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31.12.13

Primeira entrevista para o blogue Palavra Fiandeira, por Marciano Vasques

sábado, 16 de julho de 2011

PALAVRA FIANDEIRA — 63


PALAVRA FIANDEIRA
REVISTA DE LITERATURA
REVISTA DIGITAL LITERÁRIA
17/JULHO/2011
ANO 2 — 63

 NESTA EDIÇÃO:
ESCOBAR FRANELAS
"Meu viver é a experiência poética mais completa."
 Escobar Franelas — foto: Raquel Ramos
______________________
Exposição de Fotopoemas—Sacramento, MG —foto: Escobar Franelas


1—Quem é Escobar Franelas?
Escritor e videomaker paulistano. Depois de muito perambular, estou quase terminando uma graduação, em História. Gosto sobretudo de livros, mas também de artes em geral, filosofia e práticas ambientais sustentáveis. É sobre esse quadrado que minha vida está estruturada.
 Escobar Franelas —gravação do CD "Sacha 60" — foto: Akira Yamasaki

2—Já nos encontramos em algumas pontas de uma corrente serena formada por poetas, jornalistas, idealistas, sonhadores, que com suas antologias, suas páginas literárias vão conduzindo essa vontade de divulgar os fazedores de poesia e arte. Entre esses amigos, o Zanoto, que nos deixou recentemente, e o Selmo Vasconcelos, de Rondônia. O que é para você, participar dessa pulsação?
É participar – como você mesmo nos diz – da essência de uma produção devotada ao “fazer”, sem que isso seja simplesmente uma submissão às exigências financeiras ou midiáticas. A maioria desse pessoal (o antigo underground, hoje não sei que palavra usar com exatidão) produz cultura e arte no sentido mais profundo, pois não estão sob sistemas, formais ou não, de dominação de mercado.
A artesania vem da experimentação, ludicidade e prazer que nos levam aos gregos, onde a arte anelava-se ao sagrado. Entendo e professo a arte assim, como o sagrado que se manifesta em vida.

3—Tive a grata alegria de estar algumas vezes com Raberuan. Poderia, por favor, contar aos nossos leitores, sobre esse artista de São Miguel Paulista, de quem tanto gosto?
 Escobar com amigos, entre os quais o cantador Raberuan
Beto Rios; Akira Yamasaki; Escobar Franelas; Raberuan e Eliel Lima — gravação do cd "Sacha 60" — foto: Ceciro Cordeiro
Raberuan é um compositor inspirado, crooner versátil e cidadão como poucos. Não é um artista deslumbrado, antes, é um militante do humano que há na arte.

4—Como você “se achou” trabalhando no mundo do audiovisual?
Iniciei no audiovisual trabalhando numa finalizadora de VHS, em 1988. O videocassete tinha acabado de chegar ao Brasil e havia uma demanda muito grande na produção de filme para o mercado doméstico. Tornei-me operador de vídeo, depois aprendi a ciência da edição de um filme, tradução, legendagem, essas coisas. Com o tempo, veio a vontade de produzir alguma coisa, dirigir... foi aí que finquei parceria com um antigo parceiro, o Gilberto Tavares, com o qual até hoje fazemos manufaturas. Atualmente, estou terminando a montagem de um vídeo experimental sobre a poesia de Dailor Varela, um poeta seminal nas letras brasileiras dos anos 60, ao mesmo tempo que estou produzindo um documentário sobre o Movimento Popular de Arte (MPA), em parceria com o Giba e o Claudemir Santos. O MPA é a principal referência quando se estuda as questões artísticas e culturais na região de São Miguel nos últimos 30 anos.

5— Considero um poema de Bandeira o mais triste e belo de nosso idioma. Sei que gosta de Bandeira, e de outros poetas. Poderia nos dizer até que ponto o contato com a escrita de poetas consagrados pode influenciar o surgimento de um novo poeta?
Quando iniciei meus escritos, imitava o Bandeira pois achava que seria mais fácil escrever como ele, em branco e sem métrica. Quanto engano! Pois se não tenho rimas e metros, tinha que ter assunto, enredo e ritmo, coisas que aprendi (ou, pelo menos, julgo ter aprendido um pouco!) com o tempo, lendo, relendo e treslendo Bandeira.
Teve um momento que pensei em desistir, pois cria que não conseguiria jamais atingir o nível deles. Hoje convivo bem – aprendi com Quintana – sendo passarinho, figurante na beleza fulgurante da poesia brasileira.
Poeta Manuel Bandeira
6—Não podemos negar os benefícios da tecnologia, mas ao ver que estamos entrando numa nova era, será que a poesia, e as artes, podem contribuir de alguma forma para o retorno, ou melhor, para que a era humanista não se vá por completo?
Nunca perderemos essa verve, fique tranquilo. O máximo que acontece às vezes é que interesses de poder e capital dominam a cena por um período. Mas como bem sabemos, o mundo, a vida, são cíclicos. No dia que perdermos totalmente as referências humanísticas, não será mais mundo, ou, pelo menos, não seremos mais gente.

