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29.12.11

Autorretrato de autoria desconhecida

(antes a pesquisa era com câmera de telefone móvel. Agora é com qualquer obturador que tiver às mãos, na hora em que a oportunidade surge. Aqui, Pq. Ibirapuera, SP, dezembro de 2011, com câmera compacta Kodak C183)

28.12.11

Entrevista - Máh Luporini (poeta e editora)

Máh Luporini é uma poeta em ascensão. Digo ascensão remetendo os leitores deste texto às ideias primárias desta palavra: ascensão que se refira ao crescimento (a poeta "em processo" e "em progresso", constantes), e à subida (a poeta inquieta que transita, flana, inquire e provoca vertigens - pelos altos voos). Pois a filha do Dailor Varela, também ele poeta de signos cortantes, não para um minuto sequer. Nascida em São José dos Campos, morando na "aldeia" de Monteiro Lobato - esse jardim edênico incrustado no Vale do Paraíba - Máh, mal estreou nas letras com Ausências (2010), e dá reparos finais no próximo, Memórias de Lugar Nenhum, a sair em breve.
Também editora (com seu pai), do tabloide O Grito, um farol de alta voltagem na acanhada vida cultural do Vale, a poeta concedeu-me esse "dedo de prosa", em sua última passagem por Sampalândia, semanas atrás.

A poeta e o poeta José Geraldo Neres: líquidos diversos e muitas, muitas ideias

Escobar Franelas - Fale do seu percurso...

Máh Luporini - Comecei a me interessar pela carreira literária no final de 2005, quando descobri o maravilhoso vício da poesia. É um negócio que me fez acreditar um pouco na realidade do mundo. Costumo falar que a poesia me lançou num “buraco de Alice”. Daí surgiu meu primeiro livro, Ausências, de 2010. Foi um lançamento meio apressado, confuso, no Festival da Mantiqueira. Também participei da última Bienal do Livro em São Paulo.
Hoje me defino como pessoa inquietante na poesia. Comecei com Fernando Pessoa, depois Leminski, e então Roberto Piva, Ana Cristina César. Com isso fui descobrindo que poesia não é essa coisa certinha, é uma coisa provocativa. Sou fascinada por isso. 
Não consigo me imaginar fazendo outra coisa na vida.
Sou apaixonada por livros, por sebos, vivo disso, dou livros de presente...

EF - Você está chegando com um novo trabalho, quais as experimentações e perspectivas que você traz com isso... Aonde você acha que ele pode ter amadurecido?

Máh Luporini - A diferença entre o Ausências e o segundo livro, Memórias de Lugar Nenhum, é a abordagem sendo mais pessoal, essa a visão que tenho. Mas a diferença mesmo é o amadurecimento, pois o Ausências tinha uma poesia mais reflexiva, enquanto o Memórias eu dividi em três partes, com um olhar mais provocativo, com uma coisa mais ousada, que estou abordando. E estou muito mais autocrítica. 
Lancei o Ausências com muita rapidez, entre fins de 2009 e maio de 2010. Coisa que não fiz com Memória, que foi um trabalho muito mais intenso, com muita pesquisa, leitura. Estou trabalhando nele há mais de um ano.
Desacreditei muito no trabalho de editoras, pois o Ausências não me agradou nesse sentido e agora, com o novo, estou em processo ainda... Estou muito crítica com ele, ainda. É um filho que está demorando pra nascer.

EF - Isso é reflexo de novos autores que você anda lendo?

Máh Luporini - Sim, com certeza. Cada vez que pego um novo autor – atualmente estou relendo As Flores do Mal, do Baudelaire – eu olho e penso, “que porcaria estou fazendo com o Memórias?”

EF - Além de poeta, você é editora do jornal O Grito. Queria que você fizesse um paralelo entre sua arte poética e este trabalho de confeccionar um jornal:

Máh Luporini - Em relação ao O Grito, que surgiu de uma ideia junto com o meu pai para criar um veículo para novos autores e outras expressões, como arte e cultura, dança, teatro, literatura... um lugar onde os poetas pudessem divulgar seus trabalhos, ter um espaço pra eles. A gente está nessa guerrilha faz 5 anos, completados em outubro último. Mantemos O Grito na cara de pau, porque ter um jornal cultural não é fácil. A gente tinha patrocínio mas saíram fora, pois, segundo eles, “cultura não vende”, “cultura não ganha voto”.
O Grito hoje é uma rede amigos, que mantêm o jornal em pé, que são pessoas sonhadoras, que levam a cultura adiante. Essa coisa de encontro literário, de perspectiva, é uma coisa que... Bem, tenho um puta de um poeta em casa, que não é só meu pai, mas é meu amigo, um amante. (risos) E esse encontro acontece na minha própria casa, é uma troca de experiências. O Dailor está finalizando o 16º. livro dele, “P.U.L.SOS”, e damos palpite um no do outro, não existe esse papo de que ele é meu pai, eu sou sua filha. Os encontros são isso, diferente de lá fora.
Sou de São José dos Campos, moro em Monteiro Lobato, e a maioria dos poetas de São José vivem se reunindo em torno deles mesmos, pra fazer declamação um para o outro. Não tem ninguém ousado, que saia do Vale do Paraíba, e fale “vou divulgar meu trabalho em São Paulo, Rio, Paraná, daí por diante”. A maioria dos poetas é medrosa em relação a isso.
Fala muita ousadia nesse meio.
 Máh durante sarau na Casa das Rosas, em set/2011 


Texto e fotos Escobar Franelas 

25.12.11

Então é natal...

Desde pequeno que implico com o natal. Nunca tive muito apreço pela data, pois sempre a achei depressiva, com seu palavrório indulgente, asco que só foi crescendo, quanto mais velho eu ficava. A notícia do nascimento do Cristo na manjedoura simplória, a via sacra do casal virgem, a visita dos três reis, tudo isso sempre me pareceu muito surreal, gerando mais perplexidade que credulidade.
Hoje, contudo, já consigo conviver melhor com isso, talvez porque já tenha incorporado em definitivo o "espírito natalino" tal como ele é, sem máscaras: o clímax do afã capitalista.
Assim, aceito sem muitas elucubrações metafísicas a condição de que o natal é, in loco, o momento do consumo: consumo de mercadoria, consumo de mensagens positivas, consumo de frases feitas para repetir-se à exaustão, consumo de um anima mundi, que é moto-perpétuo irradiado como prazer coletivo. Real e imediato. E celebro da forma mais comezinha que me é possível participar: presenteando, abraçando, comendo e bebendo em excesso. Em janeiro sempre volto à forma antiga, correndo mais e expiando o pecado da gula com mais exercícios.
Admito meu cinismo quando cumprimento meus cordatos familiares e amigos com mensagens efusivas de apreço. Meus desejos de felicidade nesses momentos - juro! - é sincero. Só o signo linguístico que é falso, cheio de dentes falhos nas engrenagens. Mas, fazer o quê? Não serei eu o louco de estragar o "clima" do momento. A verborragia que sacraliza a todos nas mensagens carregadas de confusões edênicas, traduzem um sincero desejo de boas festas, que também repito, desejo, escrevo e retribuo. Faço parte da corrente, sem interromper a beleza dionisíaca da festa. Também me torno cristão nessas horas.
Assim, sendo natal ou carnaval, dia do trabalho ou período junino, férias ou dia da pátria, fico muito à vontade para repetir o bordão: "boas festas".
Boas festas.

