde situar Marx e Sartre nos dias presentes, a sempre inevitável "revolução" jovem; tudo, tudo mesmo, está lá, numa história sinuosa e engraçada da "Patota dos Sovacões Solidários do Recruta Pepé", mas bem poderia ser da minha turma, ou - quem sabe? - da sua...

*(A Girafa Edit. - 2a. ed. 2005 - ISBN  85-8986-51-9)

15.2.13

Livro - Resenha: Grito Calado Atrás das Grades (Prisioneiras Políticas de Punta Rieles, Uruguai) - org. Yamila Salerno

A poesia se nos apresenta de maneiras tão múltiplas, que vez ou outra, nós, os leitores de Poesia (com "p" maiúsculo(de músculo) mesmo), nos encontramos num óbice existencial, quase que obrigados a afirmar nossa pequenez diante da vida, do pensamento e do mundo das idéias. Quem lê Mário Quintana, "desvestido", por exemplo, terá de adotar uma outra postura para ler um beatnik. Adélia Prado pode, circunstancialmente, ser paralela, oposta, convergente ou justaposta a um Camões. E esse difere de um Paulo Leminski, que pode ser o igual ou o contrário de Maiakovski, antítese e síntese de João
Cabral.
Estava em dúvida entre (re)ler uma das (monumentais) obras de Maria José Giglio, poeta incandescente porém reclusa em São Roque, SP; ou voltar ao esmeril vocabular de Aricy Curvello, com seu "Mais Que os Nomes do Nada". Qualquer um desses são fecundos propagadores de Poesia stricta, pura e in natura. São diamantes exemplares de como pode ser feita uma poesia de quilate ímpar hoje, nesse mundão Brasil. Mas eis que caiu-me aos pés, vindo não sei de que lado da estante, este libelo libertário "Grito Calado Atrás das Grades", organizado por Yamila Salerno, para a Global Editora, dentro da coleção "Poesia Necessária nº 2". Já o tinha lido na pré-juventude e ficara com seu gosto de azedo e sal na boca do estômago, inexperiente à época, para as gozosas fruições do prazer poético visceral.
Todo o livro que agora resenho é fino, de letras grandes, grandes espaços em branco. Compõe-se de escritos(de anônimos ou não), feitos nas masmorras do campo de concentração feminino Punta Rieles, no Uruguai, durante o período da repressão política que acometeu aquele e tantos outros países da América do Sul. Não são uma primazia artística, mas, antes, uma poesia natural, fluida, que traz no seu bojo o questionamento do homem, suas leis e suas imposições. Como na metafórica "Canção da Alface" (pg. 34):
"Já que a vida não se extingue
enquanto há raiz no chão:
a alface está bem vivinha,
não há quem a mate não!",

de autoria desconhecida.
Também não sabemos quem é a autora que avança suas questões no perfil poético e bucólico de "Te...":
"Pensei na rosa
que foi nossa um dia
e olhando suas pétalas
como que a estudando
hoje a vejo entreaberta
e não sinto perfume."
Hoje confrontando todo o arrazoado crítico que formei nesses quase 40 anos de vida, percebo que urge juntar aos pilares-mór da poesia universal (Pound, Bandeira, Benedetti, Mallarmé, Neruda), uns outros inúmeros nomes (até anônimos – como nesse caso), para estabelecer uma outra relação com a imantação poética propiciada pela leitura. Fruir ou viver Poesia nem sempre pode ser equilibrado numa simples equação rígida do conhecer profundo.


8.2.13

Um poemeu: "Fetiche de Borracheiro" (erótico)


Emilly, boneca, jambo, 18 anos, corpo de 16, motel/hotel, completa,

Náshara, coroa enxuta, ruiva, maliciosa, procura gatinhos selvagens e viris,

Aleiny, loira, exuberante, at. domicílio, tx 30, deixo 2x, c/ local,

Fabão, negro sexy, sarado, at. mulheres & casais, A/P,

Lilika, 26, travesti, branquinha, com flat, completa, “venha sentir ‘aquele’ tchan”, “sem medo de ser feliz”, local/domicílio,

Escobar, contador de histórias, inexperiente, independente, procura,

6.2.13

Um poemeu: "Afrescos" (erótico)



quando aprender a
usar a palheta
vai espalhar
porra nas tetas
e
ou
pintar um
arco-íris no boceta