7—Você se assume e se reconhece poeta, “mesmo quando não está escrevendo”. O que é exatamente isso, o que significa se sentir poeta, ter essa consciência de ser?
Sou poeta não porque escreva poesia. Meu viver é a experiência poética mais completa. Isso é o que chamo irmanar a arte com o sagrado. Sempre defendo a idéia de que pode-se ser visceralmente poeta tomando café numa padaria barulhenta às sete da manhã, ou vivendo a intensidade do amor, mesmo que não se profira palavra alguma.
 Escobar Franelas —gravação do CD "Sacha 60" — foto: Akira Yamasaki

8— Você é fotógrafo, é artista audiovisual, é perfomance ambulante, é um camelô a repartir com as luzes da cidade a poesia que está no que pode ser imperceptível no cotidiano, mas pode também jorrar nos olhos de quem se atrever. A poesia é necessária em nossos dias, em nossa sociedade?
Poesia é necessidade orgânica. E, tal como o ar, só sentimos falta dela quando deixamos de “respirá-la” ou quando a sorvemos com as sujeiras que alguém lançou sobre ela.

9—Facebook e outros virtuais inauguraram uma nova era, sem dúvida. Em todos os sentidos. A criança que tem 9 anos, mas 20 no Orkut, etc. Como você traduz essa nova realidade que surge trazendo um novo espírito para a época?
Eu não ousaria traduzir, mas admito minha estupefação. Esse é o transe, a nova perspectiva que não foi dominada totalmente pelos capitalistas de plantão. O Cláudio Prado repete sempre esse bordão, as redes sociais no ambiente holográfico da internet são o novo parque de diversão, o pique-esconde que brinquei e meus filhos não brincam mais. Há uma nova maneira de ligar-se ao outro, novas formas de comunicação que fogem ao contexto de quem cresceu dependendo do mundo físico.

10—Se tivesse que escolher um de seus poemas para o nosso leitor, com qual nos brindaria?
Para não cansar os desavisados, vou com um de meus haicaos, bem curtinho:
A mobília imobiliza / a sala de estar / invente andar” (Tráfego)

11—O que seria para você o clímax poético?
É como o orgasmo, você não o explica. Mas vivencia a plenitude de seu acontecimento. Como explicar a densidade de Clarice Lispector, hein? Como colocar em palavras o que sinto quando leio Drummond? Não dá. Tudo o que falo de Borges, ainda assim não é o Borges legítimo, no original, que, aliás, todos deveriam ler – completo – pelo menos uma vez na vida.
 
Clarice Lispector
Clarice Lispector (divulgação)
12—Tem quem se supõe estrela por ter publicado o seu primeiro trabalho artístico, tem quem não consegue aceitar o outro, pelo fato de o outro não pertencer ao seu grupo, e tem aquele que apenas quer produzir arte, e seguir em frente, tentando embelezar o mundo, os corações e às consciências, e ainda tem os que “utilizam” a própria arte para denunciar as injustiças, etc... Onde vamos encontrar Escobar Franelas?
Putz. Questão difícil essa... Não sei falar de Escobar Franelas. Sabia que até inventei um alter-ego (e ainda por cima feminino!), só para tentar dialogar comigo? Chama-se Maria Dumário e desempenha o papel de psicanalista.
Então, vou pedir para ela responder essa questão. Bem, ela diz que Escobar é pura ficção, mentira das bravas! E pede para você tomar cuidado com ele. (hehehe)
Mas, tomando o microfone dela para retomar a palavra, digo que gosto mesmo é de escrever. A experiência de publicar não me realizou, como eu tinha imaginado. É bonito viver essa situação, os amigos, a festa, o reconhecimento. Mas gostoso mesmo, é ser surpreendido por uma idéia e dela se tornar prisioneiro, até que a coloque no papel.

13—Você tem um carinho especial pelos blog como espaço de cultura, de consciência, como “uma sala de leitura”. O que representa exatamente a blogosfera para você? E terá ela vida longa? Por quê?
É a nova sala de leitura, mais interativa, dinâmica, imprevisível. Sem dúvida ela representa a biblioteca. Hoje temos várias “alexandrias” a um clique dos dedos, e – incrível – não nos damos conta.

14—Certa vez eu comentei que era escritor, e alguém perguntou: qual o seu livro? Eu respondi que não tinha livro publicado, a pessoa murchou, mas eu continuei sendo escritor. Tem algo a dizer sobre isso?
Vejo duas saídas para questões como essa: tentar convencê-lo de que há erros em sua interpretação, ou dar de ombros e sair de perto. Na maioria das vezes, prefiro a segunda alternativa, que é mais rápida e facilmente aplicável.

15—Tenho um apreço especial pelos jornais de bairro, os jornais regionais. Acredita que, de um modo geral, quem tem paixão pela liberdade, busca a sua alma no jornal?
Acho que os jornais são instrumentos muito importantes para a construção do espírito democrático. Embora as instituições religiosas e a ladroada política usem sempre no sentido contrário.

16—Sempre me sopra uma alegria no coração ao ouvir falar de Akira, de Raberuan, de Jocélio Amaro, que nós, os Vasques, amamos, e também Sacha, e outros. Vocé é oriúndo do Movimento Popular de Arte, de São Miguel Paulista, terra de Antonio Marcos? Poderia contar aos leitores, de forma resumida, a história dessa história?
Nunca fui do MPA. Até me aproximei deles em 1998, 99, quando já fazia uns 13 anos que o movimento tinha implodido. Mas colho até hoje as benesses de conviver com gente tão interessante. O MPA nasceu mais ou menos em 1978, fruto de um interesse popular que discutia cultura e arte na região. Ajuntamentos humanos – como sempre repete o Luiz Alberto Mendes – sempre produzem cultura, “somos homos culturalis”, e vários artistas juntos (discutindo arte!), só poderia dar no que deu: um corolário de produção, com muita música, teatro, poesia, artes plásticas e mais, com vigor, inspiração e muita disposição. Por questões diversas, o movimento perdeu um pouco da força com o passar do tempo, mas nos legou uma história de lutas e conquistas. Tanto que Edvaldo Santana, Akira Yamasaki, Sueli Kimura, Sacha Arcanjo, Ceciro Cordeiro, Raberuan, Zulu de Arrebatá, Osnofa, Gildo Passos, Artênio Fonseca, Cláudio Gomes, Nelson Mouriz e muitos outros continuam aí, compondo, fazendo shows, se apresentando, escrevendo, pintando.

17—Pode revelar alguns de seus projetos?
Em literatura, acabei de finalizar um romance, “Antes de Evanescer”, que está na revisão. Vou atrás de editora pois espero publicá-lo ainda esse ano. E tem mais dois livros de poesia e um de contos, mas estes ficarão para depois.
Em audiovisual, estou finalizando um curta metragem experimental cujo enfoque é a poesia de Dailor Varela (ícone do movimento Poema-Processo), e fazendo as captações de imagens para o documentário sobre o MPA, que pretendo lançar no ano que vem.
Também estou publicando muito material na internet, para a revista Ounão (http://www.revistaounao.com.br/), para o Fora do Eixo (http://foradoeixo.org.br/), que é um circuito de produção independente e para a União Brasileira dos Escritores – UBE (http://www.ube.org.br/).

18—Acompanho as suas andanças, e essa persistência de Soldadinho de Chumbo é algo encantador. Qual foi o seu primeiro livro publicado?
A primeira participação foi na Antologia Poética de Pinheiros(Scortecci, SP), em 1988, com dois poemas de dar dó. Essas coletâneas são ótimas pra isso, você aprende muito convivendo com outros que praticam a mesma arte. Depois vieram outras antologias até que consegui lançar meu único livro-solo, em 1998, “hardrockcorenroll”.
Após isso, aconteceram outras coletâneas e até alguns prêmios literários.
Hoje, contudo, meu interesse maior está nas dimensões e ferramentas da cultura digital. É por esse caminho que estou me enveredando cada vez mais.

19—Era uma vez um tempo em que não havia bastidores na vida artística e musical no Brasil e nossa função, segundo alguém comentou, seria a de aplaudir e até, em certos casos, idolatrar, e a internet acabou com isso. Acredita que estamos mais próximos de uma compreensão mais ampla da importância da arte?
Não creio. Acho que surgirão sempre maneiras de tornar qualquer arte rarefeita. É o contraponto natural de qualquer tipo de expressão. Sempre há uma face mais elaborada e outra com apelo mais popular.
Agora, se entendi bem sua questão, vou ao cerne: muitas vezes leio textos, ouço cd, vejo encenações, quadros, tudo de colegas ou pares, e minha opção é não comentar. Por quê? Porque fico em dúvida quanto à qualidade destas obras. Prefiro, nesses casos, guardar silêncio. É evidente que muitas vezes o silêncio é outro, por falta de tempo para fazer um texto bom.
Quando minha humilde compreensão permite enxergar qualidades no trabalho – e há tempo para escrever um texto que dignifique este trabalho – sou o primeiro a “botar a boca do trombone.” Imagina, o artista é bom, não tem retorno de mídia e eu vou campactuar com isso? Sem chance! Alardeio, cito, comento, divulgo, sim senhor! Para isso a internet é ótima.

20—Você teve uma exposição de fotopoemas. Onde e quando isso aconteceu? Pode nos dizer sobre?
A pré-estreia foi em 25 e 26 de junho, quando participei do Festival de Inverno do Parque Náutico de Jaguara, em Sacramento, MG. A estréia mesmo será em 29 de julho próximo, n´A Casa Amarela (http://www.acasaamarela.net/), num sarau que unirá várias linguagens artísticas. Depois disso, ficarão expostos lá por um mês.
Os fotopoemas nasceram de uma combinação não prevista. Sempre uso a câmera de meu celular par fazer fotografias inusitadas. Com o tempo, percebi que elas poderiam dialogar com os poemas curtos que pratico, os “haicaos”. Daí para o casamento entre eles, foi um passo relativamente curto.


21—A partir dessa edição, PALAVRA FIANDEIRA sempre terá 22 perguntas. E você é o primeiro nisso. Poderia, num exercício poético dizer 22 palavras. Apenas isso, 22 palavras?
A palavra, seu processo e seu clímax, obedecem apenas à emoção e ao intelecto. Nessa trama, cria vida quando torna-se teia: fiandeira!”

22. Que mensagem deixará aos leitores da sua PALAVRA FIANDEIRA?
Amem!” “Amém.”

 
ANDANÇAS
COHAB II (Itaquera) — foto: Escobar Franelas


POESIA
      _______________________________________________

PALAVRA FIANDEIRA
Fundada por Marciano Vasques
A entrevista de Escobar Franelas foi concedida 
ao escritor Marciano Vasques

Segunda entrevista para o blogue Palavra Fiandeira, de Marciano Vasques

sábado, 24 de novembro de 2012

PALAVRA FIANDEIRA — 93





PALAVRA FIANDEIRA

REVISTA LITERÁRIA

Publicação digital de Literatura e Artes

ANO 4 —Nº93 — 17 Novembro 2012
EDIÇÕES AOS SÁBADOS

NESTA EDIÇÃO:

ESCOBAR FRANELAS
___________________________________________




1.Quem é Escobar Franelas?                                                                                                      

Engraçado que há um ano e meio eu me apresentava aqui mesmo no Palavra Fiandeira (edição 63, julho de 2011) como escritor e videomaker. Hoje sou Educador! O poeta, o prosador e o criador audiovisual continuam existindo, evidentemente, mas o Educador surgiu espontânea e imperativamente nesse período. Trabalhei com educação voluntária por nove anos na região de Barueri mas hoje trabalho full time em um projeto muito bonito e inspirado chamado "Programa Jovens Urbanos", na região de São Miguel Paulista. 

2.Com tudo isso, qual o tempo que você dedica aos escritos e ao vídeo?

Fins de semana, basicamente. Quer dizer, com essa imersão na Pedagogia, uso as horas iniciais da manhã para praticar a escrita e preparar matérias. E os sábados dedico aos saraus, shows, eventos, rodas literárias, essas coisas. Quando tenho alguma produção na área audiovisual, aí geralmente marco nos domingos. É claro que isso tudo pode ser regra, mas com ampla abertura para exceções na agenda. Até porque tenho que contemplar outras coisas: a casa, a família, viagens, visita à amigos e parentes, assistir um cineminha, um teatro, ir a um show...

3.Importante ter ressaltado a família. Como você “vive” em família?

Creio que vivo bem. Por forças dessas circunstâncias já citadas, vivo mais próximo do caçula, João, que está pela manhã em casa, e esse é o momento em que também estou.
Tento formular algumas regrinhas de convivência pra gente sobreviver a essa correria. Decidimos, por exemplo, que ninguém come na sala de tv ou no quarto. Então, por essa regrinha, somos “obrigados” a conviver com o outro pelo menos na hora da alimentação, pois nesse momento todos nos ajuntamos no mesmo espaço. Assim, aumentamos a chance do diálogo, e potencializamos as oportunidades de conversa e troca de saberes.
Outra regra determinante é a de não termos TV ou computador nos quartos. Assim, novamente a regra agrega um pouco de civilidade às relações, pois tivemos que aprender a ouvir música no micro, por exemplo, com fone de ouvido, pois está no mesmo ambiente em que alguém pode estar assistindo TV. Aprendemos assim a conviver num mesmo território sem atrapalhar quem está praticamente ao lado da gente.
Parece que por enquanto está dando certo...

4.O que representou para você, como poeta e artista, e ser humano, ter prefaciado o livro SERAFIN DE POETAS II, uma antologia com apenas poemas de crianças?

Uma oportunidade única de alimentar (e exercitar) uma paixão avassaladora. Quando me questionam se sou otimista ou pessimista com relação às coisas do mundo, digo sempre que sou realista. E enxergar esse mundo sem viseiras significa, pra mim, trabalhar incessantemente para que estas crianças e adolescentes de hoje tenham tudo o de melhor em relação à geração anterior. E, consequentemente, que eles deixem um rastro de beleza para as gerações futuras.
Quanto à apresentação do livro Serafin de Poetas II, foi uma surpresa o convite que você me lançou, e um desafio, pois tive que sair de minha zona de conforto e me dedicar a algo que fosse sucinto e profundo ao mesmo tempo. E isso é algo difícil de se alcançar.

Foto de Escobar Franelas, no lançamento do livro SERAFIN DE POETAS, em Novembro de 2011

Livro SERAFIN DE POETAS II, lançado hoje
(SERAFIN DE POETAS é marca registrada ©)

5.Acredita que estamos no caminho certo em relação às oportunidades que as novas tecnologias oferecem?

Vasques, você está certíssimo. As chances que as tecnologias oferecem são a realidade que não tivemos mas esses jovens de hoje têm. E não adianta querer combater com essas frases ridículas tipo “no meu tempo tinha isso ou aquilo”. “No seu tempo”, você utilizou as tecnologias, as narrativas e os mitos que você tinha em mãos. Hoje eles se apropriam dos meios, conceitos e contextos que são inerentes a essa época, este período, entende? Então, acho justo bater palmas para um educador como você, que entende as demandas e as peculiaridades desse tempo, entende a cabeça desses jovens, e procura trabalhar uma imersão pela sublimação poética sem que eles percam as referências e os instrumentos que estão dispostos aí, como os celulares, a mobilidade urbana, as redes sociais, a interatividade.
A “ciranda-cirandinha” de hoje é o Facebook, o Twitter, o mundo blogueiro. E não há mais volta. Então, acho justo parabenizá-lo pela ideia de tornar esses espaços um lugar também para a introspecção, a reflexão e a prática lúdica. E o Serafin de Poetas me parece ser exatamente isso, um jardinzinho onde eles praticam o “ce-ce-cere-ce-ce” contemporâneo.

6.Na entrevista anterior, dedicamos um momento especial para o Raberuan, que partiu meses depois para as estrelas. Queria que você fizesse algumas considerações sobre esse artista.

Raberuan foi uma estrela que acendeu, piscou, iluminou e deixou um rastro de luz durante 58 anos, aqui na região leste de São Paulo e outros lugares. Logo após seu aniversário, em outubro do ano passado, ele subiu e agora pisca pra gente aqui embaixo, para que possamos nos inspirar e tentar escrever algumas pérolas, como esta que ele nos deixou: “Saudade: / esse capim novo que ora invade / meu canteiro verde de lembranças / onde sempre plantei a verdade. Saudade: / deu caruncho na felicidade / no feijão, no milho, na mandioca / ou no estalar sua pipoca / ou no comer sua tapioca. / Saudades / do beijo do Severino do Ramo / de ouvir o Akira recitando / nas festas do MPA. / dos nossos velhos novos planos / que se perderam com os anos / na plantação do meu pomar. / Saudade / da caminhada ao Casteluche / preparação do desmantelo / Ceciro, Osnofa e Gildão. / Saudade / do clima do quintal do Sacha / da ilusão de mil cachaças / da Célia fazendo o feijão / e o Zulu chamando o refrão. / Saudades / dos namoricos e paqueras / todas as meninas eram belas / só poesia e devaneio. / Saudade / de quando o povo rareava / lá pelas 4 da manhã / e o Gordo tocando o bongô. / Ô Gordo!” (“No Quintal do Sacha”. Link para o clipe em http://www.youtube.com/watch?v=WGS4X5W-6Dw)

RABERUAN!
©

7.Já que disse que agora é também um Educador, como sente a educação praticada hoje?

A formal desinforma, e a informal preenche. Quero dizer com isso que no momento não sabemos o que estamos praticando. Estamos, para usar um termo marxista, alienados. E isso justamente no ambiente – a educação – onde deveríamos estar filtrando idéias e saberes.
Mas penso também que é um problema conjuntural e estrutural. Conjuntural,pois não pode ser pensado em partes, tem que ser pelo todo. E isso nos leva para a outra questão, estrutural, pois temos que pensar pelo viés da organicidade. As ações isoladas, que têm sido muitas, não se completam. Então, é preciso a instauração de uma nova ordem, que passe pela revalorização do papel do professor, do pesquisador, do pensador.

8.A arte pode contribuir com essa proposta?

Esse é o papel da arte: repensar, reponderar, des-represar a água que está contida. Em todos os campos, aspectos e narrativas.

9.O que o encanta?

Fazer novas amizades pelo Facebook, ouvir o bem-te-vi que canta na árvore da casa vizinha toda manhã, ver um botão novo numa das mini-roseiras que conservo em minha coleção de tetrapaks, ser acordado por uma ideia às 3 da manhã e ter que sair da cama para rascunhar a ideia que me tomou, comer pizza com meus filhos e a musa, ler Akira Yamasaki no metrô, ouvir Sacha Arcanjo no meu celular, ver um clipe novo do Edvaldo Santana no Youtube, trocar idéias com Marciano Vasques às sete da manhã pelas redes sociais, tudo isso me encanta...

©
Com o cantor Jocélio Amaro, na noite de lançamento do livro O VOO DE PÉGASO

10.Afinal, você tem alguma hora de ócio?

Todo dia. Embora possa parecer que não, a todo momento me dou o direito de furtar um pouco de meu tempo para ficar a sós, comigo. E esses momentos são muito importantes, pois reabasteço as energias e as idéias para prosseguir a caminhada.

11.Quais  os seus projetos?

Estou escrevendo um novo livro, um romance. Rascunho ele num caderno universitário quando venho de trem para casa, à meia-noite, e de manhã digito.
E estou tomado pela ideia de finalizar o documentário sobre o Movimento Popular de Arte (MPA), de São Miguel, já que encontrei uma parceira para codirigir comigo esse projeto que tinha se tornado inviável para levar sozinho. Mas a Sheilinha Procópio, mal entrou em sintonia comigo, já se revelou a parceira ideal para levar a cabo esse empreendimento.

12.Deixe aqui a sua  mensagem final. Qual a sua Palavra Fiandeira? 

“Para aquele que pensa em desistir, dou idéias de outros caminhos. Para aquele que pensa em resistir, oferto novos argumentos. E para os que pensam em existir, dou minha mão: posso ir junto?”

Foto de Francisco Xavier ©


PALAVRA FIANDEIRA
Ano IV
Publicação digital semanal
Literatura e Artes
Edições aos sábados
Edição 93 — 24 Novembro 2012
Edição ESCOBAR FRANELAS

PALAVRA FIANDEIRA
Fundada pelo escritor Marciano Vasques

28.12.13

A fonte, du xampu

A fonte, du xampu

A fonte, de Duchamp


referência: http://artefontedeconhecimento.blogspot.com.br/2010/11/fonte-marcel-duchamp.html


26.12.13

Entrevista: Daniel Marques (arte, educação e militância cultural) - Itaim Pta., SP



* Daniel Marques da Silva, educador e artista de múltiplas expressões, tem como principal característica seu cartão de visitas: o riso estampado no rosto. Disposto a entender como vive e o que faz esse humano ser de semblante incorrigivelmente alegre, chamei ele para um dedo de prosa. Mesmo morando geograficamente perto, ainda assim temos muita dificuldade de sincronizar as agendas. Por isso mesmo, o bate-bola foi via “inbox” do Facebook. E a conversa rendeu, como todos poderão observar a seguir. Degustem-no!

1) Quem é Daniel Marques?
Sou um ser exagerado de nascença, emocional, filho único, ator e por ser ator, um cara de pau que transita em outros meios artísticos como as danças brasileiras. Sou um dos organizadores do Sarau “O Que Dizem os Umbigos” que acontece no bairro onde vivo, Itaim Paulista. Amo poesia, música, o samba me faz feliz, gosto de andar a pé, ver pessoas, paisagens, estar com bastante gente. Acredito na vida e no poder de transformação que a coletividade pode ter. Minha alma é de viajante.

2) Como a arte se manifestou em sua vida?
Sempre fui meio hiperativo desde criança, arteiro. Mas a arte propriamente dita veio a partir do momento em que comecei a fazer teatro na escola, quando estava na 8ª série. De lá pra cá eu e a arte mantemos uma relação amorosa e que lutarei para que seja duradoura.