18.12.11

Raberuan - Ausência de 30 dias (parece que foi ontem...)

O Legado de Raberuan

A imagem mais marcante que guardo do Raberuan foi a de um show que ele fez na Oficina Cultural Luiz Gonzaga, em São Miguel, lá pelos idos de 1999. O Sacha Arcanjo, coordenador do espaço, sempre convidava algumas escolas da região para assistir às apresentações do projeto Canto do Compositor (do qual Raberuan era o convidado naquela noite), e cujo propósito era, “formação de público para os artistas da região”, que eram chamados a participar.
E naquela noite, Raberuan teve a sorte de encontrar uma platéia de adolescentes inquietos. Esses, lá pela metade do show começaram a interferir ruidosamente no evento, rindo alto, contando piadinhas grosseiras, fazendo scratches com a boca, imitando os rappers da moda. Raberuan, com sua malícia tranquila, convidou então aquele que parecia ser o líder deles para também apresentar-se no pequeno palco. Pronto: estava armada a arena, pois o garoto até que tentou, mas foi vencido pelo convite preciso e o sorriso maroto do mestre de cerimônia. O rapaz foi, tentou brincar com a situação inusitada, encenou um pouco para os amigos e, por fim, voltou nocauteado para seu canto. A partir daí, não mais atrapalhou o show, assim como seus parceiros. Raberuan tinha o domínio do palco. Sempre teve.
Mas, afinal quem é esse Raberuan, que, contrariando a lógica comum, desafiou elegantemente – com o violão sempre em punho – a turba juvenil para uma conversa musical que, ao final, não se concretizou?
Falecido no último dia 18 de novembro, com 58 anos recém completados, o passarinho de cabelos desgrenhados foi embora mas deixou um legado enorme na vida artística e cultural de São Miguel e região. Ainda que sua carreira tenha ganhado contornos mais precisos a partir do advento do Movimento Popular de Arte (1978), Raberuan já estava na estrada desde o começo daquela década, junto com Sacha, formando a dupla Tomé e Simão.
Dono de uma voz intuitiva e cristalina e de personalidade carismática, personificava um crooner autêntico e visceral. O violão era outro quase componente de sua indumentária diária. Participou da coletânea que eternizou aquele momento emblemático do Movimento Popular de Arte (MPA), no long play homônimo de 1985, com a música Pela Estrada de Ferro, de sua autoria (e que seria depois regravada no seu ótimo cd Tião (2004), além de dividir o microfone com Sacha Arcanjo também na encantatória Cavaleiro Peri, composição dos dois.
Atualmente dividia a produção do projeto Memória Musical com Akira Yamasaki. A doença no fígado venceu a luta da carne, mas não impediu a vitória de sua arte. Sua última gravação, feita já com dificuldades mas com extrema delicadeza, foi No Quintal do Sacha, dele mesmo, em que saúda os velhos companheiros de arte e cachaça com quem conviveu todos esses anos1970, 80, 90, 2000...

Raberuan  em São Roque, SP, agosto de  2010

texto e fotos Escobar Franelas

15.12.11

Festival Fora do Eixo: Cérebro Eletrônico, Pública e Macaco Bong (Studio SP, 13/12/11)

Festival Fora do Eixo Põe a Música em Rotação

Sampalândia, Brasil, 13 do 12 do 11, terça-feira, 11 da noite. O Studio SP está lotado. Casa cheia, sim, com muita gente bonita, muitas tribos, universitários, colegiais teens, hipsters e neo-hippies, pós-punks, rastafáris, almofadinhas, manos & minas, descolados e retrôs. Todos ali, juntos e misturados, dando forma substantiva à proposta básica do Circuito Fora do Eixo: conectar, interagir e fazer, tudo ao mesmo tempo, aqui, agora.
Este mote foi levado à exaustão pelo Circuito nesse ano de fincar bases na Paulicéia, demarcar território e mostrar a originalidade e seriedade de seus projetos. Feito isso (com tesão, organicidade, talento e profissionalismo, diga-se), eis que o Congresso Fora do Eixo acontece por esses dias (11 a 18) em vários lugares da cidade. Respira-se plenárias, atos, feiras, observatórios, intervenções, reuniões, conferências e consultorias, entre muitos outros elencos. Um dos quais, o Festival Fora do Eixo, contempla os gêneros musicais. E o Studio SP, parceiro de primeira hora, entrou com a programação do Festival nessa terça.


Cérebro Eletrônico: Tatá em 1o. (Aero)plano

Quem primeiro compareceu ao palco nessa noite foi o Cérebro Eletrônico. Com a eficiência e o talento de sempre, a banda de São Paulo (Tatá Aeroplano na voz; Fernando Maranho na guitarra e vocais; Renato Cortez no baixo e vocais; Gustavo Sousa na bateria e vocais; e mais Fernando TRZ nos teclados), primou pela excelência de seu pop-rock, de texturas coloridas que contagiou o público que lotava a casa.

Pública: rock é isso!

Logo após foi a vez do Pública adentrar o espaço. A banda, composta por Pedro Metz nos vocais, Guri Assis Brasil (guitarras e vocais), Alexandre Papel (bateria e vocais), Guilherme Almeida (baixo) e com o convidadíssimo Thiago Klein (Quarto Negro), no teclado e João Eduardo (ex-Los Porongas) na guitarra, convidava a todos a um percurso dos anos 60 aos 80, com seu rock preciso e contundente. Guitar-band de excelência, o grupo nos fazia pensar nos grandes festivais de rock, extrapolando todas as expectativas de quem temia assistir apenas ar um “simples” show. Ao contrário, ofereceu um concerto de rock provido de toda a carga emotiva que o gênero suscita entre nós.
Ney Hugo: baixo profano

Ynaiã Benthroldo: bateria catártica

Bruno Kayapy: inumano

Orquestra roquenrônica formada por três instrumentos, o Macaco Bong tomou então conta da madrugada. E que madrugada!
Evocando um duplo sentido para as sensações possibilitadas durante numa audição, a música do MB trafega em todos os espaços a nós permitidos, ora pelos sentidos,  ora pelo intelecto. Outro ponto inquestionável: a atitude, a adrenalina, o comportamento dessa música em nossas veias e músculos. Pois não permite que fiquemos parados, somos impelidos a bater freneticamente a cabeça, balançar os quadris e braços, marcar o compasso com a palma dos pés. Qualquer adjetivo serve para qualificar a música excedida, que vaza dos instrumentos em combate e expõem as vísceras do sentimento reprimido que aproveita para extravasar nessas horas.
Isso explica em partes porque o público não arredou os pés nas duas horas de show, enquanto os xamãs ululavam no palco. Ensandecidos, o fleumático Ney fazia do baixo uma parte do seu corpo inquieto, Ynaiã transformava a bateria num coração palpitante e incansável, e Bruno – tal qual um Hendrix endoidecido – arrebentava cada corda de suas guitarras, para usá-las num ritual que era mais que sonoro, era um arrebatamento que nos tirava para fora do eixo. Não foi um show, foi uma orgia sonora o que vimos no palco do Studio SP.
Três da manhã. Saí para respirar a Augusta. A madrugada estava muito mais bonita. Na cabeça, a certeza de que foi uma das noites mais viscerais que já vivi nessas minhas quatro décadas e pouco de vida.

Texto e fotos Escobar Franelas

Shows: Z´África Brasil, Wesley Nóog e Veja Luz (Studio SP - 06/12/2011)

Zona Sul Toma Conta de Palco na Augusta

Subo a Augusta devagar, sem pressa, curtindo a noite amena da Sampalândia. Pouco mais de 20 graus são mais que suficiente para agradar gregos e “paulistroianos”, fazendo todo mundo sair da toca, se encontrar, celebrar a vida. Quando chego junto ao do Studio SP (rua Augusta, 519, centro, SP), a fila tá engrossando. Todo mundo ali quer curtir Z´África Brasil, Wesley Nóog e Veja Luz. Todos os três, oriundos “lá da fundão” da Zona Sul, vieram para tomar conta do palco. Trouxeram também um público fiel, que abarrotou a pista, dançou muito e cantou junto.
Fruto de uma parceria da casa com o Circuito Fora do Eixo, o Projeto Cedo e Sentado é uma síntese do novo que está acontecendo na música em tempos em que os velhos modelos de produção, distribuição e consumo de música já não servem mais. Não por acaso, a festa desta última terça, dia 6 de dezembro, apresentava também a outsider Banquinha Fora do Eixo, com sua rica variedade de artesanato, cd, dvd, livros, flyers e zines, para a curtição do galera. Ah, sim, também as sempre presentes projeções de vídeo do pessoal do Clube de Cinema Fora do Eixo, além – é claro – da recepção sonora, caliente e instigante do dj Tano, ajudavam a construir o clima da noite.

Veja Luz em cena

Então, o reggae do Veja Luz invadiu mentes e corpos. Foi o primeiro a demarcar a elaborada mensagem positiva da noite. Com suas letras pacifistas de tributo a Jah, Fernando Novaes (voz), Leandro Kinte (guitarra e vocais), Marcos Rosa (baixo e vocais), Marcelo Caveman (bateria), Roberta – fazendo seu primeiro show com o grupo (percussão), Marcelo Killaman e Edy Ricardo (teclados), e Nando Rangel (guitarra), esbanjaram carisma, cumplicidade e vibração sonoras, criando um “climão” introdutório para a longa noite que estava por vir.

Wesley Nóog em cena

Wésley Nóog herdou do Veja Luz tanto o palco como a sincronia da banda anterior, que nem saiu de cena, apenas aguardou a troca de vocalistas para manter o contágio da festa. Esfuziante e siderado, com seu pé musical fincado na música negra brasileira contemporânea, Nóog é a simpatia em pessoa. Tributário de Tim Maia, Bebeto, Benjor, Ed Mota, Cassiano e outras aves canoras da música popular negra do Brasil, fez um show repleto de referências, transitando com desenvoltura em meio a muito balanço, funk de primeira e soul.

Público em transe diante do Z´África Brasil

Logo após, o Z´África Brasil subiu, trazendo de volta muitos dos músicos que já tinham descido. Gaspar, Pitcho e Funk Buia e o incansável dj Tano (que tocou todos os sets da noite), soltaram suas metralhadoras sonoras, secundados pela ótima formação Marquinhos (baixo), Caverna (bateria), Edy (teclados), além dos convidados pra lá de especiais, Leandro (guitarra) e Denis Man (percussão).
O trio de mestres de cerimônia pregam a cultura pela educação e não abrem mão da proposta cultural que não permite subentendidos. A postura radical, longe de parecer violenta, é, antes, um enfrentamento direto do problema que assola as periferias do mundo todo. Tanto que contaram com a participação especialíssima do mc francês Rockin'Squat (grupo Assassin), que, contagiado, destilou mais adrenalina na platéia ensandecida. Revolucionários, sim, mas totalmente do bem.

Dj Tano em ação

Shows longos, público respondendo à altura, penso cá com meus botões: “que posso querer mais?” Talvez descansar um pouco, e esperar outra boa oportunidade como essa.

Texto e fotos - Escobar Franelas

8.12.11

Antes de Evanescer - A Ideia (Epílogo)

foto de Alexandre D´Lou

Para escrever o texto, isso mais ou menos a partir de junho de 2006, aproveitei muito do tempo que dispunha quando trabalhava em Barueri, SP, e enfrentava duas horas e meia de condução para voltar para casa, no finalzinho da tarde. Passei a usar o trem para esse retorno, pois dentro do ônibus (executivo), era natural que dormisse no trajeto pela Rodovia Castelo Branco e Marginal Tietê, sempre congestionado. Entre as estações Carapicuíba e Palmeira-Barra Funda, porém, o ritmo do trem não permitia o cochilo automático, mas dava para rabiscar algumas ideias. As linhas de Antes de Evanescer foram então tortamente escritas em um caderno durante alguns meses. Nos fins de semana, aproveitava e reescrevia tudo no micro.
Depois de pronto, o texto ficou em banho-maria durante mais de um ano, quando então voltei à carga e o refiz, acrescentando trechos, fazendo correções e aumentando o tamanho para mais de 200 páginas. Novas férias dessa história.
Mais um ano e voltei a ele. Na nova empreitada, percebi que tinha "gordura" demais, reescrevi tudo, mantendo apenas alguns catados do original. Agora era apenas 50 páginas mas dúvidas atrozes me encasquetavam e travavam o processo de levá-lo a cabo. Fiz cópias deste texto para alguns amigos, esperando que a leitura deles poderia dar um norte, mas não houve retorno confiável. Achei que esse barco precisava de novos rumos.

foto de Claudemir Santos

E os "novos rumos" vieram da maneira mais despropositada. A partir de abril desse ano, desempregado - ahá! - entrei de cabeça no projeto "Acabar de Vez com Essa Agonia": li, reli, tresli, quadrili, enxertei, cortei, esfumacei (o cérebro), até que - ulalá! - dei por terminada a tarefa, isso mais ou menos em julho, agora com as medianas (e finais) 100 e poucas páginas. Não era o texto longo do início, tampouco o conto magrelo da penúltima fase. Mas tem a essência das ideias que pululavam no início de tudo, o tal maio de 2006.
Nova distribuição entre amigos leitores e algumas respostas (positivas e negativas - talvez esteja aí o segredo!), deram-me a certeza de que estava numa picadilha com "norte" à vista.
Taí! Publiquei...

foto - divulgação

6.12.11

Antes de Evanescer - A Ideia (Parte I)



Antes de Evanescer nasceu durante o ciclo de violência de maio de 2006. É claro que a violência não nasceu ou acabou ali. Aliás, não acabou nem vai acabar, ponto final.
Mas o ápice de seus fatos e a observância de que o movimento banditício tinha se arrumado politicamente (daí a novidade!), fez surgir em  mim uma série de questionamentos: por quê? como? quando? (a)onde?
E mais ainda: alguns dias antes do período mais violento, pegando a van de lotação em casa indo para o metrô, ouvi uma conversa que a princípio achei descabida. Depois os fatos a explicariam em detalhes e da forma mais verossímil possível. Foi assim:

"Eu (sentado num banco), lendo uma revista, acabei por ouvir esse diálogo:
- E aí, cara, tudo bem?
- Eu, tudo. E você?
- Tô legal também. Nuns "corre" e nuns "planejamento".
- Eu também.
- Aliás, falando nisso, tô meio que numa sinuca de bico. 
- Sério? Diz aí...
- Tem um trampo bom pra fazer, longe daqui, lá no interior. Muito dinheiro na jogada...
- Pô, legal!
- É, mas o "partido" pediu pra cumprir umas tarefas, justo agora. E eu e meu pessoal não ´tamos a fim...
- Meu, se o "partido" mandou cumprir tarefa, é melhor fazer, meu! Os cara são "foda"...
- Pô, e vou perder a chance de ganhar uma grana alta?
- Bicho, vai por mim, é melhor cumprir a tarefa que o "partido" mandou. Os caras não tão pra brincadeira. Se te encomendarem, cê tá frito... Já vi muito neguinho morrer de bobeira, porque lá dentro jura bandeira e aqui fora sai de banda.
- Sério?
- É...

Dias depois começou a fuzilaria em São Paulo. Só depois disso tudo, é que entendi o que tinha ouvido.
Isso, em mentes inquietas, acaba por permitir a criação. Criei então Antes de Evanescer.



27.11.11

Tarde de Autógrafos - Coletânea Serafin dos Poetas

Ontem, sábado, com uma tarde radiante, tive uma das experiências mais ricas em minha vida. Fomos eu, meu filho João, meu neto Arthur e minha afilhada Susan participar da tarde de autógrafos no lançamento de uma coletânea de poesias feitas por crianças. Obra do incansável militante literário Marciano Vasques (http://casaazuldaliteratura.blogspot.com/).
Depois de criar um blogue para que essas crianças pudessem se expressar através da imantação poética, Marciano viabilizou (com recursos próprios, diga-se), a publicação do livro Serafin dos Poetas (SP: Casa das Aventuras), com a participação de 33 poetas, todos alunos do Ensino Fundamental I da escola Pe. Serafin Martinez Gutierrez, na Cohab, zona leste da Sampalândia.


O livro Serafin dos Poetas

A tarde radiosa prenunciava uma certa apreensão, já que o fato era uma novidade que eu nunca presenciara. Chegando à escola, porém, eis-me diante de uma reunião não prevista, os alunos, em suas mesas ornamentadas com papel crepon lilás e belas violetas, fazendo um enorme círculo. Solícitos pais, tios, avós e outros familiares e prestigiadores, todos em volta, exemplificam a beleza do momento de todos aquelas crianças, poetas de verdade única e lírica, para dizer explicitamente apenas "o mínimo".

Crianças poetas (ou o correto seria poetas crianças?)

Por todo o pátio da escola via-se a intensidade dos trabalhos dessas (e de outras crianças), nos cartazes, instalações e dobraduras-poemas, todos ilustrando a profunda experiência transformadora a nós permitida pela arte, cultura e exercício da cidadania.
Após uma breve digressão do próprio Marciano, dando o evento como aberto, nos deleitamos com os autógrafos, quando os poetas puderam vivenciar uma experiência pela qual já passei e que sempre gera um desconfortável frio na barriga. Imagino a cabecinha deles naquela hora...

Exposição do fundo marinho com material reciclável

Exposição

Marciano Vasques dando início à tarde de autógrafos



26.11.11

Voo Livre, de Alexandre D´Lou - Estreia na Cinemateca

Ontem, na noite de uma sexta-feira linda na Sampalândia, foi a estreia de Voo Livre, curta de Alexandre D´Lou. Baseado em fatos reais, o filme conta a história do suicídio de uma garota no momento da festa de seu aniversário.
D´Lou, que também é fotógrafo e arte-educador, buscou neste Voo Livre algumas saídas interessantes e inusitadas para distinguir seu filme. Chama a atenção, entre outras coisas, a desadesão de trilha em momentos de tensão dramática e suspense, viabilizando efeitos climáticos pela via inversa na cinematografia a que estamos acostumados a ver. Para preencher essa "necessidade semiótica" da linguagem, Alexandre buscou então uma fotografia fílmica densa, com coloração expressionista, que ajudasse a realçar as sugestões do enredo. O resultado é muito satisfatório, ainda mais quando somos surpreendidos pela informação de que o filme é a estreia dele na direção.
O próximo passo já está do cineasta é a produção de um documentário sobre a Revolução Paulista de 1924, também conhecida como "a revolução esquecida".
Outros curtas exibidos na noite Curta Cinemateca Especial foram Nego e Velho Mundo, ambos de Armando Fonseca, Conversão, de Jr. Aragaki; Rabiscroto, de Marcelo Terreiro; e o (ótimo) documentário Cocorobó, de Cyro Sadeh e Mariana Costa Di Lello.
A troupe e Alê D´Lou (camisa azul)


Vôo livre, de Alexandre D’Lou
São Paulo, 2011, vídeo digital, colorido, 5’ 
Michelle Dias, Isa Diaz, Marco Antonyo e Anita Abrantes

24.11.11

Missa Pela Memória de Raberuan

Hoje, quinta-feira, 24 de novembro de 2011, às 19h., será celebrada missa pela memória de Raberuan, o "passarinho", o "Tião", o "cantador", o "violeiro".
Local: Igreja São Francisco de Assis (final da av. Miguel Rachid, Ermelino)
Celebrante: Pe. Ticão
foto EF (arquivo pessoal)
Amém!