(em hardrockcorenroll. SP: Scortecci, 1998, 1ª ed, p. 41)

4.2.13

Projeto Ronaldo Ferro - parte 1

Depois do estrondoso sucesso que foi o Bentevi, Itaim em 2012, a Casa de Farinha e o IPEDESH, retomaram na última sexta, 1º de fevereiro, um novo projeto, Ronaldo Ferro. Pelo que foi visto e experimentado por todos que estiveram ali, o ano promete!
O novo trabalho vem focado na mesma proposta do projeto anterior, ou seja, "ação entre amigos" para angariar fundos para gravação de um cd, no caso do guitarman homônimo. Para a primeira "passada de chapéu", o convidado ao palco foi o jovem simpatia Caio Vandré. Filho e irmão de cantores e compositores - Luiz e Vinícius Casé, respectivamente - Caio é fluido, leve, solto, como uma pluma majestosa, uma ave canora de canto majestoso.
Em seu show não faltaram sucessos - seus e de outros - todos com a marca da poesia precisa sobre os acordes bem desenhados, pelo mestre Ronaldo Ferro que, diga-se, o acompanhou solenemente, enquanto esbanjavam talento ímpares e complementares numa noite inspirada. E tome-lhes, em português e inglês, pra brasileiro ver e ouvir (e bem).
Antes, porém, o palco da Casa de Farinha recebeu um show de variedades inéditas e até então imprevisíveis. Akira Yamasaki, frontman de todo o projeto, tomou o microfone para destilar seus poemas suntuosos acompanhando pelo violão e a voz melíflua de Zulu de Arrebatá. Novas sensações não previstas, novas pérolas destiladas para o afã de nossos ouvidos e outros sentidos. 
Sou convidado a seguir para tantar com meus modestos recursos cênicos a climão que jà está criado. Não tenho o mesmo carisma, confesso. Mas Akira - bom moço que é - não me deixa sozinho, vem em meu socorro para costurar ideias e histórias com poesias incontestavelmente coloridas, sortidas e bem servidas. Servimos a todos com uma pitada de humor enonsense, mas não deixamos ninguém passar fome (pelo menos isso...). Depois de vários minutos de parolagem e lustração de egos, chamamos Ceciro Cordeiro, que chega improvisando, com o seu violão acelerado, a voz impetuosa e a virulência musical de sempre. E lá está Akira, de novo, absoluto (como sempre), ajudando a colorir a paisagem sonora com mais palavra, poesia e plasticidade, criando o terceiro duo improvável da noite.
Até que chegam Caio e Ronaldo e botam tudo pra fora, nervos, músculos, coração e mente, as vísceras saindo do forno improvisado de duas gerações que se encontram e naturalmente se afinam. Êxtase catártico no palco e no público.
Depois Zulu volta, e depois Beto Rio ("pai e mestre" de todos, conforme fico sabendo pela boca de terceiros)  e Silvio Kono (o "japaraguaio" mais original que já vimos, no achado poético de Akira), formando a quinta dupla do noite. Tudo, todos são contaminados por uma paixão inaudita pelo "estar ali", à solta, como lobos solitários/solidários juntos à matilha de convivas, eeternos parceiros, amigos, público e artistas, todos imantados pelo mesmo frenesi e que não se permitem desabraçar, apesar das horas que passam impiedosas. E depois de tudo, ainda tome-lhe conversa fiada, gostosa, sossegada, de gente que se ama, e ama esse convívio feliz. Nem preciso dizer que cheguei em casa com a madrugada já avançada. Mas querendo mais...
Ao Xavier, fotógrafo, poeta raro e proprietário do lugar, pedimos sinceras desculpas, já prometendo que nos próximos encontros, tudo se repetirá, e de novo pediremos as sempre inéditas desculpas. Amém!
Caio Vandré

Ronaldo Ferro
Silvio Kono e Beto Rios passando o som

Silvio Kono e Beto Rios passando o som
Ronaldo Ferro, o "dono" do projeto
Ceciro Cordeiro, incansável
Zulu e Akira - inusitado
O melífluo Zulu de Arrebatá

Caio Vandré, catarse contida
Silvio, Caio e Beto, asssitidos por Akira


todas as fotos de EF