Pesquisar este blog

16.8.11

Teatro: "Espartilho" no Palco

Espartilho, texto de José Antônio de Souza, com Dani Mustafci (também produtora da peça) e Fábio Ock, sob direção de Roberto Lage, é um testamento das qualidades que permeiam a obra do dramaturgo.
Dono de uma rara sensibilidade para elencar relações (e suas comunicações inerentes), José Antônio de Souza, também roteirista (Reflexões de Um Liquidificador, no cinema; e Grande Sertão: Veredas, na tv; estão entre suas assinaturas mais significativas), e ensaísta (Um Demônio Que Ruge e Um Deus que Chora – Presença de Bilac em Nelson Rodrigues é sua obra mais recente), tirou, qual Chico Buarque, um leque de artefatos reflexivos da cabeça de uma mulher, Virgínia (Dani Mustafci, em atuação memorável), situando-a femininamente com seu colóquio de dúvidas e assombros, em profundas introspecções e digressões dialógicas. Pois as perguntas e inquirições do roteiro que Virgínia descarrega sobre Ambrósio (Fábio Ock), é aquilo que convencionou-se chamar de “retórica feminina”, e que Souza escreveu com argúcia.
E se Virgínia é ambígua na recepção de todas sensações que Ambrósio lhe provoca, é porque isso parece-nos (a nós, homens), uma abstração exclusivamente da mulher. No fundo, todos sabemos que não é bem assim, que os homens também têm pontos obtusos, mas as convenções fálico-sociais quase não permitem que fiquem em evidência no exercício cotidiano do macho.
Trazendo para o palco essa orquestração dialética de gêneros tão distintos (portanto, complementares), Souza, sob a direção segura de Lage, leva seus personagens a desfilar seus rosários de conversas ora inflamadas, ora cadenciadas, a essa lógica que é freudiana mas obedece rigorosamente a um novo tempo e localização. Assim, a fleuma de Virgínia e a racionalidade de Ambrósio obedecem a uma organicidade de movimentos que os levam a aproximar-se naturalmente, quando havia no princípio a hipótese latente de repulsa, que o texto hábil de Souza vai aos poucos depurando em favor do final, que pode ser interpretado como feliz, ou ambivalente, e que eu, a meu modo, diria cético.
Espetáculo que oferece um caudaloso rio de idéias pra se (re) pensar, melhor ainda de se ver.


Espartilho
Texto: José Antônio de Souza
Direção: Roberto Lage
Apresentando: Dani Mustafci e Fábio Ock
Cenário: Heron Medeiros
Figurinos: Luciano Ferrari
Iluminação: Wagner Freire
Produtores: Dani Mustafci, Elza Costa e Edinho Rodrigues

(Espaço Parlapatões - Pça. Roosevelt, 158 – Centro – SP, fone (11) 3258-4449
de 06 de agosto a 04 de setembro de 2011)

Nenhum comentário: