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12.6.14

Não sei o que escrever

Marco inicial no Itaquerão, 2012 (foto Escobar Franelas)

É sempre assim. Começo a escrever baseado em algo que coçou, coçou, até me fazer sair do lugar, ligar o micro, abrir a pasta de escritos, criar um arquivo e aí... baubau, o texto foi embora, foi voar em outras nuvens, escafedeu-se, virou fumaça...
E eu fico aqui, pasmo, diante da tela em branco, os dedos céleres batucando em qualquer tecla, procurando dar vazão ao que já expirou, virou cinzas.
Abri essas linhas pensando em escrever dessa sensação dúbia que vivo nos momentos que antecedem a abertura da Copa do Mundo. Tá bom, tá bom, confesso: só estou assim porque o evento vai ser aqui no quintal de casa, em Itaquera. Há muito que o futebol midiático não me interessa mais. Tenho gostado cada vez mais das peladas perto de casa, de ver a molecada jogando bola na rua, de ver jogos nos campinhos de areia, do que ver necessariamente uma partida de futebol "oficial". Futebol hoje é para consumo, e consumo padrão classe média. Pois pagar 40, 50 pilas para passar frio ou calor, tomar chuva, ficar mal acomodado, ver um punhado de pernas de pau, todos milionários, correndo atrás de uma esfera de dinheiro rolando por cima de um gramado milimetricamente recortado, num encontro catártico que ocorre a cada 3 ou 4 dias, está totalmente fora das possibilidades de consumo de um pobre pobre de marré marré.
E mais, saber que essa prática suscita uma paixão tão avassaladora que alguns adoentados sociais aproveitam-se desse espaço para transformar o esporte numa arena romana, onde o que vale é um amor distorcido de fanatismo cego, a exultação pela humilhação do outro, isso tudo resulta em mim um certo asco. Amo futebol, amo muito mesmo o futebol, tanto que o pratico até hoje. Mas só o entendo no campo do lúdico, do prazer, da civilidade, da fruição. Fora desse campo, o futebol desperta em mim o mesmo carinho que tenho por um chuchu cozido sem sal.
O que eu estava escrevendo? Ah, sim, eu estava falando que estou um pouco eufórico. Situação parecida com essa só vivi em 1982, com aquele time mágico do Telê, a única seleção que até hoje recito de cabeça: Valdir Peres, Leandro, Oscar, Luizinho, Jr, Cerezo, Sócrates, Falcão e Zico, Serginho e Éder. Na época, que fique bem dito, eu era adolescente (aliás, já até escrevi sobre isso aqui mesmo neste sítio: http://escobarfranelas.blogspot.com.br/2012/06/cronicazica-alegria-em-preto-e-branco.html), e estava tomado pelo mesmo torpor que quase os adolescentes sentem, nessa relação utópica como futebol . Depois, como em mim, passa, a maioria cresce e acaba o conto de fadas.
Pois bem, o tapete de cimento está estendido, que venham todas as pernas, todos os olhos para Itaquera.
 
https://www.youtube.com/watch?v=54vjPfK5UQo&feature=youtu.be

6.6.14

Cronicazica: o que sonhei - parte II


Iludido, indeciso, premonitório, crítico, estou aprendendo aos 45 a ser o que espero de mim. Depois virá a prorrogação, que é só canseira à espera dos pênaltis. Depois os pênaltis. E fim de jogo.
Noves fora, oferto beijinhos no ombro a quem quer esteja aí, olhando por trás. E olho no espelho, na dúvida (dívida? dívida!) se sou eu mesmo quem me olha de dentro do reflexo.
Agora sei: não vai ser a Copa das copas. E vai faltar água depois das eleições. E Putin não morre. E... e... e...
Em 12 de junho estarei torcendo pro Nicolelis.


A final: o que sonhei?

 
Na noite passada, sonhei que o Brasil disputava a final da Copa do Mundo contra a Argentina. E pra cortar o suspense, vou direto ao resultado. Dava Argentina.
No amargo mundo em que brotava de minha mente criativa, surgia um inconsolável aparato de lágrimas e dor que visualizava no rosto de vários familiares e amigos, todos tristes, cada um curtindo seu maracanazzo pessoal. Eu - claro! - sofria junto, não pelo resultado mas mais pela peculiaridade da situação, ver a desilusão sobre e sob os olhos úmidos dos entes ao redor.
Retrocedendo: saltei, num átimo, do dia 13 de julho para hoje, quinta-feira, 5 de junho. Acordei como corpo todo dolorido, um pouco assustado. Fiquei mais tempo que os dez minutos usuais na cama, tentando me desfazer do cansaço, do sonho. Melhor, do pesadelo.
Ou nem tanto: ver o Messi e o Neymar disputando uma mesma final de campeonato, transformando a bola numa arma de fênix, numa cartola mágica, que a cada jogada lança uma nova ilusão de ótica, me faz pensar que o menos importante é o número final da partida. Mais ainda: posso sofrer pelo malfadado resultado que enterra o meu prazer ufano, porém, os olhos entram em conluio com outros prazeres talvez não sensorializados. Uma boa jogada, um drible perfeito, um gol de voleio, tudo isso remete ao prazer de ler Bandeira, os dez minutos em silêncio passados com Drummond, uma canção de Vinícius com Jobim, um tamborim e uma cuíca inserindo o inexplicável para todo o meu corpo devoto, um solo de guitarra endiabrante. Todo prazer vale a pena.
A menos de uma semana do pontapé inicial, aliás, o gol de placa pode estar sendo promovido pela equipe do Miguel Nicolelis (https://www.facebook.com/pages/Miguel-Nicolelis/207736459237008), cientista brasileiro, craque no campo em que se propõe atuar: a humanização através da ciência. É possível que o exoesqueleto, roupa robótica cujos sensores permitem que alguns membros do corpo obedeçam aos comandos do cérebro por meio de eletrodos, permitindo, por exemplo, que o chute inicial do jogo do dia 12 seja feito por um paraplégico, seja a grande atração, e nos revele o craque do jogo, ou do campeonato todo.
Amo futebol de maneira até incompreensível, amo o malabarismo dos 22 palhaços e contorcionistas do circo retangular a céu aberto. E amo mais ainda a sugestão de ideia de que na abertura (não na final), seja feito o grande gol da copa, e faça desse dia o do sonho orquestrado por um grande mágico. Quanto ao pesadelo da final, eu não acredito em meus sonhos. Mas não duvido de meus pesadelos.
Aqui, há baços para abraços, em todos.