3) Quem ou "o quê" influenciou seus caminhos, nesses anos todos?
Minha mãe, um professor de história por nome Raimundo que me incentivou a iniciar no teatro, oficinas culturais livres, grupos dos quais participei, amigos.

4) O que você curte? Ouve? Assiste? Lê?
Curto o mundo das artes, teatro, danças brasileiras, MPB, músicas regionais. Apaixonado por Jorge Amado, Solano Trindade, costumo viajar pelo Brasil embarcando sempre na literatura brasileira. A poesia me instiga, ainda mais aquela que vem dos saraus das periferias, das margens, me nutre cada vez mais para seguir adiante, ser um forte e um combatente. Não gosto do "lirismo comedido" (parafraseando Manuel Bandeira).

5) Como você vê esse protagonismo da periferia hoje? O que está acontecendo vai numa direção legal?
Hoje em dia a periferia é protagonista. Hoje estamos a escrever nossa própria história através de um cenário independente, seja por meio das artes como: os saraus, o teatro, a dança, a música ou pela organização em movimentos sociais, lutando sempre por participação e representatividade em meios que fomentam o debate político. Estamos a redesenhar novas possibilidades, tornando nossos solos-bairros mais férteis e produtivos. Não precisamos de porta vozes, hoje nossa voz é forte e faz ecoar os nossos sonhos e ideias.
Estamos no caminho de mudanças históricas e significativas e, por que não dizer?,  revolucionárias!

6) Quais as suas considerações sobre as manifestações que acontecem desde junho no Brasil?
Creio que as manifestações são a anunciação de um novo ciclo, quando a crise se instaura é aí que existe a possibilidade de uma mudança real da realidade. Só temo pelo esvaziamento das ideias e das propostas levadas as ruas. De início se lutou pela proposta concreta da diminuição da tarifa do transporte de 3,20 para 3,00, depois quando o "gigante acordou" e milhares de pessoas tomaram as ruas as causas começaram a se tornar difusas, houve um nacionalismo perigosíssimo que muito se assemelhou ao fascismo onde "quem não estivesse de verde e amarelo não amava o seu país", ou "quem está de vermelho não merece estar na luta", correndo assim sérios riscos de integridade física, havendo uma espécie de "caça às bruxas" a quem vestisse ao menos uma simples camisa rubra. É importante irmos pra as ruas e ocupar os espaços públicos desde que haja uma conscientização anterior dos motivos da luta, o porquê se luta e o para que se luta.
Manifestar sempre!

7) As novas tecnologias estão associadas a uma reumanização real que está na sociedade ou são apenas uma nova linguagem?
Creio que as novas tecnologias são uma nova linguagem potente e que podem incitar movimentos e transformações. Vejo como positivo pelo lado da disseminação rápida da informação, fissuras que são possíveis de serem feitas nas mídias hegemônicas a partir do momento em que se veicula nas redes sociais outros tipos de informações, que muitas vezes não passam nas grandes emissoras televisas, por questões de uma ideologia dominante e perversa. Mas ainda é preciso nos reconectarmos das formas mais humanas possíveis, como através de ações diretas nas ruas, encontros pessoais, debates em grupo, sentir a vida de forma presencial.


(Será que entendi a pergunta? É isso mesmo?)

Escobar Franelas: (a resposta está linda para uma pergunta talvez mal formulada. Obrigado)

8) Com o quê você está "metido" no momento?
No momento estou metido com algumas coisas que me realizam e me completam. Sou um dos organizadores do sarau “O Que Dizem os Umbigos", ação que lançará brevemente uma antologia poética. Recentemente fui convidado para participar de uma montagem de uma peça infantil. Estou dando aulas de maracatu para crianças e adolescentes. Participo do Fórum de Cultura da Zona Leste, que vem debatendo desde o inicio de 2013 políticas públicas para as periferias.
Estou lendo, creio que este seja o ano que mais li livros bons e muito interessantes. Estou a exercitar a escrita. Me sinto inquieto, entre a busca pela felicidade e a revolta social. Descansar um pouquinho, parar jamais! Quero as estrelas.

9) Sei que justamente quando Mandela faleceu, você estava lendo a sua biografia. Qual o legado dele para todos nós?
O que fica de mais forte do querido Madiba (Mandela) para mim é a possibilidade de mudar a realidade, nada é inalterável. Ele se intitulava como um combatente da liberdade, isso diz muito, vai além do que as pessoas o atribuem, como se ele tivesse sido um pacifista dócil. O cara acreditava no poder dos estudos, na valorização de suas origens tribais, não se esquecia de sua origem humilde. Lutou bravamente contra o apartheid racista, mostrando que o povo negro africano era sim capaz de derrubar um sistema tão cruel e segregacionista através da organização popular, através da politização e da conscientização da realidade na qual estavam inseridos. Nenhuma prisão ou opressão é capaz de aprisionar uma mente sã. Madiba será eterno, é um símbolo da resistência que será sempre lembrado. Levarei ele em minha mente e em meu coração. Ainda estou lendo sua autobiografia. Quero que suas idéias me auxiliem cada dia mais, para que eu me torne um homem forte, um combatente!