"Bem-te-vi, Itaim" (Raberuan e Akira) c/ Raberuan

18.11.11

Raberuan foi cantar com os passarinhos...

foto: EF (arquivo pessoal)
A notícia me pegou ali, junto ao Metrô Carrão, na Radial Leste: "Raberuan nos deixou". Melhor assim: "Raberuan nos levou". Uma hora atrás.
O crooner de voz sem falsetes, o cantor de múltiplos sentimentos, o compositor de tantos recursos poéticos,  cantador de todas as celebrações da vida, o Tião foi-s´imbora. Mas levou-nos juntos, nas asas de sua poesia.
Deixará em nossa memória a tatuagem indelével de seu cantar sem esforço, o violão como um parceiro quase siamês, a cabeleira rebelde a balançar freneticamente, os olhos vivazes, o afago de suas mãos sempre dispostas a um carinho.
Tinha 58 anos...
foto: Akira Yamasaki (arquivo pessoal)

16.8.11

Teatro: "Espartilho" no Palco

Espartilho, texto de José Antônio de Souza, com Dani Mustafci (também produtora da peça) e Fábio Ock, sob direção de Roberto Lage, é um testamento das qualidades que permeiam a obra do dramaturgo.
Dono de uma rara sensibilidade para elencar relações (e suas comunicações inerentes), José Antônio de Souza, também roteirista (Reflexões de Um Liquidificador, no cinema; e Grande Sertão: Veredas, na tv; estão entre suas assinaturas mais significativas), e ensaísta (Um Demônio Que Ruge e Um Deus que Chora – Presença de Bilac em Nelson Rodrigues é sua obra mais recente), tirou, qual Chico Buarque, um leque de artefatos reflexivos da cabeça de uma mulher, Virgínia (Dani Mustafci, em atuação memorável), situando-a femininamente com seu colóquio de dúvidas e assombros, em profundas introspecções e digressões dialógicas. Pois as perguntas e inquirições do roteiro que Virgínia descarrega sobre Ambrósio (Fábio Ock), é aquilo que convencionou-se chamar de “retórica feminina”, e que Souza escreveu com argúcia.
E se Virgínia é ambígua na recepção de todas sensações que Ambrósio lhe provoca, é porque isso parece-nos (a nós, homens), uma abstração exclusivamente da mulher. No fundo, todos sabemos que não é bem assim, que os homens também têm pontos obtusos, mas as convenções fálico-sociais quase não permitem que fiquem em evidência no exercício cotidiano do macho.
Trazendo para o palco essa orquestração dialética de gêneros tão distintos (portanto, complementares), Souza, sob a direção segura de Lage, leva seus personagens a desfilar seus rosários de conversas ora inflamadas, ora cadenciadas, a essa lógica que é freudiana mas obedece rigorosamente a um novo tempo e localização. Assim, a fleuma de Virgínia e a racionalidade de Ambrósio obedecem a uma organicidade de movimentos que os levam a aproximar-se naturalmente, quando havia no princípio a hipótese latente de repulsa, que o texto hábil de Souza vai aos poucos depurando em favor do final, que pode ser interpretado como feliz, ou ambivalente, e que eu, a meu modo, diria cético.
Espetáculo que oferece um caudaloso rio de idéias pra se (re) pensar, melhor ainda de se ver.


Espartilho
Texto: José Antônio de Souza
Direção: Roberto Lage
Apresentando: Dani Mustafci e Fábio Ock
Cenário: Heron Medeiros
Figurinos: Luciano Ferrari
Iluminação: Wagner Freire
Produtores: Dani Mustafci, Elza Costa e Edinho Rodrigues

(Espaço Parlapatões - Pça. Roosevelt, 158 – Centro – SP, fone (11) 3258-4449
de 06 de agosto a 04 de setembro de 2011)

14.8.11

Fotopoemas: Haicaos - Exposição n´A Casa Amarela

Desde 29 de julho alguns poemas curtos meus (haicaos), estão literalmente plantados no meio da sala d´A Casa Amarela (www.acasaamarela.net). Os textículos estão editados sobre fotos que tirei com câmera de telefone móvel, conferindo uma nova possibilidade estética diante da falta de recursos técnicos a quem se habilita a clicar com celular.
O tronco que os expõe, recolhido num canto qualquer do Pq. Carmo, agora está vivo (e florido, digo, colorido) de poesia.
(foto: Luka Magalhães)

A quem se dispor,o endereço éRua Julião Pereira Machado, 07 – São Miguel Paulista - São Paulo - SP

(atrás da escola Carlos Gomes, de frente a Sabesp, na rua da escola Hugo Takahashi, próximo à Avenida Pires do Rio)
Visita aos sábados, das 14h às 18h

MAPA 


11.8.11

Entrevista ERNANI BARALDI (Fotografia e Produção Cultural) (SP) - Parte II

* Aqui a continuação da conversa que tive com Ernani Baraldi em junho último, durante a 3ª Invernada, em Sacramento, MG. Neste momento, ele fala de sua paixão, a fotografia, e de como ela orbita em torno da "antropologia visual", do maracatu e do grafite, os temas mais recorrentes de sua pesquisa. Também discorre sobre suas andanças em São Paulo, e o retorno até Minas.

(Ernani discorrendo sobre suas experiências fotográficas e em produção cultural)

(Maracatu e grafite)
Eu fotografava o Bloco de Pedra (grupo de maracatu), e lá encontrava outros fotógrafos. Observava como pegavam na câmera, na lente. De longe eu bato o olho e vejo se o cara está usando no manual. Por ex., hoje (nota: durante a 3ª Invernada), tinha aqui uma mulher que estava acompanhando o professor que estava na mesa. Olhei e pensei, personal coaching, assessora de imprensa, o que será que essa mulher é? Observei do jeito que essa mulher pegava na câmera, ela não sabe fotografar. Tudo no automático e segurando assim (simulando um pêndulo). Câmera é uma arma, você tem que segurar assim – sabe um fuzil? – eu sempre imagino que estou com uma arma na mão, e o clique é o tiro. Só que eu imagino que estou com uma arma na mão com duas balas. Então tenho que dar um tiro muito preciso, pra não ficar gastando munição, porque, quanto mais você dispara, mais o seu obturador vai sendo gasto. É igual motor de carro, vai chegar um ponto em que você vai ter que fazer revisão. Depois seu carro não agüenta mais revisão, tem que passar pra frente. Essa minha vivência com o analógico foi interessante porque aprendi a técnica.

(Personalidade própria, mas herdada)
Meu avô faleceu em Rifaina em 1994. Eu senti muito a perda dele, tinha 18 anos, ele era como um pai. Minha mãe fala que eu sou meio sistemático, tenho algumas coisas comigo que é do meu avô. Quando eu vejo uma coisa errada dentro de casa, eu não falo, fecho a cara, fico calado. Só que esse é o sinal – minha mãe conhece – de que alguma está errada. Ele fica especulando, e então eu descarrego, não maltratando ela. Falo “é isso, isso, isso...”

(Percursos profissionais)
Trabalhei 5 anos com meu avô, carregando tijolo, sempre estudando à noite. Tinha um médico na cidade (meu tio foi prefeito), que era amigo da família, era o médico de meu avô, e ele falou com minha mãe, “deixa eu levar o Ernani comigo, ele vai estudar em Uberaba”. Fui com ele, tinha 17 anos, passei no vestibular de Ciências Econômicas, só que não me adaptei, primeira vez fora de casa, voltei. Só que fiquei desempregado, porque não queria carregar tijolo, fui trabalhar de frentista, depois num supermercado, onde fiquei 2 anos. Nesse período, passei no vestibular de Administração de Empresas, com habilitação em Comércio Exterior, em Franca. Nesse período eu namorava com a Fernanda.
Comecei a trabalhar na obra de um hotel, aprendendo várias coisas diferentes, a faculdade me dando suporte. As pessoas falavam que eu tinha o dom da persuasão, da conversa, cativar: “você chega aqui e em meia hora você já fez amizades com tudo mundo...” Sei lá, isso acho que veio da minha mãe, ela é assim, popular na cidade, sai andando, conhece todo mundo, faz caridade por amor mesmo.
Fui trabalhar nesse hotel, apareceu uma empresa de SP querendo administrá-lo. Conheci o dono dessa empresa, que era uma agência de turismo. Ele foi conhecendo o meu trabalho no hotel e convidou para trabalhar pra ele. Eles arrendaram o hotel, então deixei o hotel e fui trabalhar na empresa, em São Paulo.
Seis meses trabalhando e ele me levou para Ribeirão Preto, isso em 99. Trabalhando em Ribeirão Preto, dois meses depois fui pra São Paulo, com um cargo executivo. Tinha 24 anos na época, estou com 36 agora.
Os clientes eram escolas, ia lá, fazia reunião com os pais, e vendia o pacote para o hotel. Disparei, sempre batia as metas. Durante seis anos fui o melhor representante da empresa, vendia 600, 700 mil reais. Foi a época em que ganhei uma graninha.
(Autoconhecimento: Machu Pichu)
Viajei pra fora, investi em mim. Peguei a mochila, fui pro Peru, desci, fui pra Machu Pichu. Se você for pra lá, você vai pirar! Tudo isso faz refletir muito, cara!
Quando o pessoal vai pra Cuzco, tem a trilha inca, que é uma trilha de 4 dias, a oficial. Eu não fiz essa oficial, fiz uma outra que é mais aventura ainda, são 5 dias. Ao invés de ir pelo caminho em que você encontra ruínas, encontra vilarejos em que encontra sítios arqueológicos, a única que eu consegui comprar no meu orçamento. Cinco dias passando uma montanha, a trilha passa no meio, a gente chega a 4600m de altura. Uma friaca do caralho.
Fui sozinho, coloquei a mochila nas costas, fiquei na casa da amiga de um amigo meu, que me apresentou pelo MSN, eu trocava idéia com ela, falei “tô indo praí”, vou fazer um rolê no Peru, na Bolívia, e ela falou “vem pra Lima e fica aqui em casa”. Fiquei 3 dias, curti pra caramba, tem coisa bonita lá, as igrejas...
Cheguei em Cuzco, encontrei uns brasileiros, que estavam em um sítio arqueológico. Eu ouvi falar desse rolê que eles iam fazer, e me indicaram, o cara me ligou, saímos. Nosso grupo de 16 pessoas na trilha tinha 5 brasileiros, comigo; 4 israelenses, 4 franceses, e mais um pessoal que eu não lembro de onde eram.
Eu me comunicava em espanhol. Em inglês, eu leio mas não consigo dialogar. Eu falava em espanhol com a israelense. Ela falava 5 idiomas, trabalhava num site. Inteligência, sabe? Lá (em Israel), todo mundo é obrigado a ir para o exército. Depois disso eles têm um ano sabático, então eles ficam viajando. Interessante a cultura deles.
Isso que é bacana, porque é uma troca de conhecimento fantástica, o encontro da cultura local, daqueles índios falando quíchua, aimara, no meio das montanhas, do mato, e a troca com essas pessoas de outros países.
Quando eu conheci essa menina de Israel, fiquei apaixonado por ela. Os brasileiros ficavam me zuando na trilha, falando que eu era gay, porque eles achavam que a menina estava dando moral pra mim, só que a voz da minha mãe falando “respeite a filha dos outros”, aquela historinha que eu contei da herança materna, vinha na minha cabeça. Eu não estava lá pra ficar fazendo dança do acasalamento. Eu não tava lá pra fumar maconha e ficar bebendo. Eu tava lá por mim.
Tanto que no último dia, na última cidade antes de chegar em Machu Pichu, o único cara que beijou alguém foi eu. Porque o tempo todo a gente foi se conhecendo, rolou uma paquera, e o último dia de trilha a gente... Aliás, ela me fez refletir muito, porque eu levei uma camerazinha pequena, e tudo aquilo que ouvi, me fez despertar mais ainda o interesse pelas relações humanas, pelo social. Então, talvez isso se reflita hoje, falando isso, olhando pras fotos (os painéis da exposição Fotógrafo Urbano, no Parque Náutico da Jaguara), vai reconhecer essa sensibilidade mais humana.

(A volta ao Brasil)
Quando voltei pro Brasil, decidi que iria comprar os equipamentos digitais, que até então fotografava só com equipamento analógico. Comprei equipamentos usados, de uma amigo meu, e comecei a sair. Pegava o carro no fim de semana, ia pro centro de SP, todo mundo enchendo meu saco no escritório, “cê tá louco, vai pro centro?”.
Sempre fui sem a encanação de ser assaltado, comecei a fotografar o centro, fotografava mendigo na rua, criança cheirando cola, e assim algumas fotos que era críticas, como por ex., a capa da (revista) Ounão que tirei como reflexo do Tribunal Regional, tipo, pra mim é como é visto o meu voto, tudo ao contrário.
É engraçado, porque foi de um rolê que dei no centro e daquela foto tem uma seqüência de outras, de pessoas, personagens, a cidade de SP é um cenário constante. O tempo todo você tem ali aquela cultura viva. Para quem gosta de fotografia e audiovisual, SP é fantástico.
Aquele prédio, Altino Arantes, o prédio do Banespa, eu já subi lá não sei quantas vezes, umas 15. Quando eu ia ao centro, às vezes visitava um cliente e depois ficava lá a tarde toda. Só pra curtir, e nem fumava maconha nessa época. (rs)

(continua)

3.8.11

Entrevista ERNANI BARALDI (Fotografia e Produção Cultural) (SP) - Parte I

* Conheci Ernani Baraldi em junho último, durante a 3ª Invernada (Festival de Inverno no Parque Náutico da Jaguara). Autor do trabalho sintomático do Fotógrafo Urbano e produtor do evento, Ernani revelou-se uma ótima surpresa, pela sutileza e visão de seu trabalho, pela sua consciência de civilidade, além de uma amplitude humana muito fundamentada e de cosmovisão plena. Colhi este depoimento enquanto esperávamos o Alex Antunes, para irmos a uma balada. Como o Alex não vinha (estava dormindo no quarto), a conversa fiada foi avançando madrugada adentro. Aqui, a introdução. Depois virão as outras partes.

(Ernani: Fotógrafo Urbano)


(Formação)
Perdi meu pai muito novo, nos mudamos pra Rifaina (nota: cidade do interior de SP) e fui criado pela minha mãe e meu avô. As primeiras influências vieram deles. A presença do meu pai foi muito curta em minha vida. O pouco que lembro dele me remete a uma coisa alegre, de criança que brincou. Ele era motorista de ônibus, chegava em casa sorrindo, brincando com a gente... a memória da gente é isso, a gente vai esquecendo, vai perdendo a imagem se não tem fotografia pra lembrar.
Essa a minha ligação com fotografia, de buscar no passado algo que você não consegue trazer para o presente, só em lembranças.
Tive influências musicais, de caráter, educação e respeito, que acredito boas, por ter sido criado no interior também. A vida da gente no interior é diferente da cidade grande. E não só isso, eu sou de 75, fui adolescente na década de 80, 90. As influências daquela época – não tinha celular nem internet – era mais de família, numa cidade como Rifaina, com 3.500 habitantes. Eu, com 14, 15 anos, brincava de pique-esconde na praça. Era inocente, namorava, mas era tipo pegar na mão, não tinha essa coisa, por exemplo, que hoje a molecada com 13 anos estar se comendo.

(A vida em Rifaina)
Em Rifaina tem internet a rádio. A prefeitura jogou internet, você pega o sinal. Só que eles monopolizaram o negócio. Você tem sinal, mas tem que ter um log in, e ter esse acesso você precisa estar pagando o IPTU. Tem que ir lá, se cadastrar, pegam seus dados – e já serve para politicar isso depois. Fizeram parceria com uma única empresa e fecharam o sinal, ou você tem o sinal da prefeitura ou tem que pagar o Speedy. Se morasse lá eu preferiria pagar o Speedy porque é mais rápido que a internet a rádio.
A molecada hoje tem o acesso, mas no interior as pessoas vivem uma hipnose generalizada. Chega 7, 8 da noite, e não tem ninguém na rua, tá todo mundo assistindo tv, na internet, no Orkut. Mazelas da vida, ficar lá vendo scraps. Transferiram a fofoca da rua para o virtual. É cuidar da vida do outro, sabe? É o ter, não o ser. As pessoas vivem o ter, “eu fui na festa tal”, “eu tenho o carro tal”.
Namorei com uma menina em Rifaina por 10 anos, comecei com 14, terminei com 24, quando fui pra São Paulo. Minha mãe sempre falava, “respeita a filha dos outros, você quer namorar, vai lá conversar com o pai dela, a família dela”, aquela coisa que a geração da minha, de sua mãe, deu. Era mais conservador, namoro em casa, pegar na mãe e olhe lá! Minha mãe acabou passando isso pra mim. Eu respeitava realmente. Claro que você vai ficando adolescente, na puberdade os hormônios começam a fluir, você começa a se masturbar, goza pela primeira vez, surgem pelos, vai tendo aquelas transformações naturais, fisiológicas.

(O primeiro trabalho)
Meu primeiro trabalho foi na cerâmica com meu avô, quando não existia essa represa aqui, tinha o Rio Grande, muita várzea, argila, e ele, filho de imigrantes italianos, veio pra cá trabalhar com isso e se enraizou. Comecei a trabalhar aos 14 anos, carregando tijolo. Só que eu já falava, aquela vozinha interior, “pó, você poderia estar lá em SP”, fotografando. Só que eu sou muito calmo quanto a isso. Porque pra mim as coisas fluíram dessa maneira. Sempre que tive ansiedade de fazer as coisas muito rápido e fui com muita sede ao pote, me ferrei. Hoje estou mais tranqüilo, de ficar de boa...
Então, com 14 anos, a vozinha ficava caraminholando, “você quer isso pra sua vida, carregando tijolo?”, e minha mãe e meu avô martelando, “estuda”, “leia”. Meu avô, por ser filho de italiano, trouxe no sangue as tradições italianas. Para ele, sentar a família junto, almoçar, tomar um cálice de vinho, fazer o nhoque e o macarrão no domingo, era uma tradição muito sadia. Sentar junto, almoçar, olhos nos olhos, essa foi uma parte de vivências da minha infância e juventude que foram positivas demais. Imagina se você cresce levando porrada, cara! As crianças que crescem levando porrada tendem a se marginalizar. Acho muito forte uma família desestruturada. E há vários fatores, econômicos, políticos, de ocupação do solo. Se a gente buscar a antropologia da terra...

(Os primeiros contatos com a fotografia)
Meu avô proporcionou essas vivências familiares que eram fantásticas. Terminava de almoçar, abria o jornal e falava “leia”. Com isso tomei gosto pela leitura, e quando tinha 12 anos, antes de começar a carregar tijolo, meu professor, que é amigo de minha família, falou “você quer aprender fotografia?” Eu disse “quero”. Ele me ensinou as primeiras técnicas, abertura e velocidade, me mostrou o conceito da fotografia, que é a luz: “Olha, a luz é tudo na fotografia”. Ele me explicou, me deixou a câmera, uma Zenit, e disse “vai fotografando”. Comecei a fotografar, ele revelou os filmes e me disse “você tem potencial”, e foi me mostrando as fotos e falando o que eu tinha feito errado, o que tinha ficado certo. Tomei gosto pela coisa. Logo fazia casamentos, aniversários, namorados em banco de jardins. “Casei” meus irmãos, pois fotografei o casamento dos três.
Todos teriam que aprender primeiro as técnicas analógicas. Pois aprende a calcular, olha pra luz e sabe se vai ter que utilizar um tripé, qualquer velocidade abaixo de 60, sei lá, 3 segundos, abrir o diafragma em 2.8, dependendo da lente. E então calcula o que seria o correto pra queimar a fotocélula. Aprendi essas técnicas na forma analógica, e quando você revela, pega a foto, lembra o que calculou. Quando você estuda o analógico, deve anotar o que usou. Depois revela e faz um estudo.
(continua...)

19.7.11

Entrevista ALESSANDRA ESPÍNOLA (Poesia) - PE

"Carioca de nascimento e recifense por adoção(e coração), Alessandra Espínola, 32 anos, é dona de uma poesia que espirra o contemporâneo em nós. "Batedora de pernas" convicta, viajante de si e do geográfico, é dessas poetas(e cidadãs) que não se curvam à rotina, antes estão sempre a martelar um golpe novo para os seus anseios de criação. E a galopar em palavras, em barro, ouvindo música, circulando, no cinema, enfim... aonde sua imaginação e força física permitir. Criadora do blog http://poesianaveia.zip.net, ela me ofertou essa entrevista exclusiva, via e-meio."

 1) Percebo em seus escritos uma intensa vibração corporal. Você "pensa" com o corpo, ou isso é só uma abstração natural?    
Agora mesmo estou "pensando", é mais fácil pensar com o corpo, perguntar, pedir ou responder. Por exemplo, eu não sei pedir nada, nem responder nada, mas pensar ou pedir com o corpo parece que é mais claro, mais lúcido, mais simples, vem a resposta também, mesmo que incompreensível  ou misteriosa.    Acho que só sei pensar assim. Ah, poder ser o frio dessa estação do ano, às vezes vem o sopro de vento na face, na orelha, nos olhos que até queima, uma chuva fina ou banho frio que dói até o osso, desperta os músculos, tem aquela golfada de corpo inteiro e tudo fica muito exposto, os pêlos, os poros, os pingos de todos os is, os pulos por certa eletricidade, depois o enroscar e esfregar do corpo - um troço troncho, um gemido vindo de dentro sem querer e até mal elaborado, depois se espicha todo de novo confortável, aquecido, disposto. Depois vêm as outras estações...    Talvez eu devesse pensar mais de outro jeito. Acho difícil abstração. Eu sou fácil.     
Fragmentos do instante 5:
1. A razão me desconhece.
2. Ando recolhendo abismos.
3. Me descuido das informações.
4. A palavra me desavença.
5. Estou desagregada de pássaros.
6. Porque a rosa é um gesto.
7. Esqueço de colecionar coisas, no futuro terei saudades.
8. Faço escultura de idéias.
9. Palavras o vento não leva.
10. A vida (vibra) na batuta do tamborim. Na palheta do pandeiro.
11. Onde a gente dói? Onde dói um homem?
12. Silêncio: é porque também descompreendo.
13. Dizem que tenho a poesia na veia, mas tenho a experiência do patético e do absurdo.
14. A realidade me desilude e me fadiga amargamente.
15. A vida é mistério sem enigma.
16. Escrever é a minha melhor hora.
17. Sou a conjugação das minhas relações e a agonia do que delas não pode ser feito.
18. É no intervalo da eternidade que nossos tempos se penetram.
19. A cidade inteirinha pode desabar. Ser levada pelas águas. Ainda faço um poema que não se podia. Levanto versos, coisifico prosas, crio uma linguagem de dizer deus.
20. Magnólias: Mulheres que amam a vida.
21. Eu toda ponto G.
22. Estou juntando os cacos, cascos, ossadas. Sobrou quase nada no meio-do-sem-fim de deserto de (meu) mundo.
23. A linguagem é um estado de aleluia em mim.

2) E quem é Alessandra Espínola? 
E eu sei? Sei nada, sei pouco de mim, sou uma egoísta que usa essa possibilidade recorrente de falar de mim, mas parece nunca falo, também pode ser que eu não seja tão egoísta assim, porque no fundo quando falo de mim estou falando do outro,  sei-me com o corpo, vida é aqui ó, no corpo, eu sou intoxicada da vida.    Alessandra Espínola é essa porra agarrada na garganta, o vômito para fora da janela do ônibus. O conta gota, mas que não conta as gotas, aperto e me espirro num jato inteirinho, sabe como é? Sou essa agonia entre o espetáculo e o corpo pendurado na corda - forca, força segurando o corpo nos ares, essa coisa indescritível do instante entre os olhos e o lance de guilhotina rascando o ar, rasgando a jugular.    Sabe aquela linha emaranhada de pipa ao redor dos pés, então a gente corta a linha, aí é a pipa voada e a linha embolada na terra, quanto mais a gente mexe mais embola... depois o desenlace... sou o gongolo no quintal da casa, se tocar enrosca todo, a dormideira na estradinha, se você só assopra ela se mexe inteirinha num balé simples, delicado e espantoso, repentino...Sou a lagartixa e o rabo solto, epilético, solitário que ainda vive, sente o corpo depois do corte.    Sou o último filete de nervo (dentro da carne e à flor da pele) que não tem mais irrigação, mas ainda vive, insiste em estar vivo. O apêndice ao revés.

3) Quando foi que começou essa epifania corporal em sua vida? Já na adolescência?
Me demorei nessa pergunta tentando lembrar desse quando.    Descubro: foi quando nasci. E nascer não é senão uma epifania corporal... (?) Aí fui percorrendo o quando do tempo no meu corpo, porque está tudo aqui, no meu corpo, então na adolescência houve, como tudo, aquele boom, aquele zoom, aquele pif, de epifania mesmo, que é quando tudo nasce, eclode e explode e depois-tudo-de-novo-todo-tempo que é quando. Quando, por exemplo, os pêlos, as carnes nos crescem concomitante com os imensos desejos e outras coisas nem sempre agradáveis.
Caleidoscópio de jóia.
Réstias de sol
na clara bóia.
4) Fora o seu blogue, onde mais você escreve?  Já publicou alguma obra?          Num caderno em pé meio desmantelado de arame, e em algumas folhas soltas. Não publiquei nem uma obra ainda. (sic)


um dia ainda
vou rir da tua cara
cara a cara
5) E agora, o que você está "aprontando" para seu público, os seus leitores?
Não tenho nada pronto ainda, mas estou gostando de uma idéia que tenho, algo como  flashes no escuro, coisas simples, poemas pequenos. E outro algo com prosa também como uma espécie de diário - já que nunca fiz um diário.
  
6) Quem você poderia citar como influências confessas em sua vida e/ou seus trabalhos?
Nos dois aspectos, meu pai Armando da Conceição e a escritora Clarice Lispector, mas principalmente eu mesma me influenciei demais como uma coisa que tem raízes em si mesma e se suga demais, pois tem húmus demais.  
[A vida... ]

A vida é uma

urticária gigante
(essa que sou)

pode ser

que dizer

desintoxique.
(Texto publicado originalmente no Recanto das Letras em 30/10/2008)