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26.9.14

Ninguém Lê - "Gilete na mão do macaco" (Walner Danziger)





Ninguém Lê – “Gilete na mão do macaco” (Walner Danziger)

Em 1º de setembro tive a oportunidade de participar de meu terceiro “Ninguém Lê”, o encon tro literário sobre obras de “escritores vivos”, dirigido por Victor Rodrigues e Ni Brisant no espaço Hussardos (Praça da República), centrão velho da Sampalândia. Depois que descobri o projeto, não perdi nenhum. Ele vem ao encontro dos anseios, dando voz a escritores que gravitam fora dos grandes centros midiáticos. Chama a atenção a qualidade das obras ali abordadas, a avidez e perspicácia dos leitores e a chance de ver e ouvir ao vivo e em cores os autores de obras que contribuem para tirar as periferias do limbo.
Em julho acompanhei Akins Kintê e Elizandra Souza comentarem sobre “Punga”, a sinfonia de versos que compuseram juntos. Em agosto foi a vez da poeta Sinhá com seus poemas sintéticos e líricos de “devolva meu lado de dentro”. Setembro foi a vez de conhecer o autor dos contos de “Gilete na mão do macaco”, Walner Danziger.
Depois de feitas as leituras coletivas iniciais de textos pinçados do livro, começamos a dardejar trocentas perguntas ao autor. De cara, ele foi inquirido sobre a influência de João Antônio em sua obra. “Eu gosto de João Antônio, ainda que goste muito mais de Plínio Marcos”, matando a charada.
Questionado sobre o título, o escritor evade, mas deixa no ar uma saída, afirmando sobre a inconsistência de se dar uma gilete na mão de um macaco. E comparou ao “perigo de dar arma na nossa mão”. O raciocínio agudo do autor vai além, projeta-se em outras searas. Instaura uma metáfora ao asseverar que não podemos nos esquecer de que o ato de escrever também é uma forma de empunhar uma arma.
Os assuntos surgem naturalmente, diversificam, ganham contornos e cores diversas. Daniel Alves (e o episódio da banana do “macaco”) é lembrado (no dia do evento ainda não tinha acontecido o episódio com o goleiro Aranha, do Santos, no estádio do Grêmio, o que com certeza renderia outras digressões). Outros temas vem à luz: contos que às vezes parecem “inacabados”, o erotismo sutil, o poder da síntese na construção ficcional. Walner, bem humorado, vai confundindo, sugerindo, tracionando, ora concordando com os apontamentos citados, ora dando algumas coordenadas sobre a direção de seus escritos, ora deixando um quê no ar, sem apontar caminhos.
Ni Brisant diz de Gilete que “os textos parecem um drible, é sempre ágil, rápido, ligeiro”. Victor Rodrigues provoca, “vejo no livro gente que conheço no dia a dia”. Walner ri contido, quase todos riem, a roda (que chega a ter mais de 30 convidados) concorda. “Como escritor, o ritmo é uma das minhas observações. E o humor”, sentencia o autor. “Às vezes eu acho que falta um pouco de humor na literatura periférica”.
Outra pergunta do público presente revela a curiosidade sobre seu processo criativo. Ele então relata de onde vem a matéria prima de suas criações: “a idéia pode ser uma cena cotidiana. Gosto muito de ouvir conversas dos outros”, afirma. “Gosto de ficar cozinhando a idéia na cabeça, sem tomar nota, pra saber se ela é minha mesmo”. E vem então uma aula sobre o fazer literário: “crônica, pra mim, é um exercício que me obrigo a escrever na hora. Na ficção, tenho que fazer uma sinopse, ponho pra dormir e volto depois pra ir lapidando”.
Se recusando a dar qualquer explicação formal sobre qualquer texto de seu livro, Walner Danziger recheou-nos com sua confeitaria bem urdida, equacionando mistério, simplicidade, originalidade e lirismo. Para nós, ficou a certeza de que “Gilete na mão do macaco” é uma eterna dúvida. E a dúvida é um dos vetores potenciais da literatura.
texto de Escobar Franelas
fotos de Toni Miotto


24.9.14

Resenha - livro "A Viajante do Trem" (Andréia Gonçalves Garcia)


“A Viajante do Trem” – Andréia Gonçalves Garcia

A rotina pode ser massante. Na maioria das vezes, é assim que nos sentimos em relação ao dia-a-dia, principalmente quando fazemos algo por pura necessidade. Há aqueles, porém – artistas, visionários, profetas, descolados em geral – que aprendem a extrair do caldo monótono da rotina o líquido vital que retroalimenta os dias. E a rotina, que era pra ser desprezível, dura, seca, fria e em preto e branco, torna-se morna, um pouco colorida de tons pastéis e até alegre, em dados momentos. Com o tempo, pode até não ser desejada, mas pelo menos é aceita, mesmo que no tapete frio da ironia.
Ler “A Viajante do Trem”, de Andréia Gonçalves Garcia, está dentro do escopo disto que comento aqui. As crônicas que ela escreveu para esta obra, leves e bem humoradas, falam sucintamente da experiência de depender do trem em seus deslocamentos diários. Posso falar com um pouco de clareza sobre o livro, percorro todos os dias quase o mesmo caminho que ela faz. Quer dizer, as situações que ela retrata, conheço de cór e salteado. E, assumo dizer, muitíssimo bem escritas.
Sensível, a escritora foi notando fatos e juntando histórias, depois retratou-as em um blogue que criou para este fim. O retorno dado pelos leitores animou a escritora nascente e então “A Viajante do Trem” tornou-se um livro, obra que impressa, impressiona pela descrição cristalina e um pouco “alegrinha” sobre o rotineiro ir e vir nos vagões sempre abarrotados de gente. Hilária, Andréia fala da Síndrome do Trem Chegando (STC), doença que gera taquicardia e maus modos em todos que são acometidos por ela. Em muitos casos, mães são homenageadas mais que as de juízes de futebol e até mortes trágicas já foram registradas por conta deste mal do século 20 que e arrasta-se para este novo século, sem que haja cura prevista pelos pesquisadores do assunto.
A autora também faz comentários pertinentes sobre as “pessoas tartarugas”, um tipo fácil de encontrar (e de se esbarrar) nas conduções diárias, e que normalmente é do século masculino e com menos de 40 anos. Como pode ser notado, é uma doença reversível essa de deixar as mochilas nas costas, que na maioria dos casos é corrigível com a maturidade. A sabedoria do tempo quase sempre produz este e outros milagres, como o da diminuição do número de “deejays” conforme a idade aumenta. Assim, é possível perceber que o Bailão do Trenzão, descrito logo na primeira crônica, quase sempre é proporcionado por jovens “sn” (sem noção). Mas como toda doença também tem suas exceções, há um grupo que, paradoxalmente, quanto mais velho, mais gosta de clamar a muitos para que adentrem seu pelotão - sigo, seu bailão - mesmo que a contragosto da maioria sonolenta: os crentes chatonildos, que, na ânsia de propagar sua fé, esquecem do princípio básico da lei da convivência, que é o respeito à fé dos outros.
Bem, estes e outros enredos estão todos lá, descritos com leveza e cuidado por esta autora iniciante que acerta a mão logo na primeira cartada. E, se for possível, leia o livro esmagado pela turba apressada numa manhã qualquer numa dessas estaçõezinhas da periferia. Ler “in loco” vai ser a síntese perfeita dos acertos dessa escritora.
Mais sobre a autora:

Escobar Franelas