10) Tem alguma questão que gostaria que eu tivesse formulado e não fiz? Se sim, por favor, faça você mesmo e depois a responda. Obrigado!
(Beleza! Pensarei e mandarei o quanto antes)

10. Você sonha?
Sonho com um tempo em que possamos ser mais coletivos, silenciando os egoísmos. Sonho com uma vida mais poética e que a arte tenha a mesma importância (ou mais) que o futebol. Sonho de pés no chão, pois ainda há muito trecho para correr e muitos anseios que precisam voar.

(Obrigado, meu querido, sobretudo pela paciência. Um forte abraço! E que em 2014 possamos nos ver mais!)





Daniel, à esquerda, com outros educadores na Bienal de SP 2012
 texto e fotos: EF

17.12.13

Resenha - livro "Estação Terminal" (Sacolinha)


Os 12 anos que o escritor Sacolinha passou como cobrador de lotação, compreendem parte de sua infância, toda a adolescência e o início de juventude. Sua obra “Estação Terminal” trata desse tempo. Dessa dúzia de anos, Ademiro Alves (o nome real de Sacolinha), sempre fazendo o percurso Cidade Tiradentes-Metrô Itaquera, viu muitas coisas e ouviu muitas histórias. É isso que ele nos relata no livro.

Lançado originalmente em 2010, o livro é composto de cinco partes, algumas (3ª, 4ª e 5ª) com apenas um título. Histórias diversas, complexas, que vêm, que vão, que tramam, que dramatizam. Dono de uma escrita fluida e vibrante, o autor não se dispersa nunca. Escreve sempre a palavra exata no momento exato. Centrado em sete personagens centrais, Pixote, Gago, Mastrocolo, Maria José, Cadeirinha, Arilson e Helton Lima, a obra de Sacolinha, “autodefinida” ficção, usa de elementos do mundo imaginário apenas para disfarçar – logo realçar – o caráter emergencial da realidade exclamada e da história intrínseca aqui retratados. Um 8º personagem surge, Sávio, alter-ego do autor, incumbido de “envernizar” com traços ficcionais a realidade bruta da vida no Terminal. Envernizar, aqui bem explicado, para dar uma roupagem literária à experiência de vida de Sacolinha, nos 12 anos em que trabalhou no local.

Temos então, nos 11 contos (crônicas? Por que não?) a vida tal como sempre foi e ainda é. Tragédias, acidentes, traições, mortes, cenas de amor e amizade, confusão, todo o mundo dito “normal” é aqui capturado pelos textos secos e coesos do autor. Pelas teclas dele ficamos sabendo que os fiscais que apreendem  lotações são chamados de Maria Bonita. Que o passageiro é o Boneco. Que quem entra no ponto inicial e só desce no final é Boneco Chiclete. E que andar com van ou microônibus vazio – menos de 5 passageiros – é, para os condutores, “bater lata”, ou seja, andar no prejuízo.

Outra prática muito comum entre motoristas e cobradores desse tipo de transporte, segundo Sacolinha, é a prática do adultério. As amantes têm o simbólico nome de Mula. “Com exceção do Gago e das mulheres perueiras, todos os outros perueiros do Terminal têm suas mulas”, diz ele.

Assim, texto a texto, linha a linha, somos introduzidos num universo muito particular, com suas próprias leis e sua linguagem única. O Terminal Itaquera, com  a construção do shopping, o Poupatempo e agora as diversas modificações implementadas por conta da construção da Arena Corinthians, como a execução do complexo da Fatec, a inauguração do parque linear Rio Verde e as profundas modificações  viárias no entorno do local, foi modificado de forma  radical. Também as novas condições de gerenciamento no transporte público da cidade, a partir da gestão de Marta Suplicy (a Vanete Freitas, na descrição hilária do livro), ajudaram a recompor algumas peças soltas no caótico tabuleiro do sistema de transporte público em São Paulo.

Seja como for, os relatos rememoram até o ano de 2006. De lá para cá aconteceram diversas mudanças. Ainda assim, história, com seus possíveis acertos e erros, foi guardada e contada. Resta-nos não repeti-la.

*Estação Terminal, Sacolinha. SP: Nankin Editorial  (www.nankin.com.br):2010,  144 páginas